A notícia de uma catástrofe |
É essa polêmica que o sempre atento João Telésforo, no belíssimo post Do ambientalismo catastrofista a ecologia dos desejos, acendeu. Basicamente, João passa por questões caras e polêmicas que gravitam em torno da questão ambiental: crítica ao desenvolvimentismo e ao catastrofismo, emergência ambiental, relação com a questão social etc. E foi nessa direção que Bruno Cava completou e avançou no incendiário É preciso consumir mais.
Pois bem, vamos começar do começo: ninguém tem dúvidas da gravíssima crise ambiental - muito menos o João, como ele expõe claramente -, mas eu arrisco em dizer que o posicionamento em relação ao paradigma da catástrofe - como prisma para a leitura dessa crise - consiste em uma divergência válida e importante. Porque isso embica nas propostas de alternativas para o modelo e qual a função do negativo nisso tudo. Por exemplo, políticas de decrescimento são uma saída?
Cá, a exemplo do João, concordamos que uma saída que proponha algo como "desejem menos!" está fadada ao fracasso - e friso: um fracasso semelhante ao que experimentou a economia planificada, justamente por propor isso, concordando com Bruno. Eis aí a importância de uma ecologia dos desejos.
Curiosamente ou não, ecologistas radicais e socialistas ortodoxos, apesar de divergirem entre si, se encontram precisamente aí, na pretensão idealista de busca a resolução pela resignação em nome de uma necessidade maior e transcendental, o que passa desde o "faça a sua parte!" (como o ingênuo fechar as torneiras enquanto se escova os dentes) até a adoção de políticas restritivas radicais, a partir das quais não se constrói uma alternativa nova de produção.
Curiosamente ou não, ecologistas radicais e socialistas ortodoxos, apesar de divergirem entre si, se encontram precisamente aí, na pretensão idealista de busca a resolução pela resignação em nome de uma necessidade maior e transcendental, o que passa desde o "faça a sua parte!" (como o ingênuo fechar as torneiras enquanto se escova os dentes) até a adoção de políticas restritivas radicais, a partir das quais não se constrói uma alternativa nova de produção.
Uma dessas políticas restritivas é o descrescimentismo. Ela está inserida no mesmo binarismo que uma política crescimentista, mas apenas se reporta ao outro pólo de forma inversa. É continuar ratificar a mesma métrica e a mesma gramática do capital, de forma invertida, enquanto a linha de fuga para tanto está bem além de uma bifurcação expressa na forma crescimento-decrescimento, lucro-prejuízo ou proletarização-desemprego. Do mesmo modo que a experiência (neo)liberal dos últimos anos nos ensina que não há crescimento sem acentuação, de algum modo, da gestão estatal, também não há decrescimentismo fora da mesma lógica, só que ela precisaria organizar-se sintetizando tudo para produzir um desinvestimento massivo do desejo.
No que toca ao exemplo do proletarização-desemprego, é evidente que a conversão de variados setores da multidão - como índios, mendigos, quilombolas etc - em uma massa de trabalhadores empregados não é saída - ao contrário do pretende, por exemplo, o marxismo uspiano -, mas supor que uma condição de desemprego massificado não seja um problema é, certamente, ingênuo: nela, aquelas subjetividades todas, já convertidas em massa proletária, estão apenas descartados pelo sistema. Eles estão inutilizados dentro de um sistema utilitarista, não libertos dele.
E ainda que o exemplo acima seja de como não se escapa de um binarismo recorrendo à inversão de seu pólo, é preciso anotar que decrescimentismo também não está desvinculado de produção de desemprego, nem que desemprego não seja um catástrofe - por vezes desejada por socialistas ortodoxos dentro do contexto da crise mundial para, daí, as massas se conscientizarem à força da necessidade da revolução. A catástrofe, o limite do mundo (ou do sistema econômico) aparece como forma de pensar a partir da impotência e não da potência infinita (portanto, de alternativas sem fim).
E ainda que o exemplo acima seja de como não se escapa de um binarismo recorrendo à inversão de seu pólo, é preciso anotar que decrescimentismo também não está desvinculado de produção de desemprego, nem que desemprego não seja um catástrofe - por vezes desejada por socialistas ortodoxos dentro do contexto da crise mundial para, daí, as massas se conscientizarem à força da necessidade da revolução. A catástrofe, o limite do mundo (ou do sistema econômico) aparece como forma de pensar a partir da impotência e não da potência infinita (portanto, de alternativas sem fim).
Voltemos a crescimento-decrescimento. A produção está, em qualquer uma dessas hipóteses, traduzida em uma linguagem quantitavista. E qualquer uma delas, a produção precisa estar regulada por um esquema gestionário que obrigue produzir mais ou menos. O decrescimentismo, no entanto, é, reiteramos, uma inversão dentro da mesma racionalidade que é ratificada e sua aplicabilidade é ela mesma ilusória, servindo a outro fim na prática de sua aplicação - seja ele sua inaplicabilidade ou seu aparelhamento com outros fins.
