Desde muito tempo, a esquerda se bate em uma falsa polêmica: Via reformista x via extremista. Como em toda falsa polêmica marcada que se estrutura no binarismo, ela é enviesada: Para os reformistas, essa polêmica é expressa como realistas x idealistas. Para os extremistas, ela se materializa como um traidores x revolucionários. Se no linguajar reformista, os extremistas são diminuídos por argumentos ad hominem que os caricatura como infantis e imaturos, no linguajar extremista, o argumento ad hominem opera na elevação dos reformistas ao posto de traidores e entreguistas, portanto, eles se tornam automaticamente piores do que a direita - enfim, esse é apenas um exemplo de sofisma dentre os muitos que ocorrem no diálogo de surdos que os dois travam.
No fim das contas, nem um grupo nem o outro apresentam soluções concretas ou conseguem operar de fato - e de direito - mudanças cabais. Ambos estão presos demais na sua própria dogmática e escravizados por um comportamento viciado; se Aristóteles diria que tanto a covardia quanto a temeridade são vícios e a coragem é a virtude, cá temos, por analogia, que o reformismo de esquerda é covarde na luta contra o Capitalismo ao mesmo tempo em que o Extremismo é temerário em sua forma e em seu movimento. A virtude mora no equilíbrio, o que em nossa luta se materializa como o radicalismo - e radicalismo, ao contrário do que os parvos que se amontoam em nosso meio e no nosso tempo pensam, não é sinônimo de extremismo, mas sim ser fiel a uma raiz, a um referencial teórico político-filosófico que tem em vista orientar a nossa ação de acordo com as nossa necessidades.
Nesse sentido, o extremismo se diferencia do radicalismo porque é desprovido desse referencial teórico política filosoficamente fundado, tendo em seu lugar dogmas que servem suprir esse vácuo e possibilitar a sua exaltação da prática. O extremista é, sobretudo, alguém que adequa sua posição política à conjuntura buscando ocupar um extremo vanguardista metafísico; em decorrência disso, escapa da razão com frequência, seus efeitos sobre as fileiras da esquerda são devastadores e convergem para o aniquilamento do potencial revolucionário dos jovens: Ou se tornam idealistas ressentidos, amargurados - e até sádicos - que se perdem em suas próprias elocubrações ou se tornam parte das mais agressivas, irracionais e imorais alas da direita - a relação entre pendularismo político e extremismo é histórica, pegue o nosso Brasil varonil e você encontrará exemplos aos borbotões, como os de um Demétrio Magnoli ou de um Reinaldo Azevedo.
O reformismo - e que fique entendido, o reformismo enquanto estratégia e não como tática - é, por sua vez, covarde. Se ele não chega a extremos, por outro, sua covardia se materializa, não raro, na cumplicidade com o mal - o que muitas vezes resulta na eliminação do próprio impulso reformista e na conversão do movimento em mais uma força conservadora, ainda que dificilmente venha a ser reacionária, como frequentemente acontece com os extremistas. No fim das contas, é, à sua maneira, dogmático - e seus dogmas, diga-se, se prendem às limitações que as instituições que ele visa transformar por dentro ditam, o que, em si, é contraditório.
O radicalismo entra nesse aspecto como a proporção ideal para pôr fim a esse falso dilema; é a firmeza na conduta ética e o aprofundamento teórico suficientemente firme para que a teoria não fique sujeita às necessidades da práxis política, mas sim que essa segunda seja orientada pela primeira - o que, obviamente não é fácil, mas visa impedir a dogmatização da Revolução e a decorrente morte prematura dela. A experiência histórica é suficientemente clara - e cruel - no sentido de qua para além da limitada visão sociológica e econômica é necessário lançar um olhar mais distante e profundo, ponderando a dimensão antropológica da questão. É uma tarefa árdua, mas precisamos retomar a reflexão e o pensamento.
