segunda-feira, 29 de junho de 2009

O Golpe Militar & A América Latina

Os golpes militares na América Latina encontraram seu auge na Guerra Fria, em especial no governo Nixon, quando ele e seu Secretário de Estado, Henry "Arauto da Realpolitik" Kissinger, não apenas patrocinaram uma série de golpes como financiaram as ditaduras decorrentes. Para além da colaboração americana, o Golpe Militar era visto sempre como uma possibilidade concreta e aceitável pelas elites latino-americanas histéricas com as transformações sociais do século 20º.

Os golpes apresentavam como padrão uma conjugação de elementos: Quase sempre havia um governo de frente popular promovendo reformas mais ou menos radicais que irritavam tanto as elites locais quanto Washington e, em decorrência disso, as Forças Armadas desses países eram manipuladas e mobilizadas para, sob a prerrogativa de um inflado perigo vermelho, botarem as tênues e atrofiadas instituições liberais abaixo com a violência que fosse necessária; as ditaduras resultantes eram amigas de Washington e buscavam mudar tudo para que nada mudasse.

Com o fim da Guerra Fria e o aparente Fim da História, o Golpe Militar deixa de ser visto como instrumento funcional na medida em que era muito mais fácil simplesmente eleger políticos confiáveis e alinhados ao Consenso de Washington. Veio o século 21º, a decadência americana, as inúmeras mudanças no continente e o controle estadunidense desaba na região, o que, somado a força dos movimentos sociais faz com que governos de esquerda cheguem ao poder por via eleitoral e as elites tenham de ceder os anéis para não perderem os dedos.

Há um resfriamento na prática golpista. Ainda assim, houve a quartelada que tentou derrubar Chávez na Venezuela com apoio da Administração Bush. Deu errado. O governo golpista ficou isolado no continente. Também houve a recente tentativa de golpear o presidente Evo Morales que esbarrou numa resposta diplomática mais sofisticada dos países da região - via recém-criada UNASUR. No domingo, como os senhores devem saber, houve um Golpe Militar em Honduras.

O caso do presidente Zelaya, o bom liberal, é emblemático em vários sentido, citaria quatro em especial:

1. Ele foi um golpe militar ao pior estilo anos 60 ou 70, com direito até a sequestro do presidente por militares na residência oficial;

2. Ele vem numa esteira de um movimento de relativização da ditadura no Brasil, maior país do continente;

3. Ele se dá num contexto onde os EUA, sob o comando de Obama, tenta redefinir o jeito americano de fazer política externa, um tanto por idealismo outro tanto pelas vicissitudes materiais do país no momento;

4. Ele se dá num quadro onde os países da América do Sul e da América Latina nunca estiveram tão organizados politicamente como prova tanto a UNASUR quanto as próprias transformações na OEA.

Isso implica em várias coisas ao mesmo tempo. Uma delas foi a reação diplomática rápida, coordenada e firme dos países latino-americanos contra o golpe. O segundo é o posicionamento firme dos EUA em favor da democracia burguesa no continente, algo raro na História. Os golpistas, portanto, se encontram sitiados.

Por outro lado, no Brasil, alguns notórios nomes da direita fascista prosseguem na sua esquizofrênica e conveniente alternância entre a defesa do liberalismo e o golpismo puro e simples: Apoiam o golpe e alguns, mais sofisticados, aparecem com factóides mil para esconder o óbvio e evidente ato criminoso perpetrado.

As próximas horas serão decisivas.

atualização de 30/16 às 00:02: Corrigi o título.
atualização de 30/06 às 12:06: Até agora, mesmo sobre intensa pressão internacional, os golpistas permanecem no poder. Segundo informações da Telesur, o Presidente Zelaya retornará a Honduras na quinta com apoio da OEA.

domingo, 28 de junho de 2009

Brasil Campeão

Um primeiro tempo horroroso: Os americanos abriram o placar numa falha ridícula da defesa, o time foi para o ataque feito maluco e tomou o segundo num contra-ataque bem armado. Na segunda etapa, no primeiro minuto, Luís Fabiano faz um golaço. Depois, muita pressão, uma bola de Kaká que entrou e o bandeirinha não viu, mais pressão, boas modificações de Dunga e o empate brasileiro num gol chorado de Luís Fabiano. A virada aparece em lance de Elano para Lúcio. Brasil 3x2 num segundo tempo excelente. Os americanos quase surpreenderam - quase -, mas o Brasil não é a Espanha, é a melhor seleção de futebol do mundo há pelo menos quinze anos e se ganha menos títulos do que poderia, isso deve a organização nefasta ao qual seu futebol é submetido pelos seus dirigentes.

sábado, 27 de junho de 2009

A Queda de Luxemburgo e Um Pouco de Palmeiras

O futebol tem das suas ironias. Creio que em sua quarta passagem pelo Palmeiras, Luxemburgo cometeu erros demais, principalmente depois do título paulista de 2008; foram erros que envolveram desde a quase expulsão de Valdivia para o futebol árabe até os frequentes bate-bocas públicos com Marcos, passando, claro, pela indicação de pilhas de atletas que o Palmeiras desnecessários, coisa que as divisões de base poderiam muito bem dar conta de suprir.

Luxemburgo não caiu por nada disso.

Qual não foi a minha surpresa quando me deparei com esse post no blog do Luxemburgo hoje de manhã. Vandeco Luxemba caiu por ter "quebrado a hierarquia" ao ter declarado publicamente que se Keirrison não fosse para o Barcelona, ele não jogaria mais com ele por conta da forma que o jogador levou adiante as negociações, quebrando um "pacto" que ele firmou com o treinador no que tocaria a sua permanência no clube até o meio do ano que vem.

Sobre a atitude de Luxemburgo, todo o meu apoio. Keirrison conduziu sua saída de uma maneira muito, mas muito ruim mesmo. Antes disso, não parava de reclamar com a torcida pelas cobranças por conta da sua misteriosa queda de rendimento na época em que surgiram os primeiros boatos de sua ida para a Catalunha. Tinha firmado um pacto com o treinador e de repente saiu quando foi mais conveniente. O treinador não poderia mesmo aceitar o jogador de volta caso as negociações emperrassem, se ele já estava entrando em campo com a cabeça fora dos gramados, imagine só agora.

A declaração de Luxemburgo foi precisa e corretíssima. Felipão teria feito o mesmo. Muricy, que é cotado para assumir o Palmeiras, faria o mesmo. Se a diretoria do Palmeiras deixou de demitir Luxemburgo pelas dezenas de motivos pelos quais ele deveria demitido e o demitiu por isso, só posso dizer uma coisinha: O buraco, no Palestra Itália, é mais embaixo do que se pensa.

Até os distantes fins dos anos 70, o Palmeiras era o time disparadamente mais vencedor de São Paulo e único clube a fazer frente ao Santos de Pelé de maneira ininterrupta. De repente, não mais do que de repente, a nova geração de dirigentes não foi capaz de assumir o manto à altura e o Palmeiras se apequenou: Nos anos 80, o alviverde foi reduzido à mediocridade, não ganhou nenhum título, passou longe, muito longe de figurar entre os melhores. Isso prosseguiu até os 90, mas a parceiria com a Parmalat rendeu frutos e devolveu, aparentemente, o time a sua era de ouro.

Sobre a égide da parceiria com Parmalat - planejada por nosso amigo Beluzzo, diga-se de passagem -, o time montou uma estrutura vitoriosa, mas uma estrutura completamente artificial; ao contrário do São Paulo que se fortaleceu internamente, o Palmeiras reproduziu em si o modelo do desenvolvimentismo dependentista que faliu o Brasil. Saiu a Parmalat e não deu outra: Voltamos aos anos 80, dessa vez com direito a rebaixamento e tudo mais.

A "solução" para isso vem novamente pelas mãos do nosso maior quadro, Beluzzo - sem ironias, afinal nossos demais amigos cartolas verdes nunca gostaram de futebol mesmo -, via "bolsa de atletas" e depois a parceiria coma Traffic do nosso bom camarada J. Hawilla; no fim das contas, nada de fortalecer as estruturas do clube, basicamente, o novo mote era se aliar com uma empresa especializada em venda de atletas, entre outras coisas para servir como vitrine. Com sorte nos aproveitaríamos disso e ganharíamos alguns títulos.

O que se viu, no entanto, é o eterno entre e sai de jogadores, a vinda de pilhas e pilhas de atletas sem muita qualidade e um clube arrendado.

Keirrison, revelação do futebol paranaense, sempre me pareceu um jogador promissor, uma espécie de Dagoberto com mais recursos, mas sempre lhe faltou aquela alegria de jogar e aquela sinergia com a torcida. Nesse aspecto, lembrava um Dodô, um Ricardinho ou mesmo o próprio Dagoberto. Basicamente, o Palmeiras foi a sua ponte áerea para o futebol europeu.

