domingo, 29 de julho de 2012

Micropólis: Por uma São Paulo Menor

Há uma São Paulo - nem aquém, tampouco além do horizonte - que existe resistindo à dureza do concreto armado, ao inefável tom cinza do asfalto, aos automóveis que insistem em monopolizar o movimento desmovimentando tudo, ao higienismo, ao autoritarismo, ao elitismo e à falta de gratidão ou de generosidade. Ela não é grande, nem se quer grande: é o que há de minoritário na metrpólis, o fascínio que desperta é o do esplendor de si e do paradoxo no qual consiste. É uma micropólis.

E essa micropólis passa pelo samba de Adoniran, pela multidão festiva que desce e sobe as ladeiras da Rua Augusta, pelas festas proibidas da FFLCH, pelos CA's anarquistas da PUC, pelos sebos empoeirados do centro, pelos bêbados em meio ao tumulto das Viradas, os estudantes que lotam os botecos da Vila Madalena, pelos índios que habitam resistindo de Norte à Sul da cidade (do Pico do Jaraguá até Paralheiros), dos novos italianos que são os nigerianos, os chineses, os bolivianos - como foram os nordestinos há pouco...


São Paulo não é isso, nem vai se tornar, ela devém micropolitana. E pouco importa se a especulação imobiliária (muito provavelmente) nunca nos deixará habitar lá - só para construir empreendimentos de luxo que tendem a virar elefantes brancos -, se vão um dia fechar este blog louco, se o trem vai quebrar no meio do caminho ou se eu vou ser atropelado em calçadas-adorno feitas (apenas) para se cumprir a Lei - e para enriquecer as empreiteiras - do que para os pedestres...os pedestres... 

Ela se faz nos encontros carregados de cupidez dos jovens amantes trôpegos - pela vida, pelo álcool, pelas exasperações e dúvidas - que cruzam como nômades uma urbe tão exposta quanta intocada: e se não será o povo puro ao qual pertencerá o porvir e a filosofia, também é certo que é no que há de mais ofensivo, assustador e estranho que brota o belo e o sublime na pólis.


Se é possível que em toda metropóle haja uma micropóle pelo desdobramento de suas engrenagens infernais, em São Paulo, pela força eterna das mesmas, é onde isso se faz mais distante e mais próximo. Ignorar essa potência apenas pelo paradoxo em que isso consiste, é esquecer a própria filosofia - e também apagar a memória das lutas de tantas favelas do moinho a resistir ao fogo ou tribos guaranis à inanição, de tantos amores e esvanecimentos. É esquecer o que há de minoritário aqui e o que há de majoritário em qualquer lugar. Se Paulo concebeu um estado de exceção verdadeiro, e ele era o amor, eis a nossa morada.

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Para Isabella, que sabe como poucos alguéns tirar da própria fragilidade sua força, no encanto do seu canto, pela doçura da companhia, a generorisidade e o ânimo desbravador nestas férias.




6 comentários:

  1. Hugo, li nestas suas linhas uma das descrições mais poéticas e belas de uma cidade que se pode conceber! Por um momento elas me puseram na Micrópolis.
    Senti-me andando pelas suas calçadas, ao som dos sambas do Adoniran... E de repente, diante da dedicatória que encerra o texto, foi como se nesse delírio imaginativo, no meio da caminhada eu trombasse com um jovem casal apaixonado.
    Obrigado, meu amigo, por compartilhar engarrafada nestas suas palavras um pouco de felicidade!

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    1. Belas palavras, Nuno: e no fim das contas é isso mesmo, meu velho...E eu é quem agradeço pela leitura...

      abração

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  2. Belíssimo texto!Ao ler "pauliceia desvairada'', percebo que Mário de Andrade despejou em seus versos um grito incrustado em seu peito verdadeiramente paulistano.Seu livro é uma ode paradoxal à São Paulo "arlequinal". Sofre pela frieza e superficialidade de sua dinâmica, justamente por amá-la, por admirar o sublime de seu universo minoritário, constituído pelo intercâmbio cultural das ruas, pelo italianinho anarquista enamorado da portuguesa que passa apressadamente sobre a calçada, pela vendinha do libanês no centro...
    Essa São Paulo, como muito bem colocado acima, persiste, resiste, mas com uma roupagem, evidentemente, contemporânea. Quando penso em mim como paulistana,me imagino como personagem dessa história remanescente. O burguês de Andrade, atual playboy, esmaga essa essência, ironicamente, por meio de seu desapego com a vida. A São Paulo de maioria nada mais é do que um vício permanente, desapercebido por inúmeras décadas.É uma não- São Paulo constante. Mas as verdades são sempre indesejáveis .Desmascarar São Paulo é um ato de coragem, que poucos estão dispostos a fazer.Afinal,é muito mais fácil se exilar em um enclave fortificado, baixar a nova música da Lady Gaga no Ipod, importar um moletom abercrombie, ir para uma balada da Vila Olímpia e denominar-se paulistano

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    1. Pois é, Anônimo, São Paulo é enigmática e misteriosa, mas é menos com a cabeça e mais com o coração que podemos encontra-la...

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  3. Belo texto hugo!
    é a primeira vez que comento aqui, achei o blog via google há algumas semanas e é algo diferente do que eu costumava ler; tem muita potência e paixão nas suas palavras isso sem perder a coerência e honestidade intelectual.
    abraço! voltarei a bater aqui na sua porta.

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    1. Obrigado, Ray, nem precisa bater, porque a porta já está aberta!:-)

      abração

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