Hugo,
ResponderExcluirExtremamente oportuno - na acepção positiva do adjetivo - esse artigo, num momento em que os ânimos e as posições políticoideológicas se exacerbam, às vésperas de uma das mais tensas e decisivas eleições presidenciais de nossa história.
Li e vesti a carapuça - como reformista que sou - mas, por outro lado, acho que é lícito aprofundar a análise dos perigos que rondam a alternativa por você proposta. Sim, porque não raras vezes esse radicalismo de que você fala, em que a teoria informa a praxis política, deriva para um imobilismo elitista, em que o radical acaba tão-somente reduzido à posição de espectador privilegiado do embate político-social. Vê-se isso em profusão na academia. Portanto, não é apenas o reformismo e o revolucionarismo que têm seus contraefeitos e suas possíveis estagnações, mas o radicalismo também - como aliás você insinua, emborançao desenvolva.
Não ficou clara, para mim, a diferença entre estratégia e tática. Caso queira se aprofundar mais um pouco nesse aspecto desua abordagem, seria interessante.
Um abraço,
Maurício.
Maurício,
ResponderExcluirEstratégia são os recursos que você empreende para chegar a determinado fim, a tática é cada um dos elemento componentes dela. Até hoje todos os partidos que tomaram o mero reformismo como fim em si mesmo, se degeneraram. O reformismo só funciona caso você tome ele como medida tática para fomentar a superação do sistema em que vivemos, não como fim último dada a natureza irascível dele.
Na minha visão, há muito pouco radicalismo na Academia, o que temos, nos cursos de vocação mais progressistas, é um extremismo pincelado, só isso; em apertada síntese, o que temos ao longo do tempo é um idealismo - a supremacia da teoria quase prescindindo da práxis - ou um essa exaltação da práxis que resulta no mais perverso tipo de dogmatismo. O que eu proponho é a teoria visando a prática, uma sem prescindir da outra e nessa ordem na relação de causalidade.
O radicalismo quando se refere ao pensamento de esquerda não pode se desvirtuar na medida em que ele se ancora na crítica na indagação perene - o que se perde quando se põe a práxis em primeiro lugar, pois a dogmática acaba se tornando imprescindível nesse sentido.
abraços
Certo, entendi, muito interessante.
ResponderExcluirAgora que você explicitou sua visão do radicalismo na academia ficou tudo mais claro.
Hugo,
ResponderExcluiresta leitura de transformação da sociedade de cima para baixo (tanto por parte de reformistas como radicais) já não se esgotou? Não aprendemos com os totalitarismos de esquerda? Com a transformação de lideraças populares em ditadores perenes? Não aprendemos nada - nem que seja omitindo a fonte e mantendo os conceitos - com os velhos anarquistas?
Sim, pois quando penso em socialismo (no sentido mais puro desre pensamento) não consigo relacioná-lo a uma sociedade baseada na opressão, onde o poder do capital é apenas substituído pelo poder do partido e de lideranças iluminadas.
Quantos exemplos serão necessários para concluirmos que uma guinada social é consequência de posturas individuais, da construção de mecanismos revolucionários que atuem nos estratos mais rasteiros da política? Coisas como participar da associação de moradores do seu bairro, por exemplo.
Barone,
ResponderExcluirPacientemente e por partes:
1. Onde eu propus que a sociedade fosse transformada de baixo para cima?
2. Sim, meu caro, nós aprendemos como os totalitarismo, por que acha que eu estou criticando o extremismo?
3. É óbvio que sim, por isso é necessário a criação de um sistema de pesos e contra-pesos, o que não há mesmo nesse momento - como fazer isso se os agentes políticos são assimétricos por natureza dentro de um regime capitalista.
4. Eu não omiti fonte alguma, mas uma coisa que eu aprendi com os velhos anarquistas é que a democracia só existe desde o momento em que existem condições para a prática democrática ser perene, fora isso, meu caro, é temos uma aristocracia eletiva - ou melhor, uma plutocracia onde os gestores são elegíveis, no máximo podendo fazer uma mudança de Governo caso alguma condição conjuntural externa e/ou interna extraordinária aconteça.