Enquanto a Traffic se matou para trazer Keirrison, um jogador como Kléber não foi priorizado e acabou no Cruzeiro. Isso deixa claro o seguinte, a parceiria com a dita empresa só ajudará o Palmeiras no momento em que os interesses convergirem, em caso de não convergência, prevalecem os interesses da empresa.

Os problemas estruturais do Palmeiras não serão resolvidos por uma mera troca de treinadores, eles são graves e não há renovação no corpo de dirigentes que aponte para uma saída a curto prazo. Para o Brasileirão, as chances que já eram pequenas, se apequenaram ainda mais agora que o time vai passar por uma reestruturação.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Sarney e as eleições de 2010

(foto retirada daqui)

José Sarney, Senhor das distantes terras do norte, Presidente do Senado e Imortal. Oligarca nordestino - e nortista também, mas por incidente -, ele segue a tradição comum aos senhores da região desde que D. Pedro I era manipulado pela maçonaria para proclamar a independência brasileira: Serviu à elite do sul-sudeste massacrando, a soldo dela, as forças progressistas de sua região, exigindo em troca ser deixado em paz para controlar seu feudo. Ironia das ironias, essa prática não deixou de ser comum ao Brasil 'democrático' seja como FHC e seu ACM ou Lula com o dito cujo

Nesse exato momento, Sarney está sendo bombardeado. Infelizmente, não pelos motivos certos, mas por conta das velhas e nem tão boas intrigas palacianas do Brasil varonil. O Senado, como senhores já devem ter suspeitado, é de uma inutilidade institucional sem tamanho e vive às turras com um conservadorismo paralisante pior do que isso até: Com práticas condenáveis tanto ética quanto juridicamente que graças à sua hipocrisia oligárquica tornam-se mais intragáveis do que as patifarias dos Comuns.

Já abordei aqui n'O Descurvo o que eu penso sobre o apoio de Lula para Sarney, enfim, mesmo pensando a questão pelo viés da política feita pelo alto e a portas fechadas, o apoio a Sarney não faz sentido da forma como está sendo feita. Dia desses, debatendo com o Maurício Caleiro em seu Cinema & Outras Artes, levantei uma bola: As desventuras lulistas em muito se dão pelo rompimento com os movimentos sociais e a crença no pastelão da política de cúpula que ZD institui no PT do século 21º; não há outro modo de não virar refém político de instituições apodrecidas senão via manutenção de uma relação orgânica com os movimentos sociais.

Quem fez isso no Brasil, com pequena profundidade, foi o conservador Tancredo Neves nas eleições presidenciais indiretas de 85, a qual ele disputou como se direta fosse. Como no Brasil ironia pouca é bobagem, foi justamente desse processo, após, claro, a morte de Tancredo que Sarney ganha a Presidência de presente - em que pese a infelicidade na escolha do vice, certamente Tancredo teve menos escolha do que Lula no que envolve o nome de Sarney.

Lula, mais do que qualquer um, era o presidente que tinha mais possibilidades de se usar disso, mas jogou essa possibilidade pela janela quando se iludiu com as vantagens da dita realpolitik que em onze de cada dez casos onde foi empregada ao longo da História acabou dando no descalabro.


Eis aí que voltamos para o presente e encontramos no nosso Senador a guerra parlamentarque decidirá sobre a saída ou não de Sarney da Presidência da Casa. Uma óbvia antecipação de 2010 que já começou sorrateiramente com a eleição de Gilmar Mendes para a Presidência do STF, coisa que ninguém deu muita atenção na época. O Senado e a Câmara são os estandartes de um Poder de Estado falido chamado Legislativo que hoje, do ponto de vista decisório, é no máximo o terceiro Poder em força, soterrado pelas Medidas Provisórias e agora pelas Súmulas Vinculantes. Ele é, no entanto, o ringue onde os entes do nosso falido sistema político-partidário têm a oportunidade de se esbofetear e decidir o que será no ano que vem - ou o que já está sendo esse ano, já resolveram antecipar a campanha.

Estamos numa encruzilhada: Sarney merece sair, mas aqueles que podem entrar representam um risco maior. O caos e a falta de norteadores é tão grande que eu vejo com cada vez mais reservas o futuro próximo do Brasil.

quinta-feira, 25 de junho de 2009

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Algumas ponderações sobre o Irã

(Foto retirada daqui)

Nesses últimos dias a situação no Irã literalmente pegou pegou fogo. A causa? Uma suposta - e provável - "fraude" nas "eleições" presidenciais que deu na vitória de Mahmoud Ahmedinejad, candidato "conservador" sobre o "reformista" Mir Houssein Moussavi. Obviamente, manipulações políticas de toda ordem se esgueiram por detrás da reação de Moussavi e dos protestos populares que se espalharam pelo país, mas uma coisa não pode ser negada: Dizer que houve fraude na contagem de votos é uma grande brincadeira; o Irã é uma Teocracia e as eleições por lá são fraudes por si mesmas, haja vista que o dono do poder é o poderoso clero do país. No fundo, todos os candidatos são candidatos da ordem, uns mais radicais, outros menos, mais todos muito parecidos.

As origens disso, no entanto, remontam à distante década de 50 quando os serviços secretos britânico e americano desfenestraram o líder nacionalista laico Mahmoud Mossadegh e desenharam uma ditadura comandada pelo Xá que, entre outras coisas, se alinhou automaticamente com os interesses ocidentais. O Xá prendeu, torturou e esmagou a oposição e a saída política por via laica e democrática foi irremediavelmente inviabilizada. A queda dessa ditadura iria, no entanto, se desenhar por vias inesperadas para os mandatários à época: Duas gerações inteiras de iranianos foram enfiadas nas mesquitas, o que fortaleceu o clero e marcou a derrubada da ditadura do Xá por meio de um golpe de Estado realizado por fundamentalistas em 79. O Irã saiu de um anacrônico absolutismo para cair nas redes de uma Teocracia.

A ordem posterior a 79 jogou o país de encontro ao ocidentalismo: De repente a justa luta contra o imperialismo ocidental foi colocada no mesmo balaio da censura e, sim senhores, das perseguições aos políticos progressistas, intelectuais e artistas. Não houve Revolução, apenas uma violenta reação sobre reação no Irã. Isso custou caro para o país por conta do pesado ônus sobre sua sociedade. Logo depois, os americanos, por meio de seu então títere, Saddam Hussein, moveram uma guerra sangrenta contra o país no início dos anos 80. Obviamente, incomodava aos americanos a perda de influência no Irã e não as violações aos direitos humanos ali cometidas.

A história iraniana prossegue até o governo do moderado Khatami que buscou uma aproximação com o Ocidente nos anos 90, sendo humilhado e escanteado. Eis aí que se abrem as portas para Ahmadinejad vencer e adotar uma política radical contra os EUA, investir no programa espacial e nuclear com a ajuda dos russos e ainda construir uma ornitorríntica aliança contra Israel - que envolve desde a ditadura aluíta da Síria até o Hizbollah, o mais curioso, no entanto, é que ela funcionou, pelo menos na mais recente Guerra do Líbano, mais uma das desastrosas incursões israelenses pelo Oriente Médio.

Ahmadinejad se torna uma ameaça, não pela sua política desastrosa para os direitos humanos ou pela violência do regime, mas sim pela ameaça que passou a representar aos interesses ocidentais no que toca o controle estratégico da região. O argumento da falta de democracia, claro, não é só conveniente como também é politicamente correto, fosse ele verdadeiro, não seria possíveis relações EUA-Arábia Saudita - só para constar, o absolutismo saudita é dúzias de vezes mais radical que a teocracia islâmica.

Com a reeleição provavelmente fraudulenta do presidente iraniano, protestos explodem no país inteiro, mesmo com o apoio do Aiotolá Ali Khamenei, as coisas não esfriam, muito pelo contrário; o conservador e igualmente teocrata Moussavi parte para a ofensiva e as coisas estouram. Agora, a narrativa do ocidente aponta para um suposto reformismo de Moussavi frente ao fundamentalismo de Ahmadinejad. Seria isso verdadeiro ou, simplesmente, o reformismo em questão não é apenas o fundamentalismo mais conveniente para os interesses ocidentais?

Esse blog tem um postura clara, Moussavi é uma demagogo e está usando seu próprio povo não apenas como massa de manobra, mas também como escudo humano - e à serviço de quem lhe pagar mais -, enquanto Ahmadinejad é um monstro, mas um monstro que surgiu pela mais livre e espontânea opção americana. A única saída viável para o Irã, portanto, envolve Democracia, Laicidade e, especialmente, resistência ao imperialismo - que sob nenhum aspecto se confunde com infrações aos direitos humanos.

