Dalí e seus relógios |
Saber que o tempo passa é uma questão que se resolve olhando no relógio ou, se muito, vasculhando o armário onde estão os calendários amarelados de outrora. Sentir o tempo passar é outra coisa, uma experiência mais profunda e, às vezes, bem mais dolorosa. É não apenas se deparar com as criancinhas de ontem já adolescentes ou quase adultas hoje - ou com lugares queridos que desaparecem, cinemas fechados, prédios modificados ou demolidos -, mas também assistir aos velhos morrendo -e se dar conta que os velhos que morrem hoje não eram tão velhos assim quando você era criança e, afinal de contas, tinha o mundo nas mãos. Aliás, é curioso quando esses velhos que partem são pessoas célebres, que jamais conhecemos, mas cujas vidas tiveram algum significado em nossa infância. Dia desses, mexendo em uns papéis velhos, topei com uns desenhos meus - de quando tinha uns seis anos - onde uma das figuras representadas era o recém-falecido Itamar Franco, então Presidente da República, que se diferenciava dos demais personagens - todos esqueleticamente representados - pelo topete protuberante e pelo óculos. Foi uma sensação estranha de passagem do tempo. Um pouco diferente - e pior - é a sensação de enterrar velhos familiares, cujos ritos fúnebres acabam por atrair uma multidão relativa à longevidade do falecido; ver os pequenos primos que cresceram tão rápido, encontrar tios sumidos e topar com outros parentes com quem não se mantém contato por qualquer motivo que, perto da morte, se tornam tão mesquinhos: basta a dor da perda oscilar um pouco para sentir esse estalo. Outro ponto é como o tempo, essa curiosa medida da existência, vai se tornando mais irrelevante quanto mais se vive; oito anos de poder, aquilo pelo que matam e morrem muitos dos homens mais brilhantes da República, aos poucos vai se tornando uma medida efêmera. Vivemos o antes, vivemos o depois. O relógio talvez só pese mais com o passar do tempo para os fugitivos da Justiça - ou realizadores de pequenos delitos perfeitos - que rezam pela prescrição de seus crimes; o tempo que falta para que a agonia acabe passa a ter a intensidade de todos os anos que já passaram juntos - ao contrário do tempo nas prisões ou nos hospícios, pois é sabido que sem liberdade o tempo torna-se um mero detalhe ou mesmo um nada, uma vez que nesses lugares, a existência que ele representa pouco ou nada passa a significar. O tempo nos mata, portanto, é bom ser grato e aprender a mata-lo também.
Para o suicida, o tempo não vale nada, a duração já lhe é indiferente, é um entrave à consecução de seu ser suicidante. No antípoda do suicida, está o condenado à morte, pra quem o tempo que resta é tudo, pra quem o tempo ganha uma espessura desesperada.
ResponderExcluirE se vivêssemos, à vera, como condenados à morte?
A condição do condenado à morte é algo digno das maiores reflexões, Bruno. De certa maneira, a consciência da própria morte, o senso trágico, é o vínculo indestrutível e profundo entre os homens - e o que o move inquieto sobre a superfície da terra ou mesmo para além dela -, mas a condenação à morte subverte o próprio estatuto da vida: ela dá prazo certo para a nossa existência e quanto mais ele aproxima, mais intenso torna-se o tempo; e a intensidade aumenta de uma maneira perversa. Se assumíssemos a nossa mortalidade de forma plena, viveríamos como condenados à morte - e aí não haveria amanhã, o que seria a máxima subversão.
ResponderExcluirtanto o suicidio quanto a condenação a morte são temas centrais, e vistos com uma sagaz indiferença, em Albert Camus.
ResponderExcluirNao me refiro tanto ao Mito de Sisifo ou a O Homem Revoltado mas sim ao romance A Queda - em que o narrador leva 80 paginas pedindo desculpas por nao ter impedido uma desconhecida de se jogar da Pont Neuf.