sexta-feira, 22 de abril de 2011

Novos Capítulos da Crise na Oposição

"Daí o PT ganhou a eleição e assumiu uma posição de centro-esquerda, tornou-se o partido social-democrata brasileiro — e o PSDB, naturalmente, continuou sua marcha acelerada para a direita. Nas últimas eleições, ele foi o partido dos ricos. Isso, desde 2006. É a primeira vez na história do Brasil que nós temos eleições em que é absolutamente nítida a distinção entre a direita e a esquerda, ou seja, entre os pobres e a classe média e os ricos. E um partido desse não me serve, seja pela minha posição social-democrata, seja pela minha posição nacionalista econômica (...). "
Luiz Carlos Bresser-Pereira em entrevista a Maria Inês Nassif para o Valor Econômico, há pouco menos de duas semanas, na qual anuncia sua saída do PSDB  (capturada do blog do Rudá Ricci).


A saída do ex-ministro Bresser-Pereira do PSDB poderia ser ironizada como um episódio da série "já não era sem tempo", mas ela quer dizer mais do que isso. Ela marca a saída do grande representante do desenvolvimentismo keynesiano do partido, alguém que resistiu internamente mesmo aos anos 90 e, se chegou ao "agora não dá mais", é porque o PSDB perdeu seu prumo. Boa parte da ala de intelectuais que dava substância ao PSDB em seu nascedouro partilhava de ideias parecidas que convergiam em uma crença: a luta pelo desenvolvimento nacional democrático por meio da construção política do Estado Social - discordando de saídas mais à esquerda como a democracia popular e participativa proposta pelo PT, mas também fazendo o mesmo em relação ao autoritarismo e à ineficiência da direita brasileira tradicional. Isso foi se perdendo com as negociações por cima de FHC para ser Presidente, suas políticas ao longo dos anos 90, mas só chegou em ponto crítico agora - e a saída de Bresser é sim um corte. O PSDB, agora, comporta-se esquizofrenicamente como o partido da nova direita que se insurge contra as mudanças do pelas quais passa o nosso país.

Nos anos 90, ainda que FHC afiançasse politicamente a gestão da economia por Malan e os intelectuais da PUC-RJ, havia uma disputa interna forte contra isso; José Serra e sua ala faziam enfrentamento frontal - embora pelo alto e nos corredores do Poder, como sempre foi típico daquele partido. Mesmo com a indicação de Serra para Presidente em 2002, o PSDB não conseguiu se livrar do peso dos anos 90; o partido jamais conseguiu fazer mea-culpa dos erros cometidos e, na impossibilidade de defendê-los, os escondeu ao máximo, gerando um suicida efeito sorriso amarelo que foi a chave para suas três derrotas consecutivas. A derrota para Lula no início do década passada, por sua vez, gera uma crise muito forte de valores no partido que, somado a guinada à direita em São Paulo, aproxima o PSDB de um conservadorismo mais e mais ressentido.

Se, a um primeiro olhar, tenha parecido exagero da nossa parte falar em "decadência do PSDB" em Agosto do ano passado - há meses de uma eleição que se decidiria apenas no Segundo Turno -, o tempo nos deu razão. Serra não foi sequer o principal fator que levou as eleições para o Segundo Turno, afinal, a falta de traquejo eleitoral de Dilma e o fenômeno Marina ocupam, de longe, as primeiras colocações nesse quesito. A própria diminuição da bancada tucana no Congresso exprime isso. Serra tinha a seu favor unicamente o apoio da grande mídia, um potente amplificador de seu discurso anti-Dilma. Sua candidatura nada acrescentou ao partido, apenas serviu para tirar o apoio de sua rival - por meio de histeria e do uso das velhas superstições -, uma vez derrotado, o próprio quotidiano do Governo Dilma serviram para diluir boa parte dos 44 milhões de votos que seu adversário obteve. 

Pior, o partido se embrenhou numa guerra interna sangrenta. Para quem supunha que as coisas não eram tão graves - que, no caso da derrota de Serra, Aécio ocuparia seu posto automaticamente -, a realidade se mostrou um tanto mais complexa. O PSDB paulista está rachado em dois, mas une-se contra o PSDB nacional. Se Alckmin - ressuscitado pela falta de quadros para vencer as eleições estaduais em 2010 - representa um direitismo provinciano, religioso e discreto, Serra é o conservadorismo sofisticado, laico e paulistano - ambos não se bicam, mas não passa pela cabeça de nenhum dos dois grupos uma articulação nacional que tire de grupos político-econômicos paulistas a centralidade do processo. E Aécio subestimou o poder disso. O senador mineiro preferiu, extremamente seguro de si como é, disputar internamente a  indicação presidencial e já ameaçava ali, caso Serra lhe tratorasse, que ele simplesmente entregaria o governador paulista à própria sorte contra o Lulismo. Dito e feito, mas Aécio esperava que da cama de gato que ele deu em Serra viesse o reconhecimento, por aclamação, de sua liderança, não um novo movimento lhe bloqueando. 

