domingo, 9 de outubro de 2011

O Papel dos Intelectuais no Contemporâneo

Voltaire e Diderot no Procópio, os cafés e o Iluminismo
Idelber Avelar, em seu novo blog, lançou, para variar, uma bela discussão ao se prestar a refletir o papel dos intelectuais no pós-lulismo. Não pude resistir a fazer um comentário e, agora, entrar na conversa - tal como o Gilson já fez. Em um primeiro lugar, o intelectual, tal como nós o conhecemos, está obsoleto seja pelos motivos certos ou errados. Uma vez hegemônico, o capitalismo cognitivo, a exemplo do socialismo "real" - ou mesmo os EUA dos anos 60 -, não precisa mais do intelectual, passando assim não só a cessar sua produção como também trabalhar para neutraliza-lo. A bem da verdade, as várias identidades subjetivas historicamente existentes ligadas ao conhecimento - sua produção e difusão - , seja o filósofo, o sábio ou o intelectual, sempre serviram ao Poder no seu processo de ascensão, mas para sua consolidação é imprescindível sua eliminação - ou conversão em lacaios amestrados, o que não deixa de ser uma forma de extinção, convenhamos...

O chamado intelectual público, aquele sujeito que se projetava da Academia para o equivalente da Praça Pública - parido nos cafés da velha Europa -, é incapaz de lutar pela sua própria sobrevivência, quanto menos monopolizar os desígnios de qualquer coisa que seja na política. Ela está obsoleto. Talvez o sujeito intelectual esteja. Não é só porque a burocratização da sociedade esteja grassando e aquilo que o Idelber chama de técnico se imponha - por um fenômeno que, ao nosso ver, trata-se de um fenômeno muito maior do que a Reforma Universitária dos anos 90, algo da qual ela, na verdade, é consequência -, mas porque sua figura está empoeirada. Ele remete a uma sociedade disciplinar que não existe mais, mas aos novos dispositivos de controle que se desenvolvem desde os anos 70 em um túnel no qual não conseguimos enxergar, ainda, a luz - e ainda corremos o risco da luz que aparecer ser, na verdade, o farol de um trem vindo em direção contrária.

Um intelectual, hoje, só pode produzir mudanças quanto reconhece que, sim, ele é importante, mas não, ele é só uma parte da História. O dito espaço público foi-se, naufragou na contemporaneidade. Em um país como o Brasil, a população está cada vez mais apartada, as classes sociais não se cruzam mais na Escola Pública, as classes sociais estão urbanamente isoladas - uns morando em condomínios de luxo fechados, outros, guetificados nas favelas -, as classes sociais estão apartadas até, vejam só, quando se encontra nas intermitências da morte, nos Hospitais. Essa é a dura realidade do fenômeno que alguns identificam - imprecisamente, ao nosso ver - como neoliberalismo, mas que é muito mais do que isso, na verdade - e neoliberalismo passa uma ideia errada de que o Estado está sendo diminuído, quando, ao contrário, ele nunca foi tão grande e nunca teve tantos tentáculos.É fato que existe uma nova intelectualidade ascendente, possivelmente dentre os quotistas das universidades federais e os prounistas, eles, diferentemente de seus colegas bem nascidos, precisam pensar para sobreviver. Mas isso, por si só, não é suficiente para nada.

Existe, aliás, um aparente paradoxo entre a figura do presidente operário que deu certo e que reestruturou as universidades federais e a de seu antecessor, notório acadêmico, que fez exatamente o contrário - dessas finas ironias históricas. Isso nos ensina, talvez, que o voluntarismo lulista em dar aos outros o que ele nunca teve é, em grande parte, um engano - ele é tributário precisamente da condição histórica de não ter sido engolfado pela tradição. A nossa provocação não vai no sentido que por não ter tido educação formal e ter dado certo, Lula deveria não investir em educação - como fez e relativamente bem, aliás -, mas que a educação que deve ser pensada no aqui-agora precisa ir além do que aquilo que Tradição nos legou - isso para além do mundo das políticas públicas, diga-se de passagem. 