P.S. 1: O debate sobre a questão iraniana rendeu um excelente debate lá no blog do João Villaverde.
P.S. 2: O Tsavkko está fazendo uma cobertura muito interessante sobre a questão.

domingo, 21 de junho de 2009

Brasil 3x0 Itália e a Copa das Confederações

Como é público e notório, jogos da Seleção há muito não me empolgam. Dessa Copa das Confederações, vi uns lances do estranho jogo contra o Egito, assisti o primeiro tempo dos 3x0 contra os EUA meio por acidente e, hoje, dei uma chancezinha e acompanhei a vitória contra a Itália por 3x0.

Em um primeiro momento, o placar e o futebol lastimável apresentado pelos italianos apenas confirma aquilo que eu venho dizendo desde 2006: A Itália é uma fraude e só ganhou aquele Mundial porque Brasil e Argentina resolveram arregar e deixar tudo em aberto. Outro ponto é que sim, o Brasil jogou um bom futebol e Dunga, que foi apedrejado desde o primeiro minuto como técnico da Seleção, está realizando um excelente trabalho.

O motivo que me distancia da Seleção não é Dunga, ao contrário do que acontece com muita gente, mas o fato de não mais existir uma Seleção de Brasileira, mas sim uma Seleção de brasileiros. Além disso, a CBF de Ricardo Teixeira, o Eterno, também é broxante, ainda mais pelo desdém dela em organizar não apenas a Seleção como o futebol brasileiro de um modo geral.

No fim das contas, acho que o intenso processo de Globalização vai desnacionalizar o futebol de vez. Será que no futuro ainda teremos Copas do Mundo de seleções nacionais? Ou melhor: Será que ainda existirão Estados-nação? Difícil dizer.

Essa ideia me incomoda porque mexe com o nacionalismo futebolístico da minha memória afetiva. O mundo sem os Estados-nação seria um lugar bem melhor para se viver, eles já causaram muitos estragos, ainda assim, me dói essa ideia porque dói saber que é possível amar ideias irracionais.

Digressões de lado, nessa Copa das Confederações, após a bisonha eliminação do surpreendente Egito, teremos um Brasil x África do Sul e um Espanha x EUA. Óbvio que se não acontecer uma tragédia inominável, essa semi será apenas um aperitivo para Brasil x Espanha, um jogo interessante, ainda que o Brasil seja superior.

Fim da Era Muricy

(Foto retirada daqui)

A maior notícia da semana passada no
mundo futebolístico foi a demissão de Muricy Ramalho do São Paulo. O que chamou a atenção aí, mais até do que os (muito) títulos que ele ganhou pelo e para o Tricolor, foi o longo período que ele passou como técnico do time e a sua identificação com o clube. Tudo bem, 2009 tem sido um ano bom para o São Paulo? Não. A eliminação para o Cruzeiro foi um desastre? Sim. No entanto, a culpa disso tudo só é de Muricy? Acho que não, além, claro, de ser praticamente impossível trazer alguém que conheça tão bem o clube e ao mesmo tempo tenha tanta capacidade. Já adianto de antemão que Ricardo Gomes dificilmente será esse nome, aliás, é um nome bem estranho.

Muricy chegou no São Paulo em 2006. O time
ainda vivia a ressaca do título mundial sobre o Liverpool, enquanto ele vinha de uma boa passagem pelo Internacional - talvez com um pouco de dor de cabeça pelo vice campeonato controverso no Brasileirão até hoje entalado na garganta dos torcedores colorados. No Paulistão 06, um início titubeante, uma recuperação tardia e um vice frente ao Santos de Vandeco Luxemba. Na Libertadores daquele ano, uma campanha boa, mas uma derrota para o Inter de Abelão, talvez numa das piores atuações de Muricy enquanto técnico do São Paulo no primeiro jogo da decisão no Morumbi. No Brasileirão daquele ano, a redenção: Título com inacreditável aproveitamento de 68,5%.

Em 2007, o time novamente decepciona no Paulistão, eliminação
na semi contra o São Caetano por goleada e eliminação para o humilde Grêmio de Mano Menezes e Diego Souza ainda nas oitavas da Libertadores. Novamente a redenção no Brasileirão: Títulocom 67,5% de aproveitamento.

No ano seguinte, contando com Adriano e com alguns bad boys que a diretoria
ousou contratar, o São Paulo fez um belo Paulistão, mas foi derrotado na semi pelo melhor Palmeiras da década. Na Libertadores, nova eliminação para um brasileiro: O Fluminense de Renato Gaúcho, em duas partidas alucinantes elimina o Tricolor nas quartas. Com Carlos Alberto já desfenestrado e Adriano de volta à Itália, Muricy juntou os cacos e levou o time ao terceiro título seguido do nacional, o que o tornou o maior vencedor do torneio em todos os tempos: Início irregular, recuperação maravilhosa no Segundo Turno e título com 66% de aproveitamento, mas assegurado apenas na última rodada.

Este ano, o time começou mal no Paulistão
, se recuperou ainda na Primeira Fase, quase arrancou a primeira colocação do Palmeiras, mas terminou em segundo. Na Semi, tomou um vareio de bola para o Corinthians de Mano Menezes e Ronaldo. Na Libertadores, campanha anêmica, classificação para as quartas de forma direta por conta da eliminação da saída do Chivas do torneio por conta da gripe suína que assolava o México, jogo contra o Cruzeiro nas quartas: Derrota apertada em Minas por 2x1 e possibilidade plena de reverter o resultado no Morumbi; no Brasileirão, vitória animadora contra os mineiros por 3x0, o que apontava para uma repetição disso na Libertadores: Ledo engano, o time jogou uma de suas piores partidas no ano e foi eliminado com uma derrota por 2x0. Muricy é demitido.

Será que se continuasse, o ex-técnico são paulino se redimiria
com um quarto campeonato brasileiro consecutivo? Nunca saberemos, mas eu penso que o São Paulo brigaria sim pelo título. Honestamente, eu acho que sempre faltou a Muricy aquela gana para vencer mata-mata, mas sempre lhe sobrou a paciência e a capacidade para vencer um torneio de pontos corridos. É a síndrome do grande maratonista que, no entanto, jamais conseguiria ser um fundista razoável. É um mal que, num grau menor, também sofre Luxemburgo que de copas mesmo, só venceu uma América em 99 pela Seleção e uma do Brasil pelo iluminado Cruzeiro de 2003.

Isso provavelmente foi a causa de sua queda. No entanto, é
bom não esquecer que a solução que o São Paulo encontrou pode até dar certo, mas eu acho bem difícil. Não consigo imaginar Gomes batendo no ombro de Muricy, aliás, só consigo vislumbrar uma boa campanha do São Paulo nesse Brasileirão caso o problema que tenha resultado em sua saída tenha sido de fundo essencialmente pessoal com o elenco. Claro, não é bem por aí: Ano passado, mesmo sem os alas ideais e com muitas deficiências, Muricy levou o time ao título, talvez por conhecer bem os atalhos dos pontos corridos, o elenco que tinha na mão e o clube para o qual trabalhava. Com Gomes não há nada disso, mesmo que o relacionamento, eventualmente, melhore.

Juvenal Juvêncio tem um estilo muito soberbo e chamativo e isso pode atrapalhar
o São Paulo. O saudoso Marcelo Portugal Gouvêa fazia mais de forma mais discreta.

sábado, 20 de junho de 2009

Diploma de Jornalista

Diploma, em grego, significa "algo dobrado em dois" - curiosamente, a ideia de dobrar nem sempre se coaduna com a de duplicar em português, daí é necessário explicar que algo é dobrado em dois e não em três ou quatro. Nunca pensaram nisso? É estranho. Divagações de lado, esse algo dobrado em dois, era a forma física dos documentos oficiais da burocracia das cidades helênicas e também em Roma. Entre outras coisas, tratavam-se de salvo-condutos. Na nossa sociedade, cartorial e oficiosa que só ela, o diploma, principalmente com o advento da República, se tornou o salvo-conduto para as camadas médias ascenderem socialmente e assim trespassarem linhas antes intransponíveis.

O Brasil dos primórdios século 20º era um país onde a tardia e tímida burguesia nacional se aliava à velha oligarquia para livra-lo do atraso do século 19º, mas, claro, isso daí de acordo com a concepção bem peculiar que elas tinham - e têm - de progresso. Como diria Lampedeusa, se queremos que as coisas permaneçam como estão, as coisas terão de mudar; Foi o que aconteceu: Os remediados, outrora ligados ao comércio ou a atividades rurais razoáveis passaram a ser absorvidos pelo Estado republicano: Era necessário não só reorganizar como ampliar a massa do funcionalismo público para administrar a nova divisão do trabalho no país.

É disso que surgem duas concepções ainda recorrentes no país: A valorização do diploma como forma de subir na vida e o sonho de se tornar funcionário público para ganhar muito e trabalhar pouco. As duas ideias se entrelaçam na medida em que para subir no funcionalismo público é necessário diploma, portanto, por que não conseguir um? A concepção do diploma como forma de ascensão profissional no setor privado é ideia recente por aqui, ele remonta à segunda metade do século 20º para cá e encontra maior ressonância nos estados em que houve algum desenvolvimento industrial. O peso do diploma e dos títulos vale mais do que o conhecimento, a criatividade e a imaginação em nosso meio.