5. O conceito de "pureza" não se coaduna com a de "socialismo" e a relação do segundo conceito com "opressão" apenas se você considera "socialismo" como sinônimo de "bolshevismo" ou de "stalinismo" - será que tudo se resume ao capitalismo ou estatalismo? Eu creio que não; existe sim a possibilidade concreta do coletivismo e da livre iniciativa cooperada.
6. Uma das coisas que eu não costumo repetir é usar o termo "social" ou "socialismo" ad nauseam, por isso pedi que pensemos sob uma perspectiva antropológica e não sociológica; a sociedade civil é uma forma de organização coletiva humana relativa nova, quem a idealizou foi Thomas Hobbes e ela foi posta em prática com as duas últimas revoluções burguesas. Nem sempre foi assim, nem sempre será. O que eu pedi é um pouco mais profundo do que uma simples "guinada social".
7. Desenvolva melhor sua ideia sobre a associação de moradores de bairro.
abraços e obrigado pelo contraponto.
Hugo,
ResponderExcluirnão me referi a você ou ao seu texto especificamente, mas a leitura da esquerda majoritária nos últimos 100 nos segundo a qual a sociedade só se transforma de duas formas: através do jogo da democracia representativa ou das armas. Ou seja, de ambas as formas, de cima para baixo.
Não disse que “você” omitiu fonte. Quis dizer, isso sim, que boa parte da esquerda, hoje, utiliza conceitos imediatos do socialismo libertário – como a autogestão e a democracia direta – esquecendo, no entanto, que estes não são conceitos que possam ser pinçados ao acaso, mas utilizados dentro de um contexto ideológico que não se coaduna com a visão esquerdista herdeira do bolchevismo e suas ramificações.
Concordo plenamente: “a democracia só existe desde o momento em que existem condições para a prática democrática ser perene”. Não acredito, no entanto, que estas condições sejam possíveis dentro da democracia participativa, muito menos por meio da violência, mas por uma construção de consciência coletiva sobre as responsabilidades de cada um para com os assuntos que dizem respeito as suas vidas. Coletivismo, livre iniciativa cooperada? Sim. São conseqüências deste “pensamento responsável” que não atribui cegamente a terceiros as responsabilidades de gerir a sociedade.
O exemplo da associação de moradores de bairro entra aí. Hoje, na maioria das cidades, as associações são trampolins políticos para barnabés que vivem as custas do poder público ou deste e daquele partido (com raras e honrosas exceções). São assim, pois a participação efetiva da comunidade é nula, rara. São massa de manobra do líder de bairro, que por sua vez é manobrado pelo vereador, que segue o deputado estadual, que se curva ao deputado federal, que encosta no senador e assim por diante. Talvez comece neste âmbito – fortalecer na população a consciência sobre a importância de atuar efetivamente nestas bases – a possibilidade de mudanças.
Poucos vizinhos meus participam da associação de moradores de meu bairro. E os seus?
Barone,
ResponderExcluirPerdoe-me se eu fui um tanto seco nas respostas, mas você há de convir comigo que sua primeira colocação deu margem para a minha posterior interpretação.
Sobre a visão dos últimos 100 anos da esquerda dominante, seja em relação aos setores com os quais eu concordo ou com aqueles que eu discordo, ela nunca propôs uma mudança de cima para baixo, mas sim de baixo para cima, com a classe trabalhadora assumindo o poder - e as mudanças que se deram foram desse modo, seja a Revolução Francesa ou a Revolução Russa, elas foram feitas não em armas, mas pelo povo em armas.
Daí, entramos naquele debate, que por uma série de questões, isso foi distorcido, resultando, na prática, em um tipo de Aristocracia chamado Burocracia. Sim, em boa parte dos casos, foi isso, o que precisa ser evitado.