Isto nos ensina muito mais do que, em termos de democracia representativa, não apenas qualquer pessoa possa exercer cargos, mas que fundamento disso é, precisamente, o fundamento dado para o juízo anterior, ideia da superioridade relativa de uma determinada gamas de saberes "teóricos" não existe e isso fica bem mais claro hoje. Essa crença, declarada ou não, a bem da verdade, é o laço profundo entre o "técnico", o apparatchik e o intelectual. O intelectual, enquanto aquele que recusa o mundo das especialidades e do caminho único, não deixa, também, de hierarquizar os saberes ao seu modo - e, no fim das contas, de hierarquizar sua própria posição. Em uma sociedade de redes, sua posição real, no entanto, nunca foi tão frágil.

Precisamos, sem dúvida, reconectar saber e ação para desconectar os dispositivos, mas o intelectual só terá qualquer importância nesse processo quando reconhecer sua desimportância relativa, assumindo certa clandestinidade - o que nada mais é do que reconhecer os escombros do espaço público - e devindo partisan - em outras palavras, sentindo a emoção intensa de destruir o fascismo pela construção da liberdade. Opôr a destruição criativa com uma criação destrutiva pela iconoclastia. Quando o intelectual se perceber tão importante quanto o ribeirinho no debate ecológico - e como isso não é depreciativo, muito pelo contrário -, ele será capaz de saber se mover neste (nem tão) admirável mundo novo e cumprir sua função.




10 comentários:

  1. Piada sem graça

    A propaganda com Gisele Bündchen, o personagem machista da novela global e as desventuras do tal Rafinha Bastos motivaram um clima de patrulhamento que precisa ser questionado enquanto resta algo a debater. A cada batalha moralista a esquerda se distancia do espírito libertário e tolerante que a diferenciava dos adversários. E permite que tais valores sejam apropriados pelo conservadorismo decadente, transformando-o em repositório de boas plataformas negligenciadas. Aconteceu com a descriminalização da maconha, por exemplo, e agora acontece com a liberdade de expressão.

    Concordo que há limites para certas manifestações públicas, e sou defensor antigo de uma legislação específica voltada à imprensa. Mas quem estabelece limites no entretenimento, na farsa ou na ficção? O Tribunal dos Valores Éticos e Sociais? A Liga das Senhoras Ridentes analisará trocadilhos e anedotas? Qualquer dignidade que se julgar desrespeitada poderá vetar a provocação alheia? E se as vítimas de gangues psicóticas tentarem proibir “Laranja Mecânica”? Vamos amaldiçoar os velhos traquinas de Mario Monicelli ou os idiotas de Lars von Trier porque ridicularizam incautos e doentes? A animação “Family guy” será metida no índex degenerado? Há diferença entre vetar um filme sérvio ruim ou “Je Vous Salue, Marie”?

    Essas questões incômodas evidenciam o perigo de se tolerar precedentes regulatórios na atividade criativa. Se os paralelos soam exagerados é porque os vilões momentâneos pertencem à chamada cultura de massas, tida como descartável, indigna de compartilhar as prerrogativas republicanas daqueles que a menosprezam. Os sábios jamais permitiriam bedelhos nas suas diversões “cultas”, mas não hesitam em determinar o que as audiências ignorantes podem assistir. A pedagogia do bom gosto camufla uma visão pejorativa do que é popular (nas muitas acepções possíveis), adquirindo um viés social pernicioso e, no limite, autodestrutivo.

    Assusta ler setores da blogosfera recorrendo à bula politicamente correta para justificar seus arroubos censórios. Mas há lógica no raciocínio. O que motiva essa fantasia eugênica, moldada em padrões medíocres de conduta, é a anulação da individualidade e a conseqüente asfixia das divergências. O êxtase coletivista do pensamento único busca formar rebanhos homogêneos e dóceis, que aplaudem qualquer mistificação despótica para evitar a pecha de reacionário ou preconceituoso. Nem sempre funciona, e é por isso que ainda apostamos na democracia.

    http://guilhermescalzilli.blogspot.com/

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  2. Oi Hugo,

    Esse tópico me trouxe uma inquietação - por que o termo 'intelectual' pode muito bem ser aplicado a um filósofo, sociólogo ou historiador, mas dificilmente será um termo ilustrativo do trabalho intelectual de um matemático, por exemplo?

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  3. Luis, eu tracei um paralelo do intelectual com o sábio e o filósofo - e, quem sabe, com o polímata, que eu não citei. São identidades subjetivas diferentes,tanto histórica quanto ontologicamente, mas que, no entanto, convergem em seu fundamento: elas ocupam uma certa área que é precisamente superior à áreas do saber humano em sua especificidade, conseguindo operar uma transdisciplinariedade que essencial para o Poder - seja por ajuda-lo a ascender ou por para mantê-lo.