O Outro fator, o curso de jornalismo, é bem recente. No mundo, ele surge nos EUA dos fins do século 19º, por aqui, ele aparece pouco antes da metade do século 20º com a Cásper Líbero. A jornalística em si nasce dos panfletos políticos no tempo das revoluções burguesas. Ganha corpo no século 19º e se afirma enquanto a prática de se produzir o meio de comunicação impresso chamado jornal; depois, passa a ser jornalista quem produz qualquer meio de comunicação impresso e em seguida, com o avanço tecnológico, o jornalista se torna o técnico especialista na difusão de dados por meio de qualquer meio de comunicação de massa, sejam os jornais propriamente ditos ou revistas, rádios, televisões.

O conceito de jornalistíca se alonga; em muitos momentos ele é confundido com o de comunicação social e em outros tantos realmente coincide com ele. O que abstratamente seria o discurso informativo massificado, no plano concreto, passou a ser, quase integralmente, o que representa o discurso jornalístico. A partir daí, o jornalismo passou a ser um conceito extremamente incerto, podendo implicar em uma atividade extremamente simples e estrita ou em outra complexa de acordo com o uso que se faça da palavra.

Cá no Brasil, a obrigatoriedade do diploma jornalístico foi estabelecida pelo simpático Decreto-Lei nº 972 de 1969. Há quem diga que os militares instituíram tal obrigatoriedade para elitizar as redações e livrarem elas de indesejáveis jornalistas não-graduados, próprios daquela geração que se formava em outros cursos ou, quase sempre, nas ruas. Eis aí que se confluíram dois fatores interessantes: Um deles tangentes às relações cada vez mais complexas da uma mídia e a questão da comunicação que já se desenhava no horizonte; o outro, a questão da concepção dos diplomas em nosso meio.

As Faculdades de Jornalismo ganharam impulso, mas talvez não tenham promovido o curso que os artífices dessa norma imaginaram, pelo menos não do ponto de vista ideológico, na medida em que elas sempre se apresentaram como núcleos de pensamento progressista. Mas, claro, as redações se elitizaram sim e o oligopólio midiático passou a ter uma mão-de-obra exclusiva para si e não mais profissionais de outras áreas prestando um serviço do qual não estavam intrinsecamente dependentes.

Por outro lado, há o problema que envolve a questão da substância dada a esses cursos; eles nunca conseguiram se livrar da concepção jornalística em sentido estrito, principalmente no que envolve as ideias da interatividade e de "imparcialidade" - de certa forma, nunca se superou o paradigma do liberalismo inicial do ponto de vista técnico, ainda que do ponto de vista político se estimulasse um pensamento progressista. Isso ficou mais flagrante com o advento da Internet. A soma disso com a fragmentação e a especialização do saber em nosso tempo fez os jornalistas cada vez mais passarem a ser vistos como os especialistas em saber pouco sobre muito.

Mas o que o Poder criou há 40 anos, ele desfez nessa semana: O STF declarou a inconstitucionalidade da obrigatoriedade do diploma de jornalista para se exercer a atividade jornalística. Agora, como nos anos 60, a medida legal se coadunou com o que os "patrões" queriam, afinal, não nos esqueçamos que o processo em questão nasceu de uma ação movida pelo Sindicato das Empresas de Rádio e Televisão do Estado de São Paulo e que perseguia, justamente, do fim da exigência de diploma. Claro, entram aí, interesses mil, dentre eles, enfraquecer os sindicatos e a categoria dos jornalistas e, ao mesmo tempo, poder empregar mão-de-obra especializada em várias áreas diferentes.

Para além da metafísica jurídica liberal, o que feriu de morte o jornalismo, foi mesmo a Internet e a possibilidade de difusão da informação por inúmeros agentes diferentes, instantemente, de qualquer lugar do mundo e de maneira interativa. A ideia de jornalismo, por mais que o termo tenha sido elastecido ao longo do tempo, não conseguiu alcançar esse ponto. Claro, há mais coisa aí, uma delas, é a própria conversão do discurso jornalístico em discurso político via monetarização do dado informacional - e a própria informacionalização do dado monetário, trata-se de uma convergência -, o que já vinha comendo o próprio jornalismo por dentro.

Não acho, no entanto, que venha a ser dispensável a existência de um profissional da área de comunicação no futuro, mas ele terá de ser, sobretudo, um pensador e um desenvolvedor de conceitos-solução para a problemática da Mídia. Deixemos, portanto, a mentalidade jornalística para trás e pensemos na comunicação social.

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Mix

A Semana vai correndo e eu tento acompanha-la, mas falta fôlego. Vamos lá:

1. Ontem, o meu Palmeiras foi eliminado pelo Nacional na Libertadores. Numa boa: Time que contrata Obina deveria ser excluído de torneios internacionais por pelo menos uns cinco anos. O Corinthians, por sua vez, bateu o Inter por respeitáveis 2x0, nada mal - um bom esquema tático somado a um craque no comando de ataque e uma torcida participativa são fatores decisivos num mata-mata; o Inter, sem Nilmar e Kléber, mesmo jogando com disposição, acabou se lascando, mas atentem: Não é impossível virar. Hoje, vi o primeiro tempo de Brasil e EUA, o placar de 3x0 me pareceu barato para a Seleção: Uma boa partida complementada por uma seleção americana abaixo da média das próprias seleções americanas dos últimos tempos.

2. O STF decidiu que o diploma deixa de ser obrigatório para o exercício do jornalismo. Honestamente, penso que foi um belo desperdício de dinheiro público realizar um debate como esse. Primeiro, é anacrônico falar de jornais e jornalistas nos dias de hoje. Segundo, o século 21º será marcado pelo avanço do poder da Mídia via fenômeno internético e eis que se afirmará a importância da comunicação social - mas de uma comunicação social que terá, necessariamente, de se mover para além das amarras da anacrônica ideologia jornalística, na medida em que ela será uma das chaves para entender a profunda contradição de um capitalismo desmonetarizado, informacionalizado e que viverá às turras com a tensão dialética entre o aumento do poder da difusão da informação e a fragmentação dos agentes midiáticos por conta dos mesmos motivos.

3. O Irã continua pegando fogo por conta da eleição no mínimo questionável de Ahmadinejad. Um problemão para os iranianos e mais uma faísca na fogueira do Oriente Médio. O país é uma teocracia além de ser um dos maiores produtores mundiais de petróleo. Ahmadinejad é uma daquelas figuras que provam que quando as coisas estão ruins, elas ainda podem ficar pior. A pergunta que não quer calar é: Por que, anos atrás, Mohammed Khatami foi ignorado pelo Ocidente? Burrice ou o desejo de ver o circo pegar fogo e tirar proveito disso? Talvez os recentes eventos no Iraque respondam as minhas indagações pueris, mas eu as deixo aí mesmo, pelo menos em caráter de provocação.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Reunião dos BRIC's

Como já foi abordado por aqui, o grupo formado por Brasil, Índia, Rússia e China é peça chave na atual conjuntura econômica e política em que vivemos. De uma sigla criada pelo Goldman Sachs em 2001 para definir um grupo ainda abstrato, ela passou a ganhar concretude nas grandes negociações comerciais dos últimos anos. Ontem, na Cúpula de Yekaterinburg, o grupo deu mostras que pretende se articular politicamente de forma mais efetiva.

Claro, não será uma tarefa fácil; os quatro países são gigantescos e profundamente complexos internamente. Para se ter uma ideia, juntos, eles representam quase 40% da população mundial e pelo menos 21% do PIB mundial (auferido em valores reais). Não há, simplesmente não há, como discutir uma questão de relevância global sem levar os quatro em consideração nos dias que se seguem.

Pois bem, como estariam os BRIC's nesse exato momento? Bem, a Rússia vai muito mal, abalada pelo desabamento dos preços dos hidrocarbonetos e por possuir algumas fragilidade sistêmicas que ficam mais expostas nesse momento - o PIB do país no trimestre passado caiu 23% em relação ao trimestre anterior, um terror. Brasil e Índia registraram quedas pequenas, na casa de 1%, no mesmo período segundo a mesma comparação. A China continua crescendo. Aparentemente, todos os quatro têm potencial para se recuperarem mais rápido do que a Europa.