Entremos num debate mais longo ainda do que é Democracia. Pois bem, Democracia era uma forma de governo que surge nas cidades-estado Heláde e diz respeito ao poder sendo pelos os cidadãos em igualdade - num cenário, no entanto, onde a cidadania era um privilégio e aquelas coletividades eram mantidas por trabalho escravo.
A Democracia Ateniense matou Sócrates. Pausa dramática. Daí, vem Platão, seu discípulo dileto defendendo a criação de um sistema aristocrático onde os melhores seriam os filósofos. Depois, vem um certo Aristóteles dizendo que a Aristocracia assim como a Democracia e a Monarquia, eram sim formas de governos possíveis, funcionais embora corruptíveis. Séculos mais tarde um certo Cícero forja em sua República entende ser ela a forma de governo onde se misturam a Democracia, a Monarquia e a Aristocracia - o que era próprio da Roma republicana em seu auge, entre a vitória nas guerras púnicas e a ditadura de Sila, onde tínhamos os comícios, os consules e o Senado, mas não entra em nada na questão econômica propriamente dita.
De More até a Maquiavel passando por Hobbes, temos o esboço disso que estamos hoje a viver. Vem Montesquieu e retoma Cícero, usando seus conceitos para elaborar aquilo que viria a ser designado como a teoria da tripartição dos poderes; três poderes se equilibrando e se limitando dentro do Estado; Legislativo, Executivo e Judiciário; Democracia, Monarquia e Aristocracia.
Obviamente, o republicanismo, tal como foi compreendido no pós-Idade Média é uma bela teoria, mas algo não permite essa equação fechar, que é justamente a supremacia do privado sobre o público e a assimetria evidente e crescente entre os atores políticos devido ao capitalismo.
As questões centrais, no entanto são: Como transformar a representação política em algo funcional? Até agora, isso não aconteceu. Como gerar uma verdadeira Democracia, se o capitalismo gera essa verdadeira e crescente assimetria entre os agentes políticos? Como transformar isso por meio de medidas em caráter microscópico e fragmentário se o sistema pode facilmente esterilizar ou esmagar tais medidas?
P.S.: Desculpe por eu ter invertido no item 1 a ordem do que você disse que eu disse, mas pelo visto não houve problema de compreensão
Hugo, parabéns pelo post. Extremamente pertinente. Obrigada!
ResponderExcluirHugo, concordo. Há pouco "pensar além" na academia. Eu já comentei sobre as demandas praticas da profissão - demandas como da FAPESP, que formatam as cabecinhas para serem extremamente especializadas, tecnocráticas, para assumir na prática o discurso neo-con do tecnicismo e da especialização que eles mesmos criticam. Concordo: sem misturar sociologia com utopia, economia com biologia, filosofia disciplinada com o experimentalismo de encontrar sentidos em discursos diversos, teoria e prática, o pensar é limitado e a prática nula, carreirista, limitada.
ResponderExcluirAh, sim, mas quando se vê de perto o que fazem os nomes mais fascinantes da filosofia, da sociologia, etc... é possível notar que o que encanta a todos - mas que ninguém entende de onde vem - vem na verdade dai: de um pensar que sabe ao mesmo tempo ser disciplinado e sabe soltar-se dessas amarras e voar por outras áreas e formas de pensar, para retornar fresco e com novas questões para a sua disciplina do pensar. Penso num nome da sociologia brasileira, esta hora da manhã deu branco, mas tbm em nomes como Foucault.
ResponderExcluirgiuliettadeglispiriti
ResponderExcluirDe nada, aliás, muito me honra sua presença por aqui.
Flavia,
Exato, é o que eu penso. Esse seu trecho sintetiza muito bem o que devemos buscar: "um pensar que sabe ao mesmo tempo ser disciplinado e sabe soltar-se dessas amarras e voar por outras áreas e formas de pensar, para retornar fresco e com novas questões para a sua disciplina do pensar". É isso. Chega de sociólogos disciplinados demais, chega de escritores literários demais, só a originalidade há de salvar o mundo.
beijão