E quando falo que o senador mineiro está sendo bloqueado, não me refiro exatamente ao fato de Aécio ter sido parado em uma blitz no Rio de Janeiro com problemas na sua habilitação e, ainda, levado multa por não ter feito teste no bafômetro - o que arranha seu único capital político, a imagem -, mas sim de coisas mais concretas e graves: se seu grande aliado, o presidente do partido, Sérgio Guerra, está praticamente desautorizado no poder - neutralizado pelo grupo paulista -, por outro lado, o maior aliado tucano, o DEM está se desfazendo, graças ao projeto pessoal do prefeito paulistano Gilberto Kassab - que, no afã de sobreviver na política, criou uma nova agremiação, o PSD, que tem atraído inúmeros demistas descontentes, que atribuem as desditas que o partido tem sofrido nas urnas à direção do partido. O problema é que o apoio expresso da direção demista ao nome de Aécio era sua grande força dentro do próprio PSDB para bancar sua candidatura em 2014. Sem o DEM, as coisas mudam (para pior) para Aécio.

Por outro lado, o surgimento do PSD muda o jogo político paulista, sendo que Geraldo Alckmin perde novamente o controle da situação na capital, afinal, boa parte dos vereadores tucanos migraram para o novo partido, o que esvazia o poder do diretório municipal alckimista - nada pessoal, apenas é comum aos destinos de Kassab e Alckmin se cruzarem e o primeiro costuma levar a melhor. Quais as implicações práticas disso? Serra volta à tona e tem a faca e o queijo na mão para ser candidato a prefeito paulistano em 2012 em nova candidatura-trampolim para 2014. O problema é que o ex-governador é um morto-vivo político. Se ele mal tem vida para ser um candidato competitivo ano que vem na capital - e se vencer será pior ainda para o PSDB porque ele não é mesmo um candidato presidencial competitivo -, ele também não está suficiente morto para entender que precisa passar o bastão para novos nomes.

No meio dessa contenda absurda, voltamos ao item inicial da nossa conversa. E o substrato intelectual do partido nessas horas? Se de um lado o pensamento liberal da PUC-RJ não se enraizou no partido e ainda foi atropelado pelas circunstâncias históricas, por outro lado, há uma debandada dos desenvolvimentistas. É aí que entra em cena FHC com seu artigo sobre o papel da oposição como debatido aqui. O partido precisa lutar agora para manter o capital político que tem, a "classe média tradicional" - profissionais liberais, funcionários públicos e pequenos empresários - e, talvez, abocanhar a "nova classe média". O erro de pensar em categorias de renda no lugar de classes sociais é que o ex-presidente se perde na análise socioeconômica - mais até do que no aspecto político -, afinal, ele esquece que a "nova classe média" é a própria classe trabalhadora que viu sua renda crescer, para além da faixa da pobreza, realizando a mesma atividade com a qual não conseguiam sair da pobreza nos anos 90. 

Não há, portanto, nova "classe social", mas sim uma novidade muito grande produzida pelo lulismo no sentido de que grupos muito grandes *de trabalhadores podem ganhar uma renda digna com sua atividade*, o que altera a correlação de forças da luta de classes. Por isso eu creio que, para além de wishful thinking sociológico - a torcida para que a "nova classe média" seja conservadora, como enfatizou a Mary W no GReader do Idelber -, eu acredito que, mesmo inconscientemente, a fala de FHC tem neste momento uma conotação defensiva mesmo: a ordem é no sentido de não perder o que o partido tem agora diante do fenômeno Dilma. Mas daí a achar um norte vai longe. E isso é péssimo para a democracia brasileira. Ou o PSDB se senta para discutir uma verdadeira refundação, fazendo uma autocrítica pesada - algo comum nas democracias, olhem para o Labour no Reino Unido e o que significou a eleição de Ed Miliband - ou ele se tornará um problema maior do que foi em 2010, um mero (e raivoso) anti-PT, o que é desnecessário.

