segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Cartas Chilenas


Nos dois últimos dois finais de semana, tivemos o resultado de duas eleições pelo continente Latino-americano, Uruguai e Bolívia, ambas com vitória ampla da esquerda, mas como já alertava, no Chile a conjuntura era outra e a direita tinha sérias chances de vencer a eleição presidencial depois de anos por meio da candidatura de Sebástian Piñera - e com o racha que houve na coalização que unia o centro à esquerda, concretizado nas candidaturas do ex-presidente Eduardo Frei, de Marco Enríquez-Omínami e de Jorge Arrate. Objetivamente, o problema disso é que a direita chilena ainda não superou realmente o fantasma de Pinochet, portanto, uma vitória lá, equivaleria a um retrocesso institucional.

O Chile, em 1973, foi palco do mais sanguinolento Golpe de Estado dentre todos os golpes que se abateram pelo continente sul-americano que, por sua vez, decorreu numa das impiedosas ditaduras da região, sob o comando do general Augusto Pinochet. O país sofreu uma reforma de cunho liberalóide com a privatização das estatais para grupos econômicos nacionais e para grupos estrangeiros, liberalização e abertura da economia chilena.

Nos fins dos anos 80, a economia chilena havia sido estabilizada da crise dos anos 70 - causada pelo boicote interno e externo ao governo Allende bem como de equívocos causados pelo primeiro - às custas de reformas de cunho pouco democrático - especialmente na previdência social - e da entrada de capital estrangeiro nos negócios que envolvem o Cobre, principal riqueza do país, mantida nas mãos do Estado. Isso produziu enormes desigualdades sociais e, ao fim da década de 80, acabou provocando a fomentação que abalou o regime. Particularmente, a crise no Japão, principal parceiro comercial chileno no fim dos anos 80 e início dos anos 90, ajudou fortemente nesse processo.

A despeito desse cenário catastrófico, a manutenção do domínio que Pinochet tinha das estruturas do Estado somado ao apoio externo - e interno do oligopólio que enriqueceu às custas de suas políticas - permitiu que a transição fosse, em grande medida, controlada por seu grupo político. Uma união de uma série de partidos pró-democracia, notadamente socialistas e democratas-cristãos, formou a coalização denominada Consertación, o que resultou na primeira aventura bem sucedida da esquerda - ou pelo menos da centro-esquerda - na América Latina do pós-ditaduras.

Em decorrência do processo que começa com o governo do centrista Patrício Alwyin, primeiro presidente eleito depois de 17 anos da ditadura Pinochet e segundo democrata-cristão a ocupar a cadeira presidencial, o Chile passa por um tardio período de abertura e, daí por diante, com os governos do atual candidato democrata-cristão Eduardo Frei e dos socialistas Ricardo Lagos e Michelle Bachelet, a política social é tocada: Os índices de qualidade de vida melhoraram ainda que a desigualdade social permaneça altíssima - com um índice de Gini em torno de 0,55, o que chega a ser maior do que o brasileiro -, o desemprego dos fins dos anos 80 diminuiu, mas ainda permaneceu alto e o mea-culpa das forças armadas locais não se materializou no mesmo por parte da elite civil que as usou como mero instrumento.

Pinochet morre sem ter sido punido, mas sob processo por crimes contra a humanidade e, mais tarde, depois da revelação de roubo de dinheiro público - o que pôs abaixo o mito da honestidade do general, cultivado por muitos populares, quase como um moderno mito da bondade do Tzar. Há poucos anos, os membros da elite que enriqueceu com sua ditadura não gostariam mais de tirar uma foto com o pai benemérito da pátria, ainda que não tenham, em momento algum, renegado os meios que lhes enriqueceram.

A direita chilena jamais superou o paradigma de Pinochet e sempre representou as tendências dessa elite. Em suma, é como se no Brasil o DEM fosse uma opção possível e que a elite brasileira massivamente ainda tivesse ilusões com a ditadura - uma parte relevante talvez sinta saudades dela, mas longe do que existe no Chile, onde há uma adoração pró-ativa em relação a Pinochet que nem é tão velada assim.

A série de governos de centro-esquerda não produziu mudanças profundas na sociedade chilena, eles tocaram políticas sociais razoavelmente eficientes, mas sempre tiveram uma política recuada, seja pelo domínio da direita em setores-chave do Estado, pelo medo de repetir Allende ou por sua própria natureza heterogênea - além das próprias características do Partido Socialista que, ao contrário de um PT, nunca teve vínculos intensos com as bases da sociedade civil.

Michelle Bachelet termina seu governo com uma aprovação gigantesca, tocando uma política de centro, não resolvendo o problema das perseguições aos mapuche e cometendo um erro político muito grave: O recuo excessivo em algumas pautas para garantir a governabilidade e a realização de uma falso nivelamento entre os setores da política chilena como forma de garantir a governabilidade, o que pôs a direita local, de maneira falsa, no mesmo patamar que os demais atores políticos - em termos de forma, ou seja, da própria relação com a democracia burguesa - sem que isso jamais tenha acontecido.

O resultado da eleições foi claro
: o direitista Piñera teve 44% dos votos contra aproximadamente 30% do Democrata cristão Eduardo Frei, 20% de Enríquez-Ominami e 6% de Jorge Arrate. Em suma, sabe-se que poucos votos dos dois candidatos derrotados podem migrar para Piñera, mas poucos deles já seriam suficientes para lhe garantir a vitória no Segundo Turno - a ser realizado no dia 17 de Janeiro.

Mesmo longe de ser o candidato ideal, Frei tem uma política bastante diferente da de Piñera, inclusive - e especialmente - no que toca os planos de cada um para a política externa; enquanto o primeiro pretende tocar adiante uma política de integração firme com o continente latino-americano e com o mundo, o segundo insiste em um já superado americanocentrismo cuja opção talvez atenda unicamente interesses específicos que gravitam em torno de sua candidatura, mas passa longe de beneficiar o Chile - assim como não beneficia nem um pouco o Brasil e pode ser um entrave muito relevante ao processo de integração sul-americana em relação ao qual o Chile, exceto nos governos socialistas, sempre teve uma posição por demais recuada.

Isso vai também ao encontro dos anseios de vários setores do confuso e contraditório governo Obama, principalmente do seu Departamento de Estado que insiste ainda numa retórica hostil e cada vez mais ridícula ao passo em que encontra cada vez menos correspondência econômica ou geopolítica para, ao menos, fazer isso ter algum sentido - e mesmo ter efetividade, pois essa política sempre interessou só e somente só determinados grupos de interesses específicos e não ao interesse nacional estadunidense, haja vista o próprio apequenamento do país relativamente ao mundo.


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