"Agora no TeleCine KingKong, um macaco q depois q vai p/ cidade e fica famoso pega 1 loira. Quem ele acha q e? Jogador de futebol?". (Se você duvida que ele escreveu isso, eis o link)
Longe de mim querer repercutir o que uma dessas celebridades - no caso, uma quase celebridade - escreveu. Não é pra isso que eu escrevo um blog, mas esse caso suscita um debate que vem se tornando bem recorrente: A história do humor, seus limites e a questão do politicamente correto. Desde então, fiquei matutando sobre a questão.
Se isso que nós chamamos hoje de Arte poderia ser definido como uma experiência estética sensivelmente impactante que visa a transmissão de um conceito e o faz mediante o uso de símbolos, o Humorismo, então, é Arte em estado radical; o impacto que produz é tamanho que provoca a euforia no espectador, o que se materializa no riso. Esse simbolismo o faz implicar em uma linguagem - e como tal, não é neutra, mas sim relativa à ideia que pretende transmitir.
Pois bem, indo um pouco mais adiante, resta pensar qual é a função do humor. Se a Ética/Moral - a dicotomia entre os dois conceitos é falsa -, seria o modo de agir que se adequa perfeitamente a convivência em grupo, logo ela pertence à realidade objetiva que não alcançamos, daí, por meio da nossa reflexão - motivada pela necessidade do conviver - criamos padrões éticos/morais. Tais padrões, não raro, se mostram falsos, no entanto, mesmo diante dessa constatação, às vezes eles são mantidos pelo interesse de uma classe - estamos diante do Moralismo. Veja só, o Humor serve para denunciar esse moralismo, o que, por vezes, resulta numa transgressão. Obviamente, o Humor vai contra padrões éticos/morais falsos, não contra a Ética/Moral porque se fosse, seria destrutivo - não é o caso.
Agora, a questão que fica, mesmo diante da concepção da não neutralidade da linguagem humorística, é a seguinte: E se o conceito que uma piada quiser transmitir for um sofisma? Pior: Se for um sofisma útil ao moralismo reinante? Até que ponto isso ainda pode ser considerado humor? No contexto de uma sociedade como a nossa, onde negros são oprimidos - seja por meio de ofensas, violência física ou guetificação social -, até que ponto é engraçado, por exemplo, fazer piada da posição dele nessa sociedade?
É possível fazer piada do racista - ou em outros casos do homófobo ou do explorador - como também é possível fazer piada do negro, do gay ou do morador de rua, mas a diferença é que no segundo caso você está cometendo uma atitude destrutiva dado o contexto social e histórico. A corda do humor se estica bastante, mas estou certo que isso não é humor porque se presta à humilhação. Trata-se de um sofisma destinado a afirma certo moralismo - o da suposta proibição de um negro sair com uma loira -, de acordo com o interesse da classe dominante e que se traveste da linguagem humorística para atentar contra o bom conviver. Em suma: Ele não denuncia o moralismo, ele o afirma. Enfim, trata-se de deboche, puro, simples e doloroso.
Sem querer entrar no mérito da questão, discordo um pouco de sua conclusão. Não vi na piada a tentativa de proibir o negro de sair com loiras, na verdade essa piada do Gentilli - com outras palavras, talvez - é comum e uma constatação de que ninguém vê jogador de futebol negro com uma negra. Se não for loira é "morena", mas branca.
ResponderExcluirNão estou defendendo esta visão mas, querendo ou não, é o que mais comumente ouvimos falar.
Mas, só para não sair sem deixar qualquer opinião, eu não posso afirmar se o Gentilli é ou não uma pessoa racistas, o que eu acho é que não é possível nem necessário crucificar uma pessoa e chamá-lo com todas as letras de rascista por uma frase isolada e, em alguns casos, descontextualizada.
Tsavkko
ResponderExcluirAssim como é mais comum ainda você encontrar pessoas indignadas diante de um casal formado por um negro e uma branca. Sobre o caso em tela, não disse que Gentili é necessariamente racista, mas sua piada foi sim, isso me parece suficientemente claro - e foi justamente pelo contexto.
O humor é como uma perereca - colorida e 'bonitinha' por fora, mas quando dissecada vê-se coisas bem nojentas por dentro.
ResponderExcluirÀs vezes, situações acabam assumindo uma perversa ironia. Tomemos, por exemplo, a questão da correção política aplicada ao humor. Se você não gosta dessa ou daquela piada, e diz porque não gosta, ouve coisas como: "cale-se, você está sendo políticamente correto". Ou seja, contra a suposta intolerância do políticamente correto usa-se a intolerância do políticamente incorreto.
ResponderExcluirÉ sabido que na esfera do humor, da piada de costumes, são dominantes o racismo, a misoginia, a xenofobia, etc, e ninguém pensa em reescrever as piadas, que podem ser boas ou ruins. Essa em questão é ruim por ser batida demais - além, claro, da grosseria de comparar negros com macacos (se deploramos isso em argentinos, por que não em pretensos humoristas brasileiros?).