P.S.: O meu amigo João Villaverde escreveu recentemente um belo post sobre o assunto






2 comentários:

  1. Meu caro Hugo.

    O Bresser é mais que um quadro, é um emblema. Sua saída do PSDB marca o romper entre as raízes sociais, democratas, e populares, que legitimaram em parte a sua trajetória o PSDB. Muito mais que um adepto de Lord Keynes, Bresser lutou contra presunçosos anti-nacionais, contra a outorga da soberania, o que se claramente lê na entrevista referida. Embora não exista o que acrescer neste particular em sua escrita, meu caro amigo, creio que isso pode e deve ser ressaltado.
    No particular deste pobre comentador, eu acho o intelectual FHC um ser brilhante, embora não concorde com ele. Em verdade, confesso sentir nojo dele pelas oportunidades desperdiçadas como cidadão público, governante. Ele tinha o PSDB, o DEM e o PMDB em suas mãos e não soube administrar. Melhor afirmando – seu projeto de país bem representou aquilo tudo que ele pediu para que esqueçamos, aquilo tudo o que ele escreveu. Ver o Governo FHC/PSDB de olhos fechados para a teoria da dependência é um equivoco, ele a confirmou, afirmo em meu sentir e em minha demência.
    Quanto a José Serra, seus dois maiores algozes se chamam FHC e Serra. Os caminhos escolhidos pelo Serra fizeram o Bresser abandonar o barco, e além, há quem diga que existe um novo Itagiba entocado na questão do #bafometrogate. Acho que é um quê de oráculo, mas não impossível.
    A verdade é que um partido social-democrata deve de ter nexo com os movimentos sociais. E neste particular o artigo de Fernando Henrique é uma renúncia da sigla PSDB à sua razão de ser, o que deveria ser o seu modus vivendi.
    O triste, o lamentável, o descartável, é ver uma nova UDN se formando, cruel. Tenhamos todos a certeza, a onda conservadora mundial fascista não deixará de ser representada em terras tupiniquins. Medo...
    Saudações Fraternas

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  2. Pois é, Tiago, a relação de FHC e a social-democracia sempre foi complexa. É fato que ele já construía sua carreira nos altos corredores do poder, de forma independente, dez anos antes da fundação do PSDB. Sua ida para o partido recém-nascido foi muito mais uma questão de sobrevivência do que para alguns peemedebistas e sua vontade de fundar um partido um social-democrata já àquela época, sabe-se à boca pequena, não era tamanha - tanto que ele, negociando por contra própria sua ascensão política nos anos 90, que articula sua candidatura presidencial dentro de um projeto que já era uma guinada à direita.

    Se a esquerda vive a dizer que o PT tem o governo, mas não tem o poder, ela se esquece que o PSDB teve menos ainda o poder; os nomes que tocaram a política econômica não eram gente partido e nomes com Bresser e Serra foram ignorados várias vezes. E o Governo FHC tornou-se um arranjo complexo que garantia estabilidade monetária, mas que, em sua essência, não passava (nem poderia passar) pela proteção aos trabalhadores ou pela consideração dos interlocutores daquela classe como válidos. Tudo parecia se encaixar, mas não os trabalhadores eram apenas um elemento lateral na conversa.

    Com a pane causada pela manutenção demasiada do paridade cambial e do atraso na reforma fiscal, o Governo FHC ainda se viu refém de uma constatação óbvia: o desemprego não era um fator marginal, sua existência causava um ônus pesado na própria economia. Foi aí que ele se perdeu e Serra ascendeu como candidato em 2002. Serra, no entanto, não teve coragem de criticar o que batia nos corredores e arcou com a defesa de um governo que, realmente, não era seu, frente a uma articulação política complexa e com uma proposta muito mais sofisticada que a sua naquele pleito.

    A derrota de Serra para Lula em 2002 levou o político tucano a cometer erros atrás de erros. Ele se perdeu a partir dali. Por outro lado, o Legado de FHC continua ali, mas há uma disfunção ente como o eleitorado o percebe e como os políticos podem/querem apresenta-lo. E não existe mobilidade interna no partido tucano para que um candidato se lance sem se distanciar criticamente dos anos 90. Os eleitores refutam as privatizações, aprovam a estabilidade monetária, mas se ressentem da falta de mobilidade positiva do período - simples assim. Mas os anos 90 são um dogma para uns no tucanato (alguns como Alckmin ou Aécio) e um tabu para outros (Serra). Isso é grave. O partido não consegue renovar ideias e quadros.

    O PT, com todos os seus problemas, soube e sabe se reinventar, o PSDB não. O Partido da Estrela soube dar um destino honroso para Lula que restará como um símbolo, enquanto FHC tornou-se um problema para o PSDB. Hoje o desafio do Governo Dilma é controlar a alta da inflação, resolvido isso, o destino da oposição é tenebroso. E não sei se isso é ruim.

    abraços

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