Dentre os debates travados na Cúpula, o maior deles toca a questão das reservas monetárias dos países e a problemática do Dólar e alternativas para a sua substituição. Algo simplesmente impossível de se imaginar há vinte anos. Não podemos fechar os olhos para a imaturidade institucional dos quatro e os inúmeros problemas internos de ordem política que eles têm, mas é sensacional imaginar uma ordem mundial que subverta a lógica da superpotência inequívoca que tudo pode - o que não foi bom para ninguém, nem mesmo (e muito menos) para o povo americano, admita ele ou não.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Um Pouco de Futebol e uma Semana Caótica

Semaninha corrida essa. Provas, provas e mais provas na faculdade. Passei o final de semana inteiro estudando e me sobrou pouco tempo para assistir a rodada do Brasileirão. Vejam só, a liderança está sendo ocupada agora pelo Galo do Idelber, que até riscou o "futebol" do perfil depois de anos de sofrimento. Pena ele ter feito isso logo quando o Atlético montou o seu melhor time em anos. Ainda é cedo para dizer, mas com os desmanches prováveis de Cruzeiro e Inter, a correlação de forças mudará e o Atlético, em cima do bom trabalho de Leão no começo do ano, pode chegar longe.

O meu Palestra venceu o Cruzeiro na sua melhor atuação no trimestre. aliás, melhor atuação desde a vitória contra o Santos por 4x1 lá no início do ano - quando os caras cismam, eles jogam. O meu querido Náutico, time do coração de papai, começou bem, mas tomou duas chacoalhadas nas últimas duas rodadas, é hora de repensar a defesa. O Inter, com a cabeça na Copa do Brasil, apenas empatou em casa com o bom time do Vitória.

A Seleção pouco me empolga. Prometo escrever algo a respeito com mais cuidado, mas a dinâmica econômica do futebol contemporâneo e o fim da Guerra Fria esvaziaram o sentido dos torneios de times nacionais. Jogando pro gasto, o time verde-amarelo venceu o Uruguai fora, e bateu o Paraguai, então melhor time das eliminatórias, no Recife. Hoje bateu o Egito num estranho 4x3 (?!!). A Argentina de Maradona, melhor seleção da América do Sul na atualidade, insiste em tropeçar nas próprias pernas, mas eu duvido que não se classifique, dá sempre o trio Brasil, Argentina e - o eternamente subestimado - Paraguai mais dois - dessa vez, acho que Chile e Colômbia.

domingo, 14 de junho de 2009

Panorâmica: América Latina

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Dia desses, joguei uma ideias um tanto difusas sobre a questão da retirada das sanções contra Cuba na OEA e acompanhei com atenção a Crise Peruana - ainda que não com a devida atenção, provavelmente por conta da semana nem um pouco tranquila que tivemos aqui na nossa amada Terra de Vera Cruz. Há muita coisa acontecendo ao mesmo tempo e há no que se pensar no quadro complexo da região.

Vamos começar do começo, com a América Portuguesa se tornando independente e se mantendo unida em torno de um monarca europeu e a América Espanhola se dividindo em mil pedaços; no fim das contas, ambas acabam seguindo um destino parecido no que toca ao subdesenvolvimento, com seu caudilhos/coronéis mantendo a economia colonial - agroexportadora, para usar um eufemismo - e, não raro, o próprio trabalho escravo.

No século 20º assistindo a mais abalos do que se poderia imaginar, mas ainda assim
a nossa história assim com a de nossos vizinhos hispânicos não difere substancialmente; guerras civis, inquietações populares de todas as ordens, líderes carismáticos ascendendo ao poder e promovendo reformas, quarteladas, massacres e algo novo: A entrada do pensamento socialista no continente, com algum atraso, é verdade, mas que acaba sendo um importante elemento - cuja compreensão é fundamental para se interpretar as ditas e as desditas do continente no período.

Ademais, outro fator importantíssimo se afirma no século 20º: Os EUA se tornam a maior economia do mundo e de nação rebelde que se libertou do julgo opressor do dominador europeu, o país passa a se ver agora como o mesmo. Desse modo, a pujança econômica estadunidense faz com que o país tome o lugar que antes pertencia ao Reino Unido enquanto explorador da América Latina e afiançador do sistema econômico arcaico mantido por nossas elites.

Ao longo do século 20º, a política de Estado traçada em Washington em nenhum momento implicou em uma política de coordenação com os seus vizinhos latinos, ao contrário, do Big Stick de Ted Roosevelt adiante o que se viu foi uma política claramente de subordinação. O modelo americano de desenvolvimento jamais confluiu - ou confluiria - com qualquer modelo latino-americano de desenvolvimento, na medida em que o subdesenvolvimento deles passou a lhe interessar mais e mais - certamente um erro, porque os EUA teriam muito mais a ganhar com uma América Latina desenvolvida do que o contrário, mas não é, no entanto, o que tem pensado o estamento que controla o país.

A participação dos EUA nos inúmeros golpes militares - e regimes decorrentes - não é fruto de teorias da conspiração, muito pelo contrário, é informação pública. Por outro lado, após a queda da União Soviética, a política americana de incentivo a governos que adotassem os dogmas do consenso de Washington também não é nenhum segredo; terminados os ciclos militares, o continente se vê governado por Menens, FHC's e Fujimoris da vida assim como o México está cooptado no NAFTA. A exceção à regra é Cuba, aquela persistente e incômoda ilha no Caribe, que mesmo com a queda do bloco soviético continua orgulhosa e socialista - a queda, que seria questão de tempo, não se opera, a Revolução causada lá atrás pela Emenda Platt, não cai.

O ponto de mutação se materializa em dois pontos interconectados; se o amarramento final dessa estratégia se daria via ALCA, ela se frustra; em maior ou em menor grau o sistema privatista inaugurado nos fins dos anos 80 fale. Enquanto isso acontece, o estouro da bolha nos fins dos anos Clinton já dão indícios que há algo errado com a economia americana e, pouco depois, acontecem os atentados de 11 de setembro e os EUA miram seus esforços no Oriente Médio. Não há como focar ações efetivas ao mesmo tempo na América Latina - o golpe na Venezuela não vinga, no México, as coisas vão um pouco melhor.

Isso caso um vácuo político evidente na América Latina, pela primeira vez na história, a elite local se viu sem o arrimo de uma potência estrangeira para manter, digamos, seu estilo de vida. Basicamente, ocorrem a vitória dos mais diversos movimentos pela América do Sul, desde um PT até um Chávez. A direita só continua no poder em dois lugares nesse exato momento: No Peru, onde a máquina sanguinária de Fujimori e Montesinos, valendo-se do recorrente argumento da luta contra o terror, eliminou boa parte da esquerda e desarticulou os movimentos sociais em plenos anos 90 e na Colômbia, onde um Uribe, com o dinheiro do Plano Colômbia mantém seu país como um posto avançado do interesse econômico e estratégico americano às portas da Amazônia.

Na América Central ocorrem vitórias progressistas também. O México, que iniciou o século 20º com uma Revolução e com uma das constituições mais modernas do mundo, caiu na mais profunda boçalidade com o NAFTA e com uma eleição presidencial questionável como a última. Cuba, por sua vez, enquanto vê Fídel Castro, seu longevo governante, definhar, assiste a construção do cenário mais favorável para si na América Latina desde a Revolução.

Nesse sentido, a posição do Brasil é fundamental. Lula, no seu habilidoso jogo de mediação pode não ter nos conduzido aos avanços que esperávamos, mas levou adiante a política externa mais enfaticamente voltada para o continente na história e abriu espaço sim para a ascensão de governos de centro-esquerda e esquerda pela América Latina. Nixon já asseverava que para onde o Brasil se inclinar, irá toda a América Latina.

O ponto é: Enquanto Obama diz que Lula é o cara, o que nos aguarda em 2010? Os EUA estão em uma profunda crise econômica, os seus dirigentes deverão, como nunca, rever inúmeras posições suas pelo globo, recuar aqui, traçar novas estratégias acolá, mas até que ponto é interessante manter o quadro atual na AL e até que ponto é possível altera-lo? E se tentarem revertê-lo, qual o êxito que podem lograr? De todos os países latino-americanos governados pela esquerda, o Brasil é, justamente, aquele que pode ter o quadro político mais facilmente alterado: Lula se afastou dos movimentos sociais e passou a traçar a política interna por cima e contemporizando demais, dessa forma, não é impossível que seja construída uma via alternativa, passando pelo crivo midiático e do grande capital.

Não, não temos Política de Estado para as relações exteriores; com seus (poucos) erros e (bons) acertos, o que temos é uma Política de Governo, o PSDB, por exemplo, pode modificar isso facilmente no poder, voltando a americanofilia barata das conjunções carnais - que já se manifestava no apoio de um Serra, com sorriso amarelo, para uma ALCA em 2002. Por ora, o jogo nos favorece, mas não nos esqueçamos do como e do porquê um García estar no poder no Peru e que o poder que eles têm, mesmo reduzido, ainda é grande diante da nossa fragilidade.

