Gleisi (Casa Civil) e Ideli (SRI) Conversam com Dilma -- O Globo |
Como tratado aqui recentemente, algo aparentemente inexplicável aconteceu no Palácio do Planalto e o governo pensou em voltar atrás no que toca à sua política de publicização dos dados da Ditadura: depois de aprovado na Câmara o projeto de Lei que estabelecia prazo limite de 50 anos para divulgação de dados ultra-secretos do Estado - projeto apoiado e articulado pelo próprio governo - eis que, por meio de declarações bombásticas da nova secretária de relações institucionais, o Planalto parecia estar resolvido a declinar de sua proposta original e articular no Senado a não aprovação daquele PL. Contra isso, levantou-se uma enorme pressão oriunda da sociedade civil e da própria bancada petista no Senado, o que, junto ao senso de oportunidade da oposição (que encampou a defesa pública do projeto), levou a Presidenta a pronunciar-se, ratificando a posição original do governo de apoiar o projeto - que ora será submetido ao Senado, onde sua aprovação já tem o apoio das bancadas do PT, PSDB, DEM e parte do PMDB. Nem vamos entrar no mérito da questão novamente, mas do ponto de vista da prática política, foi uma manobra infantil que gerou um desgaste desnecessário: se era essa a posição de Dilma, por que diabos isso não foi deixado claro logo? Se não era, por que resolver barrar o processo legislativo justo agora? Foi um grave falha de articulação política, o que suscita sérias dúvidas a respeito da recém-empossada equipe da Casa Civil e das Relações Institucionais. De todo modo, o "recuo" ou o "mal-entendido" veio em tempo e, com a aprovação do PL, muito em breve teremos a revelação de arquivos da Ditadura Brasileira, o que acerta em cheio grandes políticos, oligarcas da mídia, gente da esquerda.
Agora, a nova novidade fica por conta da Câmara dos Deputados, que aprovou nesta semana o Regime de Contratações Diferenciado (RDC), mecanismo licitatório excepcional, criado especificamente para as obras das Olimpíadas do Rio e da Copa de 2014. Em tese, esse novo regime serviria para facilitar o processo de contratação, pelo Estado, das empresas que vão construir as instalações esportivas - e obras infraestruturais conexas - para tais eventos, o que parece necessário pelos prazos e a grandiosidade da demanda, mas, por outro lado, ele abre uma brecha importante quanto à transparência do procedimento licitatório, algo temerário, ainda mais depois do histórico pregresso dos Jogos Panamericanos do Rio de 2007, evento no qual a distância entre o custo previsto e o custo final das obras foi astronômico. Pelo texto inicial do RDC, basicamente a previsão de gastos do governo não seria revelada, devendo os lances do processo licitatório serem feitos sem a informação de quanto o governo estaria disposto a gastar - daí, os valores das obras se tornariam públicos apenas com a decisão do certame. Sim, de fato, pode-se argumentar que o RDC poderia gerar um impacto deflacionário, mas só e somente só no caso do custo que o governo estipulasse previamente fosse muito alto - e, assim inflacionasse a disputa -, pois se o governo chutasse as previsões de gasto para baixo - ou as colocasse no seu devido lugar -, fatalmente seria produzido um impacto deflacionário até mais relevante, sem precisar recorrer a esse expediente e correr os riscos graves que correremos. Em suma, o que o governo admite? Que aquilo que ele estaria disposto a gastar é maior do que os preços de mercado das obras porque ele, talvez, não teria controle sobre o processo de estipulação dos custos? E como saberemos se o sigilo desaqueceu a disputa se nem sabíamos qual é o real das valor das obras nem quanto o governo iria gastar?
Tratam-se de questões seríssimas que tornam-se prementes, não apenas no âmbito jurídico-político como também no sentido econômico mais elementar. O governo parece estar encantado com a ideia do sigilo, mas a história prova que isso, ao contrário, tem custos altíssimos. Cá, continuamos a seguir céticos em relação a tais grandes eventos esportivos e cada vez mais fervorosos no que toca à defesa da memória histórica, passada e presente.
Cara,
ResponderExcluirEu tinha imaginado que o "custo Palocci oculto" era muito maior do que o kit anti-homofobia. Talvez o Sarneyzão tenha visto nessa fragilidade uma oportunidade de ouro para dar uma bela chantageada na Dilma. Felizmente, a base do Senado foi "mais realista que o rei" e deu à Dilma a força necessária para revidar. Pelo menos é assim que leio a coisa.
Afinal, se os arquivos não foram abertos logo na eleição do Lula, é porque, dentre outras concausas, os envolvidos ainda estão por aí e ainda são muito poderosos. A mera existência de figuras como Kátia Abreu e Ana Prudente dolorosamente nos lembra disso.
Mas esse negócio da Copa e das Olimpíadas é realmente grave para burro. Tenho pena das comunidades indígenas e das reservas florestais que serão massacradas com a conivência do governo por causa de um raio de um evento, ironicamente, esportivo. Algo que deveria congregar as pessoas a despeito das diferenças, e não servir de pretexto para eliminá-las.
