Marina Silva lançou seu partido no último sábado, dia 16. Eis a Rede. A agremiação, a exemplo do que já fez o PFL ao mudar o nome para DEM, abre mão do termo "partido". Além de se desvencilhar do incômodo termo, ela buscará se distanciar da sua forma: ela também já nasce com a proposta de ser um "movimento" e não um partido. Seja como for, a Rede está sujeita à legislação partidária e precisará angariar 500 mil assinaturas até Setembro para poder disputar as eleições gerais de 2014.
O partido-movimento de Marina é uma resposta ao estado de coisas da nossa política -- os desgastes internos nas agremiações tradicionais causados pela burocratização crescente -- enquanto, ao mesmo tempo, compartilha do espírito da nossa época. Não é justo dizer que o Rede é um novo PSD -- a legenda recém-criada por Gilberto Kassab, o controverso ex-prefeito paulistano --, mas sim que os dois, ponderadas suas diferenças, são expressões destes tempos pós-modernos da política brasileira.
Os dois partidos são cordiais, colaborativos, "abertos", personalistas, além de se colocarem pós direita e esquerda; pós-rancor e pós-confronto. Ninguém duvida que Marina chefia a Rede e que Kassab comanda o PSD. E ambos, sublinhe-se, pretendem coisas diferentes para a política brasileira. Talvez Marina sonhe em acontecer como Lula, enquanto Kassab certamente prefira o papel de um Sarney.
O evento Marina possui uma dimensão maior e mais paradoxal ainda: isso implica, por um lado, em um chamado para se fazer política comunitária e de base, enquanto, por outro, há poucas dúvidas de que uma vez regularizada sua nova organização, Marina será sua incontestável candidata presidencial. Não existe nada de muito novo nisso. E com certos desgastes de Dilma, um cenário difícil na economia e a crise tucana, ela é forte candidata.
No guarda-chuva de Marina, e seus quase 20 milhões de votos conquistados em 2010, vem uma série de ativistas -- de meio-ambiente e de mídia-livre, sobretudo -- além de políticos ligados ao PT, à esquerda do PSDB e do PV e à direita do PSOL. Heloísa Helena, que de liderança aclamada do PSOL tornou-se persona non grata naquela legenda, estava lá para aclamar Marina -- e não custa lembrar que a queda de Heloísa no seu ex-partido deveu-se, vejam só, ao fato dela tentar forçar um apoio daquela legenda para Marina ainda em 2009.
Marina fala em uma "crise civilizatória" como mote para seu novo movimento. Na insustentabilidade do "modelo" em curso para lidar com problemas políticos, ambientais e sociais. De fato, há crise, mas a crise é o próprio processo civilizatório. Sempre foi. A Rede traz tudo isso: não há lado, não há uma luta comum, mas sim uma posição universal que paira sobre tudo (e todos). Esquerda e direita seriam apenas dois pólos antagônicos, simétricos iguais enquanto opostos. Os últimos 16 anos e a história das lutas sociais neste período são a linha evolutiva da história de uma "estabilidade abstrata".
O discurso moral é uma parte particularmente ruim. O inimigo abstrato é a corrupção e os maus costumes; nada de verbas de fabricantes de bebidas, menos por qualquer anticapitalismo e mais pelo álcool...Nada de movimento ou processo constituinte, mas sim a anestesia do éter. Mais Savonarola e menos Maquiavel. Isso tudo entre, sem ser contra, o neoliberalismo tucano e o neodesenvolvimentismo de Dilma -- mas não de todo o PT e de todos os petistas. Uma negatividade que une o que há de moralista na classe média ao conservadorismo plebeu.
A Rede não é, no entanto, estritamente nociva. Ela bagunça mais ainda o jogo político brasileiro, o que é bom; força os partidos existentes a serem melhores -- diante da presença de um atrator universal --, resolvendo melhor suas disputas internas. Ela também cria um espaço para parte da esquerda constituir projetos, são frestas, aberturas, espaços novos -- e, sobretudo, a Rede força a esquerda a elaborar um movimento real e alegre, livre de tantas paixões tristes.
O discurso moral é uma parte particularmente ruim. O inimigo abstrato é a corrupção e os maus costumes; nada de verbas de fabricantes de bebidas, menos por qualquer anticapitalismo e mais pelo álcool...Nada de movimento ou processo constituinte, mas sim a anestesia do éter. Mais Savonarola e menos Maquiavel. Isso tudo entre, sem ser contra, o neoliberalismo tucano e o neodesenvolvimentismo de Dilma -- mas não de todo o PT e de todos os petistas. Uma negatividade que une o que há de moralista na classe média ao conservadorismo plebeu.
A Rede não é, no entanto, estritamente nociva. Ela bagunça mais ainda o jogo político brasileiro, o que é bom; força os partidos existentes a serem melhores -- diante da presença de um atrator universal --, resolvendo melhor suas disputas internas. Ela também cria um espaço para parte da esquerda constituir projetos, são frestas, aberturas, espaços novos -- e, sobretudo, a Rede força a esquerda a elaborar um movimento real e alegre, livre de tantas paixões tristes.
Porque não reconstruir o MDB?
ResponderExcluirPorque ele continua aí ou talvez porque para reconstruir o MDB, precisaríamos de uma nova ditadura e um novo bipartidarismo para inglês ver -- embora recriar o espírito do MDB da época da redemocratização não fosse de um todo mal, mas aquilo exigiria uma série de condições prévias :-)
ExcluirE uma rede mesmo, para pescar as sardinhas, e dar de comer para os tubarões.
ResponderExcluirUma rede serve tanto para integrar pessoas quanto para pescar peixinhos. Essa ambiguidade, já presente em seu nome, atravessará o partido de Marina de canto a canto.
ExcluirHugo, creio que a criação do partido da Marina faz uma concorrência saudável, é verdade, mas não sei se o impacto é tão significativo assim. Medidas que eles anunciam com grande impacto, como o limite de candidaturas e as eleições diretas, já são foram incorporadas pelo PT há tempos. Outras são uma porção de medidas moralistas e puristas, como essa do álcool e a das armas (mas não das empresas de celulose, pelo visto). Nada de cotas para mulheres, negros ou índios. Claro, pois essas são medidas afirmativas. Que defendem algo. E o verdadeiro objetivo do partido de Marina é o não ser (Savoranola em oposição à Maquiavel, como você disse.
ResponderExcluirVeja há uma medida muito particular que revela de fato o que é esse partido e seus seguidores: a liberalização de 30% de vagas para candidaturas independentes. Ou seja, a constituição do não-partido. A não-discussão de posições firmes no mundo real, a não-disciplina dos seus membros. A atomização das discussões e dos projetos políticos nas "lideranças locais", reunidas em um amálgama inconsistente de qualquer coisa. É portanto, o partido político despolitizante. A primazia do "eu sinto o que é bom", "eu sei o que é certo" sobre o "eu acho que o caminho é esse". Nada mais natural que um partido assim (cujo até o nome é um slogan) entrasse com força na classe média, a eterna classe apolítica e a mãe do fascismo. Afinal, ter um partido único ou não ter partido político algum (só os "movimentos) é rigorosamente a mesma coisa.
Muito bom artigo. Parabéns.
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