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Reflexões sobre a Semana

Os meus argutos - e pacientes - leitores, hão de concordar comigo que essa semana está sendo particularmente agitada. Acontece muita coisa de uma vez só e mesmo tendo à disposição um meio tão eficiente quanto a Internet, as coisas estão acontecendo rápido demais. Essa sensação de difusão, no entanto, não resiste a uma análise conjuntural do momento em nos encontramos.

O mundo está em ponto de ebulição; o que uniria mutuamente o massacre no Peru dos nativos locais pelo Collor deles, o Alan García, ao linchamento dos estudantes da USP, a censura dos estudantes da PUC pela própria universidade, a celeuma da mídia corporativa contra o blog da Petrobras, a eleição de um negro para a Presidência dos EUA, a eleição de uma lésbica de esquerda num lugar como a Islândia e o crescimento da direita nas eleições parlamentares europeias? A Crise.

Toda essa confusão que eu narrei não passa de fios aparentemente soltos na ponta, mas que na base estão bem amarrados; são fenômenos superestruturais que refletem um profundo abalo infraestrutural na ordem global.

Na minha humilde opinião, um dos maiores erros da esquerda mundial no século 20º foi cair num dogmatismo barato e ter feito uma leitura inteiramente errada do fim do bloco socialista no Leste Europeu; a Teólogos dos novos tempos contaram a inacreditável mentira do Fim da História e não foram poucos os pensadores de esquerda que caíram nessa mentira - veladamente ou não -, acusando o golpe por meio da adoção de um niilismo pobre - exceção feita a um Chomsky, talvez.

Ninguém se ateve ao elementar; em primeiro lugar, as pessoas nunca tiveram coragem de admitir o fracasso retumbante da Revolução Russa no tangente à construção de uma opção realmente viável para o Capitalismo - é incrível como há um vácuo histórico na narração da História Russa, ninguém se dá ao luxo de fazer uma análise qualificada do período soviético do pós-guerra, o que seria fundamental para entender esse momento atual (principalmente o que concerne ao futuro dos EUA). A consequência disso, como sabemos, foi que muita gente acreditou na mentira que os ditos neoliberais papagaiaram sobre a Nova Era - porque saber dela mesmo, só uns poucos sabiam. Se tivessem se focado nos gráficos econômicos na década de 80 perceberiam o elementar:

1. O fim do modelo NEP de "Socialismo" era inevitável mesmo, viria mediante uma reforma profunda (China), pelo desmonte do país (União Soviética) ou pela tragédia (Iugoslávia).

2. A integração dos mercados capitalistas, com ou sem Muro de Berlim, era uma decorrência lógica do processo de expansão do referido sistema de produção.

3. A ideia da alegoria do Império Americano sempre foi patética; bastava analisar os gráficos de crescimento do PIB daquele país para perceber que ele se apequenava proporcionalmente ano a ano em relação ao PIB mundial; logo, um mundo unipolar e centralizado em Washington representaria um desastre para os próprios americanos, posto que sua economia não suportaria tal ônus.

4. Se a elite dirigente americana não se tocasse do exposto no item 3, essa Crise seria inevitável mesmo.

Outro ponto particularmente preocupante é como a esquerda mundial se levantou contra a chamada Globalização, assumindo uma postura estranhamente nacionalista, quando não perceberam que ela era exatamente o que deveria estar sendo perseguido, mas a nossa forma de Globalização. O futuro aponta claramente para uma Governança Global e é essa a nossa luta: Lutar por uma Governança Global democrática e efetiva, afinal de contas, ela vai acontecer de um jeito ou de outro. É necessário mais do que nunca denunciar a falência do Estado-nação, hoje, eles são apenas marionetes que servem aos interesses de certos grupos econômicos, nada mais.

Há vários projetos em curso nessa exato momento, a queda num nacionalismo barato que vai levar ao desastre, a formação de um Leviatã Global para sustentar o Capitalismo ou a criação de um subversão do próprio Capitalismo por meio de um globalismo democrático. A arena em que se dará essa luta, no entanto, não será no campo, nas fábricas ou no mundo nas finanças: Será na arena da Informação e da Propaganda - para o terror daqueles que tiveram a coragem de afirmar que a era das grandes narrativas acabou-se.

Atualização das 18:32: Sobre as últimas duas linhas desse post, o João Villaverde já tinha postado algo bem interessante nos fins de Maio. Vale a pena dar uma olhada.

Atualização de 13/06 às 19:35: Sobre o massacre peruano, deem uma olhada nesse post do Maurício Caleiro sobre a questão.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Construção Coletiva

Entre alguns blogs que eu acrescentei à Lista deste nos últimos dias está o da Construção Coletiva, um coletivo de estudantes de Direito da PUC-SP do qual esse humilde escrevinhador faz parte. O Blog andava um pouco parado, mas com um pouco de insistência minha e de mais alguns colegas, vamos botar ele pra funcionar, num momento, aliás, bem pertinente, levando em consideração os recentes - e lastimáveis - eventos que se abatem sobre o mundo acadêmico brasileiro e, em especial, sobre as universidades paulistanas. Discutiremos um pouco de tudo por lá, com ênfase, claro, na questão estudantil. Vale a pena dar uma olhada.

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Capitalismo e Academia

Ontem, estupefado, vi no cada vez mais indispensável Biscoito Fino e a Massa, um post assustador sobre a invasão da USP pela tropa de choque. Quando essa greve recente estava sendo puxada, já desconfiava de que algo ruim pudesse acontecer, mas tomava como improvável uma invasão. Gente: Tropa de choque invadindo campus é coisa de totalitarismo camuflado ou de democracia decadente.

Mas vamos problematizar a questão um cadinho: Para que servem as Universidades no sistema capitalista, afinal de contas? Serve para formar pessoas para servirem como quadros dirigentes do Estado burguês ou para serem altos técnicos destinados a criarem conceitos tecnológicos. A relação entre Capitalismo e a Academia é contraditória e, não raro, conflitante; o Capitalismo precisa da produção conceitual porque a reprodutibilidade técnica, por si só, não o sustenta para sempre, por outro lado, ao fomentar a produção intelectual, ele abre o flanco para que alguém reflita sobre o sistema em si e descubra as falácias sobre as quais ele se assenta.

A única forma de controlar a massa pensante das universidades - e o único realmente funcional - é vender uma promessa de poder efetiva, com limites mais largos do que a venda que é feita para a classe proletária. A coerção não é um mecanismo que deve ser usado a rodo ou com, digamos, sutileza paquidérmica, do contrário, a verdadeira natureza do sistema é revelada e em vez de se formar dirigentes, formam-se reformistas radicais e até revolucionários - o segredo do jogo é criar um sistema de controle tão efetivo que os limites dessa liberdade sequer sejam vistos, sendo que tais limites, na verdade, dizem respeito à linha imaginária cuja transgressão implica na necessidade do uso da força, portanto, eles devem ser largos e invisíveis.

Levando em consideração que o sistema sobre o qual o Capitalismo funcionou com mais efetividade é, justamente, o da democracia formal, institucionalizada e manipulável, verificamos que quando um Estado faz uso de um instrumento análogo à tropa de choque para controlar uma crise acadêmica, significa que ele está perdendo o controle porque, possivelmente:

  1. os atuais dirigentes não tem condições técnicas para exercer o mando e perderam o controle político.
  2. o próprio aparato Estatal está se desmontando em razão de alguma crise econômica.
  3. por algum motivo misterioso, conseguiu-se difundir massivamente uma determinada teoria de interpretação da realidade que fez as pessoas perceberem o que é o sistema em que elas vivem e ao que estão, de fato, sujeitas.
  4. os dirigentes, premeditação, estão acirrando as contradições do sistema para provocar a Revolução.
  5. um poucos das três primeiras possibilidades caoticamente atreladas.

Eu ficaria mais com a possibilidade cinco, ainda que me pareça bastante divertida a ideia da possibilidade quatro.

O fato é que temos um Estado totalmente desarrumado - devido a divisão internacional do trabalho - e possuidor de uma elite dirigente errática e, felizmente, apesar do sistema ser disfuncional, se produz conhecimento suficiente para algumas pessoas se darem conta disso.

De uma perspectiva menos abstrata, temos hoje no Brasil uma extrema-esquerda que, por inúmeros motivos que concernem desde a sua inabilidade política até as peculiaridades do nosso tempo, não consegue chegar nem perto de um síntese revolucionária; temos um partido com algumas bases e ligações com os movimentos sociais no poder, mas que conduz apenas uma política reformista moderada; temos uma oposição de direita ligada a concepções anacrônicas de Capitalismo. Por fim, há um confuso sistema federalista e uma legislação igualmente inconsistente integrada a um judiciário inepto.

Nessa esteira, temos a figura de Lula, o presidente que se elegeu para fazer uma reforma radical no país, mas que seguiu uma agenda moderada, trazendo ganhos para os setores anacrônicos que sempre o rejeitaram e, sob algum grau, para as populações pobres também; somado a isso, temos a figura de um Serra governando São Paulo e capitaneando um projeto de solapagem do poder que interessa a esses setores anacrônicos e implica num retrocesso da democracia formal, nunca esqueça, necessária ao capitalismo.

