Agora há pouco, o STF entendeu, por unanimidade, que marchas da maconha não constituem apologia ao crime. Até aí, nenhuma novidade, qualquer aluno razoável do primeiro ano do curso de Direito conseguiria chegar a essa brilhante conclusão, não se confunde apologia ao crime com defesa de mudança na lei - e, pior ainda, a própria tese de apologia ao crime é perfeitamente desconstrutível. De repente, a imprensa direitista caiu de pau em cima do Supremo e a esquerda comemora efusivamente a "nova vitória" conquistada na Suprema Corte. Trata-se só de um retrato da decadência do debate público brasileiro, pois o buraco, meus caros, é muito mais embaixo: o ponto-chave não está na decisão do STF, mas no fato de que nosso sistema político está se afunilando de tal maneira que é possível acontecer um julgamento como esses, onde foi dado a oito iluminados (Toffoli, Gilmar e Barbosa não votaram) o poder para julgar se a liberdade de expressão e o direito de reunião pacífica valem mesmo. É claro que isso só tomou força e chegou vitoriosamente ao Supremo por conta da força dos movimentos libertários nas ruas, mas é muito preocupante esse fortalecimento da tutela que os tribunais exercem sobre as nossas vidas. Se o STF decidiu dessa forma é porque poderia decidir o inverso: e se aquele órgão dissesse que, na verdade, a marcha da maconha não pode ser realizada mesmo - como fizeram os tribunais pelo Brasil, sobretudo o TJ-SP -, acaso deixaríamos de nos manifestar perpetuamente quando entendemos que certas normas jurídicas devem mudar? Esse salvacionismo em vestes liberais do Judiciário pode afirmar direitos individuais, mas o faz deixando bem claro quem tem o poder para decidir sobre a exceção. O horizonte tem nuvens negras.
Ô.. me preocupa bastante esse juridicismo louco que vivemos e fico feliz de saber de mais gente preocupada com isso. valeu pelas palavras compartilhadas.
ResponderExcluirDe nada. É recíproco.
ResponderExcluirQual seria a alternativa? A única que me parece seria isso NÃO SER UMA QUESTÃO. Ser ÓBVIO que não se pode interferir no direito de marchar pela mudança da lei.
ResponderExcluirMas os governos dos estados estavam reprimindo as manifestações! Sendo assim, o que poderia ser feito? A única solução seria os governos, por si mesmos, pararem de reprimir. Se isso nao acontece, qual é a solução?
O judiciário cumpriu seu papel. Isso se chama Estado de Direito, onde também é preciso julgar sobre aquilo que não é claro. Por isso existe um poder judiciário, pois nada é tão óbvio, tanto é que diferentes tribunais julgaram diferentemente. Pode até lhe parecer que seja óbvio, mas você está alinhado (de alguma forma) ao pensamento, outros não estão.
ResponderExcluirAinda bem que, finalmente, estamos começando a viver sob um Estado de Direito. Nos desfazendo, tão tardiamente, de mentalidades de um longo passado de coronéis, populistas e militares, de um passado de aristocracias disfarçadas.
E se o supremo decidiu a favor do direito de manifestação, pode significar que, ainda bem, finalmente, podemos estar começando a viver em uma Democracia. E se prepare meu amigo, pois mesmo sendo desejável (por ser considerado o melhor sistema político já pensado), democracia em um mundo tão pluralizado, é uma enorme e constante dor de cabeça.
Anônimo 1 e 2,
ResponderExcluirA questão é muito mais complexa do que isso. O problema não é se os governos proibiam as marchas, na verdade, boa parte das proibições se devia ao ministério público, que provocando o Judiciário estadual, conseguia proibir as marchas - em alguns casos, ocorria a interferência nos bastidores do governo do estado.
O ponto é o estado de coisas que vivemos, onde a tutela que se estabelece sobre a liberdade é claro e cristalino: o uso de forças policiais contra manifestações pacíficas é uma possibilidade iminente - o que contradiz o próprio texto constitucional - e seu não uso é uma mera questão da chancela dos tribunais - que podem dizer o contrário, como disseram reiteradas vezes.
A decisão de ontem, gerada por uma manobra astuciosa de Deborah Duprat - e pela força do movimento libertário -, resolveu este problema em específico, mas não deixou de ilustrar o fracasso do "Estado de Direito", capitulado diante de dispositivos de controle e disciplina que servem à manutenção do sistema econômico: e aqui pouco importa se foi uma decisão do STF ou uma lei regulamentando passeatas - embora a segunda fosse mais legítima, a política, bem ou mal, estaria passando pelos representantes eleitos.
E, meus caro, anônimo 2, já vivemos um Estado de Direito há décadas. Isso é o Estado de Direito. O fato de que as pessoas tem liberdade de expressão e direito de se reunir pacificamente depreende-se da própria leitura do texto constitucional, mas não é nada controverso que esses direitos sejam negados, os tribunais podem não dever fazer isso, mas ele tem poder para decidir diferente do que a lei estabelece - e aí, tudo é possível.
Não nos iludamos, portanto, com eventuais conquistas, podemos terminar viciados num judicialismo que cobrará seu preço mais tarde. E será alto.
abraço
Um passinho à frente
ResponderExcluirNinguém imaginava outra resposta do STF à consulta sobre a Marcha da Maconha. O respaldo constitucional a ela é tamanho que podemos questionar a competência e a lisura dos magistrados que tentaram criminalizá-la. Se mesmo um tribunal conservador dá apoio unânime à idéia, como classificar seus adversários?
A proibição da Marcha tentava refrear a urgente e inevitável descriminalização da maconha, planta medicinal de cultivo doméstico e uso milenar, estigmatizada pelo FBI depois do fracasso da Lei Seca nos EUA. Apenas a violência dos cossacos pode calar os argumentos antiproibicionistas. Disputado sob as regras democráticas, o jogo terminará em goleada sempre.
Porém cuidado, resta uma brecha para a ação dos repressores. O STF derrubou a tese da apologia, mas ainda não se pronunciou sobre a “indução ao uso de droga”. Em tese, o Ministério Público pode requerer a suspensão da Marcha com base nesse dispositivo. E, mesmo que uma liminar desrespeite abertamente a decisão do STF, até a reversão do arbítrio a passeata já foi devidamente reprimida.
O sucesso das próximas manifestações será determinante para o futuro do movimento.
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