Isso não quer dizer que não haja um problema de exaurimento dos recursos naturais, nem que estejamos consumindo demais, mas não é da resignação do consumo pessoal que iremos nos libertar do capital, inclusive porque, como lembram os mestres Deleuze e Guattari no próprio Anti-Édipo, que estejamos falando de grandezas iguais quando tratamos de salários e lucros:
Isso não quer dizer que não haja um problema de exaurimento dos recursos naturais, nem que estejamos consumindo demais, mas não é da resignação do consumo pessoal que iremos nos libertar do capital, inclusive porque, como lembram os mestres Deleuze e Guattari no próprio Anti-Édipo, que estejamos falando de grandezas iguais quando tratamos de salários e lucros:
"Deveriam [os capitalistas e seus economistas] antes concluir que o teimam em esconder, a saber, que o dinheiro que entra no bolso assalariado não é o mesmo que se inscreve no balanço de uma empresa" (p. 271)
Quando se defende aumento de consumo, estamos falando de qual consumo e de como o exaurimento que isso produz no funcionamento do capitalismo abre enormes linhas de fugas. Por isso, por óbvio, o aumento do consumo por parte dos pobres no Brasil contemporâneo é positivo, uma vez que reorienta o próprio sentido da produção na direção das demandas sociais - que, naturalmente, está aberto a capturas, como qualquer forma de resistência.
O capitalista, no entanto, sempre está numa posição complexíssima: deseja os preços salariais menores possíveis (zero?) e, ao mesmo tempo, precisa de mercados consumidores (com qual riqueza social?). Isso explica desde os movimentos imperialistas - conquista de mercados consumidores - até as constantes crises no capital - a destruição dos próprios mercados consumidores para garantir a posse dos meios de produção ameaçada por trabalhadores financeiramente empoderados (e o surgimento de uma economia financeira, a nosso ver, tem mais a ver com a necessidade de acentuação de controle dos trabalhadores por meio da dívida que uma nova forma de ganhar dinheiro, embora também o seja).
Não é, por certo, o crescimento - ou se preferirem, o desenvolvimento - que alimenta a linha de fuga do empoderamento multitudinário, mas o empoderamento salarial dos trabalhadores e, inclusive, a remuneração não-laboral na forma de renda como no caso do bolsa família - seja lá a consequência que isso produza sobre o crescimento. O problema do desenvolvimentismo é justamente inverter essa direção, mesmo que seja para produzir vínculos e relações sociais e, também, por ignorar estrategicamente a posição absolutamente insana do capitalista - pretendendo "racionalizar" o capitalista, lhe ensinando o que é capitalismo, quando na verdade se expõe à sua sanha de vingança.
O ambientalismo radical ao dizer "consumam menos" ou "decresçamos" torna-se politicamente impotente, exceto na condição de discurso útil para ajudar a justificar políticas de austeridade mais sofisticadas, os reajustes que capitalistas bancam, de tempos em tempos, para garantir sua propriedade agora, quem sabe legitimados pela necessidade salvar a terra - não pela constituição de novos circuitos produtivos sustentáveis (portanto, anti-capitalistas), mas sim pela desprodução (o decrescimento) dentro do próprio âmbito capitalista. A saída para isso, exige pensar a produção para muito além da linguagem do capital e seus movimentos de avanço contínuo (ou recuos estratégicos).
O capitalista, no entanto, sempre está numa posição complexíssima: deseja os preços salariais menores possíveis (zero?) e, ao mesmo tempo, precisa de mercados consumidores (com qual riqueza social?). Isso explica desde os movimentos imperialistas - conquista de mercados consumidores - até as constantes crises no capital - a destruição dos próprios mercados consumidores para garantir a posse dos meios de produção ameaçada por trabalhadores financeiramente empoderados (e o surgimento de uma economia financeira, a nosso ver, tem mais a ver com a necessidade de acentuação de controle dos trabalhadores por meio da dívida que uma nova forma de ganhar dinheiro, embora também o seja).
Não é, por certo, o crescimento - ou se preferirem, o desenvolvimento - que alimenta a linha de fuga do empoderamento multitudinário, mas o empoderamento salarial dos trabalhadores e, inclusive, a remuneração não-laboral na forma de renda como no caso do bolsa família - seja lá a consequência que isso produza sobre o crescimento. O problema do desenvolvimentismo é justamente inverter essa direção, mesmo que seja para produzir vínculos e relações sociais e, também, por ignorar estrategicamente a posição absolutamente insana do capitalista - pretendendo "racionalizar" o capitalista, lhe ensinando o que é capitalismo, quando na verdade se expõe à sua sanha de vingança.
O ambientalismo radical ao dizer "consumam menos" ou "decresçamos" torna-se politicamente impotente, exceto na condição de discurso útil para ajudar a justificar políticas de austeridade mais sofisticadas, os reajustes que capitalistas bancam, de tempos em tempos, para garantir sua propriedade agora, quem sabe legitimados pela necessidade salvar a terra - não pela constituição de novos circuitos produtivos sustentáveis (portanto, anti-capitalistas), mas sim pela desprodução (o decrescimento) dentro do próprio âmbito capitalista. A saída para isso, exige pensar a produção para muito além da linguagem do capital e seus movimentos de avanço contínuo (ou recuos estratégicos).
Interessante ler os três posts... todos os modelos tem contradições intrínsecas - o ecologismo atual falha pois se põe no contexto da lógica capitalista, a economia planificada falha pois pretende produzir conforme a demanda mas não tem como calcular esta demanda, e o desenvolvimentismo falha por ter o consumo como realimentação positiva para poder ser viável. Sem falar no neoliberalismo, que falha por reduzir a política à economia, e esta ao cálculo contábil. Enfim, precisamos nos reinventar de forma a construir um novo modelo de produção e de consumo que não seja nem uma economia de escassez nem de excesso.
ResponderExcluirExato, Luis, precisamos desdobrar, explicar, essa relação e escaparmos desses binarismos e dos dispositivos maiores que os articulam. Não é uma tarefa fácil, mas certamente não é nem a marcha incessante rumo ao "progresso" tampouco a marcha ré alucinada que irá nos levar a algum lugar.
Excluirabraço