A Crise da USP, portanto, entra dentro de um contexto muito maior do que simples inépcia do Poder Público, ele se enquadra numa conjuntura política e econômica muito maior, onde uma figura ciosa por poder lança mão de uma política implacável para se mostrar confiável para levaar adiante os projetos que certos grupos estão a desenvolver nesse exato momento; enfim, diz respeito a Capitalismo, mas diz respeito sobretudo ao Capitalismo brasileiro e suas idiossincrasias. Serra, portanto, se revela como uma força reacionária - no sentido etimológico da palavra -, um risco para o tênue avanço civilizatório brasileiro, alguém que deve ser prontamente rechaçado.

Atualização de 12/06/09 às 12:18: Vai aqui o link pro melhor texto publicado sobre essa questão: Debelado foco guerrilheiro na USP do Professor Hariovaldo de Almeida Prado (enfim, só o humor nos salva mesmo).

terça-feira, 9 de junho de 2009

Blog da Petrobras

(Foto retirada daqui)

Eis o blog da Petrobras, a grande novidade da blogosfera nessa semana. Como os meus argutos leitores desconfiam, o ano eleitoral já começou faz tempo. Entre as bizarrices que anteciparam o começo de 2010, estão desde a campanha hedionda para a desmoralização da Ministra Dilma Rousseff, provável candidata à sucessão, assim como o bombardeamento de factóides que sofreu a poderosa empresa petrolífera para dar ensejo a uma CPI - o picadeiro mais manjado da República do espetáculo decadente.

Que fez a Petrobras então? Criou um blog para tornar públicas as informações sobre si mesma. Deu um chapéu na fábrica de factóides da oposição - ou seria imposição? - e deu o drible da vaca numa mídia corporativa que além de estar fazendo política em vez de jornalismo há muito tempo, ainda pensava em ganhar boas manchetes com a brincadeira. Não sei de quem foi esse lance de gênio, mas o cara sacou o Capitalismo contemporâneo: Vivemos um momento chave, onde o Capitalismo Financeiro está se convertendo em Capitalismo Informacional, a fronteira que separa o dado informacional do valor econômico está caindo por terra.

A Petrobras assumiu as rédeas da situação e deixou a "grande" mídia em estado de choque; aquele poder da mediação que os grandes grupos que integram o oligopólio midiático tinham - e que estava aumentando - cai no paradoxo essencial do nosso tempo: Se por um lado o poder da mídia aumenta, por outro, a Internet cria a possibilidade da criação de novos e mais efetivos instrumentos de comunicação - tendo em vista a crescente demanda por interação -; quem comunica tem poder, mas surgem, nas bordas do capitalismo financeiro decadente, a possibilidade de que mais pessoas sejam comunicadoras e, por conseguinte, a notícia perde o caráter dogmático para se tornar algo aberto à livre construção, reflexão e interrogação.

Por outro lado e para além da questão da demanda informacional propriamente dita, há outros dois pontos: O primeiro deles aponta em direção da crescente indissociabilidade entre a questão ecológica e econômica, o que, tão logo porá fim à impressa impressa por N questões relativas à sua produção, distribuição e posteriores impactos referentes ao seu descarte; o outro é que a própria televisão e o rádio cabem na Internet, apesar da recíproca não ser verdadeira e que se a segunda é imprescindível nos dias atuais, o mesmo não pode se dizer dos dois primeiros.

Sumirá o texto jornalístico? Creio que não, mas ele passará a conviver com a imagem e com o som na Internet - como já é possível -, mas haverá uma soma disso ao imperativo da interação, o que muda tudo. Mesmo que grandes grupos de informação vivam e sobrevivam na rede, isso será dentro de uma realidade em que a própria informação poderá ser construída, reconstruída e subvertida se for necessário. Em suma, acabou-se a era do jornalista todo poderoso que representa os interesses de um certo grupo de mídia e tirava sua casquinha.

Sobre esse assunto, o blog do sempre indispensável Idelber Avelar nos brindou com um mais um post brilhante, principalmente no que toca a desconstrução do argumento histérico e pueril de alguns jornalistas: A fonte não deve sigilo ao entrevistador - é em sobre isso que se assenta a análise do Sérgio Léo, por exemplo. Por outro lado, temos o Pedro Dória, que apesar de análise um pouco mais racional, aparece dizendo a obviedade de que a atitude não foi ilegal ou anti-ética, mas solta a pérola de que se trata de um caso de má assessoria de imprensa (mesmo diante de outra obviedade: o sucesso do blog e a maneira como ele reverteu o jogo). O Nassif, como sempre, apresentou um olhar bastante interessante sobre a questão - aliás, é possível encontrar no blog do João Villaverde o amarramento das pontas do emaranhado de fios que compõem a questão.

Por fim, meus caros, repito aqui o que eu escrevi no blog do Idelber: Quando jornais e jornalistas começam a esperar que a realidade se adapte às suas necessidades, significa que as coisas estão em fase terminal.

P.S.: Estarei em 15 de Julho participando de um debate no excepcional blog do Alexandre Nodari sobre o Extinção de Paulo Arantes, uma ideia que acabou surgindo lá n'O Biscoito.

segunda-feira, 8 de junho de 2009

O Caso Simonal

Wilson Simonal, popular artista dos anos 60 e 70, caiu em desgraça após ter sido acusado de ter colaborado com a Ditadura no que concerne à tortura. O bisonho acontecimento que decidiu sua sorte se deu lá atrás, no começo dos anos 70, quando Simonal suspeitou que seu contador havia lhe dado um desfalque e, para "resolver" a questão, contou com a ajuda de dois agentes do DOPS que trabalhavam, informalmente, como seus seguranças - se você sabe o que era o DOPS, há de imaginar de que tipo de resolução eu estou falando. O contador sobreviveu e denunciou Simonal que acabou condenado. Como era réu primário, o cantor ficou quinze dias preso, foi libertado com um habeas corpus e cumpriu a pena de cinco anos em liberdade.

No entanto, se Simonal escapou da cadeia, ele não teve a mesma sorte em relação à sanção ética: A partir dali, ele foi execrado pelo mundo artístico e nunca mais tocou na medida em que, nos depoimentos, foi revelado seu envolvimento com a repressão - e o golpe de misericórdia veio quando o Pasquim, jornal satiríco de oposição ao regime militar, divulgou tal informação. Aí, sua carreira acabou, Simonal se tornou uma espécie de homo sacer no meio artístico e os poucos que tinham coragem de tocar junto com ele, não o fariam com medo de entrarem na "lista dos malditos".

Do início dos anos 70 até sua morte em 2000, ele esteve esquecido. Acabou condenado a pior pena que alguém pode receber: O desprezo. Seria justo ou injusto o que fizeram com ele? Seja como for, mesmo trabalhando com a hipótese de que sua colaboração com a repressão seja falsa, convenhamos que o simples ato de pedir para alguns gorilas que integram uma polícia política espancar um ser humano, por si só, é uma coisa pra lá de revoltante.

Por que o tema voltou à baila? Por conta do documentário Simonal: Ninguém Sabe o Duro que Dei cuja direção é de Micael Langer, Calvito Leal e Cláudio Manoel (aquele mesmo do Casseta e Planeta). Assim como o gesto simbólico da OAB ter inocentado o cantor em 2003, o documentário vem na esteira do processo de reablitação de sua imagem.

Nessa nossa curiosa época, onde até a Ditadura virou ditabranda, já não são incomuns relatos que apontam para uma eventual injustiça cometida contra Simonal fundada em argumentos como racismo ou descriminação por parte da esquerda hegemônica no meio artístico - melhor dizendo, da "turma da canhota", como ele preferiria. Para pôr mais pimenta na conversa, PauloVanzolini, professor emérito da USP e compositor consagrado, declarou categoricamente que Simonal se gabava de ser dedo-duro e que o referido documentário é um embuste.

Honestamente, acho bem tolas as teses que apontam para um eventual racismo por detrás do que ocorreu - isso nunca esteve em questão, mas sim o que ele fez e a colaboração com a tortura que ele pode ter cometido. Fosse Simonal branco, algo parecido teria acontecido com ele? Isso seria entrar no campo da história contrafactual, mas é bastante improvável que um Chico Buarque, mesmo com seus olhos azuis, teria tido melhor sorte. Ademais, retratar Simonal como um direitista vitimado pela esquerda radical que dominava a cena artística da época é um equívoco grave: Para tanto, é preciso esquecer que havia uma Ditadura Militar de Direita, torturando, matando e aleijando, definitivamente, a esquerda não estava, convenhamos, em uma posição das mais confortáveis.