    O matemático é um técnico - no sentido clássico da palavra, um operativo, alguém cujo saber é eminentemente ligado a uma área específica (embora ampla) e voltado a intervenção criativa no meio (embora profundamente abstrato), enquanto o sociólogo é um cientista (alguém voltado ao estudo de funções) tal como o historiador.

    No que diz respeito ao nosso tempo, do capitalismo hegemônico, o intelectual é esse sujeito que ocupa essa transversal dos saberes, girando em torno - ou mesmo dentro - da Academia e certamente dentro da esfera de debate público. É aquele, oriundo da área que for, que detém uma vontade descomunal de interpretar a enorme vazão de fluxos ainda não decodificados pelo capitalismo que, entretanto, nem por isso deixam de transitar pelo chamado espaço público nem de ser-lhe necessário, pondo-se em posição privilegiada no debate ali travado.

    O intelectual não deixa de ser uma representação, um neoarcaísmo, de uma faceta da aristocracia que se volta a processar algo verdadeira anterior ao Capitalismo e que se mostrava tão indecodificável quanto necessário. Tanto é que nenhuma ordem política moderna duradoura foi erigida sem apoio dos intelectuais - e, paradoxalmente, sem persegui-los, em qualquer grau, logo depois disso. Hoje, isso muda. O capitalismo atual se volta, certamente, para a expropriação deste patrimônio imaterial porque desenvolveu meios para sua decodificação. Qual o papel do intelectual nesse sentido? Eis aqui o ponto.

    abraço

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  4. coisa fofa de mãinha, Hugo seguiu minhas pitadinhas de Engels nesse último comentário (precisamente, no último parágrafo).

    Noite de gáudia insônia me aguarda...!

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  5. tem também uma cousa que ninguém nota: os Jornalistas são os Anti-Intelectuais por excelência - ou melhor, Des-Intelectuais (uma vez que anti- implica em antagonismo crítico, e portanto em superação dialética, como em Anti-Psiquiatria, etc.). Um Jornalista é um sujeito que sabe um bocadinho de quase tudo, superficialmente e sem raciocinar a respeito - método similar, porque pastiche, do intelectual: que conhece muito de diversas áreas, com relativa profundidade e capacidade de correlacionamento.

    O que fica ainda melhor dito assim: pra que serve e o que é um Intelectual no pós-neoliberalismo? ora, um Intelectual é (ou deve ser) sobretudo um Anti-Jornalista - e neste caso é Anti- mesmo, e não Des-, porque combater o Jornalismo é combater o Des-Jornalismo, que são uma só e mesma coisa.

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  6. Hugo,

    me chama atenção quando você:

    "Um intelectual, hoje, só pode produzir mudanças quanto reconhece que, sim, ele é importante, mas não, ele é só uma parte da História. O dito espaço público foi-se, naufragou na contemporaneidade".

    O que você me diz quando o Castells vai as praças espanholas dialogar com os estudantes, quando o Zizek faz o mesmo em Wall Street. Trata-se de uma oportunidade para o intelectual sair dessa obsolecência, de estar de volta a história, fazendo parte, subordinado a dela tendo como brinde a também volta dos "espaços públicos"?

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  7. Eu diria que não há des-jornalismo, falaria em jornalismo mesmo, Lucas. E precisamos combatê-los até o ponto em que a História, ela mesma, já não se encarrega ela mesma em pôr fim a isso: o jornalismo caminha, já não é de hoje, para o abismo.

    E, obrigado, tem um pouco de Engels, mas um bocado de Negri também...

    abraços

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  8. @bernarducs,

    Sim, é uma bela provocação a que você fez. Eu lhe respondo que aquilo não é mais espaço "público" - no sentido moderno -, mas sim um espaço resistente, multitudinário: aquele movimento existe em (e por causa de uma) rede, longe da dicotomia público-privado - e Castells sabe muito bem disso, talvez Zizek um tanto menos. É a multidão que faz a praça e não mais praça que faz o público por ser pública.

    É importante estar ali, mas funcionar ali é aceitar ser parte da multidão - isso vale para mim, para você ou, eventualmente, para os dois citados. Longe daquilo ser o (novo) palco para um suposto protagonismo intelectual - que só existe enquanto farsa como nos lembra o blanquismo.

    abraços

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