Sim, HWB, e Dilma está particularmente frustrada porque ela aceitou Palocci na cota de Lula e deu nesse problemão todo. Mais do que isso, faltou-lhe um pouco de audácia política para tê-lo retirado logo no início das acusações - depois, ela teve de fazer a fórceps do mesmo jeito, só que depois de ter sangrado bastante.
ResponderExcluirE Palocci era uma ameaça clara - por suas ambições e suas alianças no mercado - àquilo que garante a popularidade altíssima do governo atual: a política econômica. Isso, acho que Dilma não se deu conta até agora. No demais, se o PT teve sim uma importância enorme na queda do ministro problema, dessa vez, o partido livrou a cara dela por vias tortas de novo: graças à excelente postura da bancada petista do Senado, o que já é ruim não terminou péssimo.
Sobre os arquivos, eu creio que as pessoas mais interessadas no seu sigilo eterno não são, nem de longe, os torturadores de quinta, mas sim os velhos figurões da política nacional que posam como conservadores moderados e negociadores da redemocratização. Eles serão os mais atingidos. Se eu fosse o Sarney, teria motivos de sobra para querer o sigilo eterno. Se eu fosse Marco Maciel idem.
Sobre o negócio da RDC, trata-se de um problema grave pra burro e, ao mesmo tempo, grave porque é burro. E trata-se de um problema comum a quem tem uma formação bastante técnica na área econômica - mesmo com um viés mais à esquerda como Dilma: existe uma falta de sensibilidade para compreender a importância de não pôr os carros na frente dos bois por conta de uma "razão maior" de ordem gerencial.
Isso ficou claro na campanha quando debatia-se durante a a Reforma Política e, tanto Marina quanto Dilma, insistiam na tese de uma "constituinte exclusiva" - na verdade, uma reforma constitucional de exceção - para tal reforma e Serra discordava da reforma materialmente, mas não do procedimento. O que eu quero dizer com isso? Que a formação demasiadamente técnica e economicista, uma das possibilidades de pensamento para quem teve formação marxista (como os três tiveram), leva a um desprezo pelos espírito imanente da pólis - os símbolos que dizem respeito a organização: os rituais, as leis etc - em prol de uma espécie de razão que a tudo transcende - e que com pouco se importa - por exprimir as certezas universais e capturar a objetividade do real.
Nesse sentido, saímos do Estado de Direito não por conta de sua irremediável fissura - a maneira como a Exceção está irremediavelmente unida a ela -, mas que tudo que sustenta a vida da pólis - já fragmentada constantemente pelo capitalismo - acaba tornando-se mero instrumento para um certo modelo de progresso que a tudo purgaria - como pontuou perfeitamente Benjamin. Isso foi, ao meu ver, o grande motivo do ocaso do "socialismo real" e, digo mais, da própria "social-democracia", pois esse fim é inalcançável.
Nesse sentido, de um marxismo de formação, escapa-se ao marxismo e termina-se pois em uma espécie de historicismo positivista. Acho que essa problemática, naturalmente, não se resume a Dilma: os grandes nomes do PSDB pensam o mesmo, mas pouco dispostos a pensar uma tecnocracia que conceba a participação dos trabalhadores e dos movimentos sociais, a solução política não garante (nem precisa garantir) a vida de todos.
Eu, um inofensivo spinozano, acho apesar do tecnocratismo de Dilma ter uma inegável consciência social - as políticas são gerenciais, mas voltam-se a garantir a vida de todos os habitantes por meio da geração de emprego, renda e combate à miséria -, essa falta de sensibilidade procedimental é um belo caminho para a auto-fagocitose do projeto. Essa questão do sigilo do RDC vai por aí: pensa-se em uma razão maior econômica, que passa por cima de tudo, é muito mais do que mera esperteza com as empreiteiras - a própria Lei de Licitações já é bastante leniente nesse sentido, acredite.
abraços
Concorrência
ResponderExcluirÉ necessário muito cuidado com as análises hegemônicas sobre o Regime Diferenciado de Contratações para as obras da Copa do Mundo no país. A esmagadora maioria dos comentaristas simplesmente não leu o projeto e se dedica a simplificá-lo no tal sigilo de orçamento, como se ele fosse uma proteção para corruptos.
Isso revela, na melhor das hipóteses, ignorância do funcionamento das compras públicas segundo a legislação em vigor. O conhecimento prévio do aporte financeiro reservado a uma compra permite aos licitantes combinar ofertas com antecedência ou disputá-la “de cima para baixo”, diminuindo valores irrisórios a partir do máximo estipulado.
Manter a previsão de gastos em segredo na fase concorrencial pode não ser um antídoto contra a safadeza, mas nada contribui para agravá-la. De fato, é quase irrelevante. A lei 8666 permite diversos instrumentos mais propícios à manipulação dos resultados. Se a questão fosse privilegiar a qualidade dos serviços contratados, o critério de “menor preço” não deveria ganhar tanta relevância. E, afinal, os Tribunais de Contas merecem nossa confiança mesmo quando não se limitam a endossar as obras dos governos demotucanos, certo?
Por falar em lobby, é curioso que certos adversários da proposta reproduzam tão fielmente os argumentos das próprias empreiteiras. De repente ficaram todos muito desapegados e transparentes.
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