Ainda assim, como eu não sou dono da verdade, ficam as indagações: Simonal sofreu o que sofreu por não ter sido de esquerda ou está sendo reabilitado hoje em dia por ter sido de direita? De quem é o radicalismo, afinal de contas? Mais do que isso, tomando arte por, digamos, forma de experiência estética que por meio de um impacto sensível visa transmitir uma ideia, o que seria mais importante: A conduta ética - como reflexo de sua ideologia de um artista - ou a qualidade estética de sua obra? Seria possível transigir com um grave ato cometido por um artista em prol de seu talento?

Atualização de 09/06 às 17:42: Leiam esse belo post que o Samurai publicou sobre o assunto.

Quinta Rodada do Brasileirão

Em dez toques:

1. Quinta, em Porto Alegre, o Grêmio jogou sua melhor partida no campeonato e meteu 3x0 no Náutico. Não era para tanto, mas o tricolor gaúcho fez dois golaços e se aproveitou da falha do inominável Gladstone pra fechar o caixão. Os alvirubros, como todos sabem, não ganham do Grêmio nem com o rival jogando com meio time.

2. Também na quinta, o Santos empatou com o Santo André por 3x3 num jogo espetacular; o peixe mostrou o poderio de seu ataque e a fralidade de sua defesa.

3. O Corinthians, no único jogo do sábado, bateu o Coritiba, lanterninha. Se os paranaenses não tomarem cuidado, a gente vai acabar assistindo Atletiba na Série B ano que vem.

4. O Palmeiras, na bacia das almas, bateu o Vitória no Palestra Itália. Saiu perdendo, viu Marcos confirmar a grande fase defendendo o impossível, contou com a sorte e virou no finalzinho. Não vejo o time baiano com tanta empolgação, muito pelo contrário, o alviverde é que esbarrou nos velhos defeitos. Aliás, esse Henrique que veio do Ituano é outro Fabinho Capixaba da vida, vai contratar mal assim na...

5. O São Paulo, depois de enfiar uma saraivada no Cruzeiro, foi à Santa Catarina empatar com o modesto Avaí num jogo fraquinho de dar dó. Êta nóis.

6. Leão voltou ao Sport e o time retomou o bom futebol do começo do ano: 4x2 no Flamengo, de virada. Olho nos Leões.

7. O Galo meteu quatro no seu xará paranaense, hoje, em Curtiba. Será que vai ter Atletiba na Série B mesmo? O Atlético-MG, que não tem nada a ver com isso, lavou a alma e prossegue fazendo boa campanha.

8. No clássico carioca, o talento de Fred fez a diferença e o Flu bateu o Botafogo pelo placa mínimo. As equipes prosseguem não empolgando.

9. O Inter chegou perto da sua quinta vitória consecutiva, mas ficou só no empate contra o Cruzeiro, jogando no Mineirão. De qualquer modo, foi um belo resultado para o Colorado que prossegue na ponta. Para o Cruzeiro, essa perda de dois pontos em casa somada à derrota para o São Paulo representam prejuízos horríveis para a equipe na medida em que se deram em jogos de seis pontos.

10. Goiás e Barueri protagonizaram o jogo mais sem sal da rodada, ainda que ele tenha terminado num 2x2. Acho que os dois vão ficar lá na briga da parte de baixo da tabela.

sábado, 6 de junho de 2009

Cuba e a OEA

(Foto retirada daqui)

Cuba, como os senhores sabem, é um pequeno país localizado numa ilha caribenha. Não deixa de ser curioso, no entanto, como um país tão pequeno, resumido a limites geográficos, populacionais e economicos tão severos possa ter tido tanta influência nos últimos cinquenta anos quanto ele. A Revolução Cubana de 1959 foi o evento mais espetacular ocorrido no Continente Americano desde as guerras de independência contra as potências europeias no século 19º; pela primeira vez desde o assentamento do processo de independencia dos países da região, o sistema continental sofrera um abalo: A velha ordem que tinha os EUA como potência regional e as demais economias, exceto talvez o Canadá, funcionando de maneira praticamente colonial voltada para seu mercado, foi abalada pela primeira vez.

A importância simbólica da Revolução Cubana para os países da América Latina foi enorme; ela materializava o velho sonho de se criar um sistema que atendesse às demandas sociais por meio da distribuição de renda e da não-subserviência aos interesses americanos - que, no fim das contas, apenas substituiu as potências europeias na região. Para o mundo, ela foi uma luz que apontava para a possibilidade de pequenos países, não grandes impérios decadentes ou países de porte médio e com algum capital, poderiam, por si mesmos, se libertar da sombra de um sistema internacional opressor.

Para a esquerda, era a possibilidade de ver a Revolução finalmente triunfar, na medida em que as condições políticas, sociais e culturais da ilha poderiam permitir a criação de um socialismo inventivo e libertário que não teria sido possível de existir ainda dadas as condições em que transcorreram os processos revolucionários em países como a União Soviética e a China. Era da Revolução guiada pelos jovens rebeldes e intelectualizados de Cuba que nasceria o Homem Novo. Por conta desses fatores, Cuba se confundiu com sua Revolução nas últimas cinco décadas; a ilha se tornou um gigantesco símbolo.

Em 1962 ocorre a expulsão de Cuba de uma OEA controlada, como era de se esperar, pelos EUA sob a alegação de ter enviado guerrilheiros para a Venezuela - ironia das ironias, os EUA naquele período tentava de todas as maneiras reverter o processo revolucionário cubano, inclusive financiando mercenários para tanto, como expõe o tétrico episódio da Invasão da Baía dos Porcos ocorrido um ano antes. Em decorrência disso, Cuba se aproxima cada vez mais dos países do Bloco Socialista e o Governo de Castro se perpetua; o país progride sob a égide da ajuda soviética especialmente durante os governos de Khruchëv e Brezhenev.

Cuba enfrentou com vigor a crise da dívida do início dos anos 80, mas a crise que deu na queda da União Soviética no período que vai do fim dos anos 80 até o início da década de 90 levou o país à beira do colapso. Eis aí que o sucesso da Revolução de 59 se afirma no plano político; fosse ele um mero fruto da atuação de um pequeno grupo mediante que se manteve mediante a força e o país teria se fragmentado como aconteceu com seus pares pelo mundo. Isso, entretanto, não quer dizer que o período tenha sido fácil para os cubanos, muito pelo contrário, o país paralisou e piorou muito. Os ganhos sociais dos últimos trinta anos sofreram revezes e o país teve de se fechar para sobreviver.

A sorte da ilha começa a mudar graças às mudanças sofridas na América Latina no mesmo período. Os governos direitistas simpáticos aos EUA - e ao Consenso de Washington - eleitos na esteira do fim das ditaduras militares fascistas alimentadas por Washington, fracassaram economia; disso decorre uma avalanche de eleições de governos esquerdistas no continente, desde Hugo Chávez na Venezuela até Lula no Brasil, passando por Morales na Bolívia, o que desemboca no quadro disparadamente mais favorável para a Cuba na América Latina em cinquenta anos. Tais governos decorrem de movimentos populares que, em maior ou em menor grau, tinham na Revolução de 59 uma inspiração. Esse é o ponto em que a retorno de Cuba para o sistema interamericano passa a ser possível.

A Crise Americana deflagrada no Governo Bush conjugada com tal cenário gera o que parecia impossível há vinte anos atrás na América Latina; a possibilidade dos Estados da região estarem, talvez pela primeira vez na história, livres da subordinação massacrantes da alguma potência estrangeira. É aí que aconteceu aquela curiosa cúpula da América Latina e do Caribe na Bahia com a participação de Cuba. Na atual conjuntura, não é mais possível, tampouco lógico, manter Cuba fora do que quer que seja. Mesmo que as autoridadas cubanas permaneçam céticas e procurando dar um passo de cada vez, é provável que o próprio embargo econômico americano esteja próximo do fim, o que provocaria as maiores mudanças do país desde o fim do bloco socialista.

No fim das contas, isso trará à tona todas as implicações da Revolução Cubana em toda a sua complexidade; para além do sonho ou do pesadelo que alguns em que alguns insistem em enquadra-la, o que resta é o fato de que a mesma Revolução que trouxe à baila a questão social no debate político latino-americano é a mesma que resultou num Estado burocrata ao estilo do Leste Europeu - ainda que não tão bizarro quanto -; a mesma Revolução que desembocou em políticas para educação e saúde nunca antes vista no continente é a mesma que resultou na perseguição a intelectuais e homossexuais nos anos 60. Não podemos perder essa ambiguidade da Revolução Cubana do nosso horizonte visual para não repetirmos seus erros ou deixarmos de partilhar de seus avanços. Para além disso, não se pode negar que a inclusão de Cuba no sistema interamericano é fundamental para a sua própria legitimidade e para o bem da ilha.

Atualização de 07 de Junho às 13:48 - O Marcos D. postou algo a respeito e fizemos uma tabelinha.