Bom, estou pouco ligando para essa história de (in)correção política. Adotar esse parâmetro para análises sócio-políticas é abrir mão de mais uma fração da liberdade de pensamento.
Bom domingo a todos.
PS 1: Politicamente incorreto ou não, quem suporta hoje o humor na televisão brasileira? Programas de linhas diferentes como Casseta e Planeta e Zorra Total, por exemplo, são dignos representante do programa risada zero.
PS 2: Para não fugir do espírito da nossa época, o sujeito do CQC (que tenho quase certeza {não o conheço} que não é racista) aproveitou a intervenção de um do Casseta e Planeta e logrou faturar uns ibopezinhos.
Anrafel,
ResponderExcluirNão é uma simples questão de não ter gostado da piada, mas que de considerar que ela não não rompe com o aceitável. Fazer humor é simples? Não, não é. Como você transgride padrões morais, você corre o risco de atacar a Moral em si e muitas vezes você tangencia isso. No caso em tela, ele rompeu isso da maneira clara, isso não é o que entendo por humor, mas sim por deboche - e não, eu não acho graça em rir da desgraça alheia. Ademais, a análise que fiz é filosófica acima de tudo, não trouxe à baila a questão da liberdade de pensamento - o pensar é livre por definição -, talvez o tenha feito em relação à liberdade de expressão, mas a liberdade é a capacidade de realizar uma determinada ação de acordo com a nossa vontade de acordo com as possibilidades lógicas, logo, nenhum sistema funciona com liberdade plena como não funciona com liberdade nula - e a segunda só pode existir em virtude de que alguém exerça primeira -, destarte a medida é a Ética em um primeiro momento e o Direito num segundo.
Abração
P.S.1: O Zorra é um atentado à inteligência, sempre foi, o Casseta já foi bom, mas quando a trupe se deixou adestrar, passaram a qualidade do trabalho deles se pasteurizou.
P.S.2: Sim, é o zeitgeist, os quinze minutos de fama de Warhol. Quanto a Gentili, também não o conheço, mas respondo o que coloquei para o Tsavkko: Não sei se ele é racista em tempo integral, mas sim, ele cometeu um ato racista.
Hugo, tudo bem?
ResponderExcluirGentili faz um tipo de humor que é muito comum na TV brasileira: preconceituoso, grosseiro e falso indignado. O Marcelo Tas faz isso há muito tempo. É o descolado, indignado seletivo. O tipo de humor do Pânico e do Zorra é altamente preconceituoso. Gostaria de saber, por exemplo, se eles pagam alguma coisa para os entrevistados que eles humilham e vendem ringtones (no Programa Pânico eles vendem toques de celular que dizem "Ronaldo").
O padrão do Zorra é tão preconceituoso quanto previsível: a mulher bonita, burra e interesseira; o gay enrustido; o político corrupto; o (a) gordo (a) sempre humilhado (a).
O humor da geração Jackass/ Beavis and Butthead/ Pânico explora a humilhação pública (entrevistados são ridicularizados); o pobre (o personagem mendigo e a ridicularização do "estilo de vida" do pobre feito por Cristian Pior); os estigmatizados (deficientes físicos, desdentados, os que têm alguma deficiência mental, anões).
O CQC é um humor de direita. Assim como Zorra e Pânico. No caso do CQC, fingindo uma indignação com a má postura dos políticos, majoritariamente. O que fica claro em todos eles é o direitismo, o humor pró-poder estabelecido, humilhante para todo tipo de minoria (negros, mulheres, homossexuais, estigmatizados...).
Acho interessante. Por que ninguém questiona as namoradas e esposas de empresários, artistas, celebridades, sub-celebridades e outros endinheirados brancos? É o mesmo padrão dos jogadores de futebol. Ah, mas jogadores são novos ricos e, geralmente, negros.
Hugo, muito boa a sua iniciativa de tratar desse assunto.
Abraços,
Marcelo Costa.
Tudo bem, Marcelo,
ResponderExcluirÉ exatamente isso que eu penso. Creio que seja um tabu para nós, brasileiros, tratarmos de humor porque corremos o risco de sermos taxados como rancorosos ou coisa que o valha - por conta de nossa cultura dotada de todo um ludismo humorístico como se manifesta pela própria polissemia do português falado por nós, no entanto, isso também serve para esconder o deboche e a humilhação, sempre silenciado pelo truísmo do "isso foi só uma piada!" como denunciou o Túlio Vianna em um dos textos que eu linkei.
Ninguém pensa o humor e de repente um Nelson Rodrigues criticando o moralismo reinante no Brasil de sua época - expresso pelas relações familiares patriarcais e hipócritas - acaba sendo nivelado com um bando de jovens de classe média-alta humilhando moradores de rua - quando uma reflexão simples sobre o assunto rompe com essa falsa simetria rapidamente, na medida em que o primeiro se dedicava a romper com moralismo enquanto os outros o afirmam.
Essa tentativa de fazer humor de direita desses "humoristas" acaba rompendo com o próprio humor; no fim das contas, é só ridicularização e escárnio mesmo; eles são deprimentes.
abraços