quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Ano VI: No Meio do Caminho da Democracia havia um Fusca.

O ano de 2014 começou na velocidade da luz. Para quem apostou no fim, ou no enfraquecimento, das manifestações a potência do protesto contra a realização da Copa do Mundo surpreendeu. Antes, o fenômeno dos rolezinhos impôs uma dura derrota ao elitismo e ao racismo tradicionais. Neste post, que marca o aniversário de cinco anos d'O Descurvo e a entrada no Ano VI, a nossa hipótese para essa tremenda esfinge é a seguinte: não se trata de um processo explicável pela análise de correlação de forças políticas, do equilíbrio macroeconômico ou algo do tipo, mas sim de algo que decorre de uma nova composição social, de uma nova forma de sociabilidade e, até, de pensamento para além da vida em "sociedade". 

Parece simples, mas não é. O avanço do capitalismo cognitivo, o trabalho imaterial, a globalização, a internet etc trouxeram mudanças sim relevantes, mas o que interessa aqui é que graças a uma nova perspectiva antropológica tudo isso tomou um significado novo. E quando falamos em homem, com efeito, é de desejo que estamos falando: o que há de relevante nas mudanças brasileiras dos últimos anos, não é que tudo mudou pelo motivo de que reformas socioeconômicas mudaram objetivamente as coisas, mas que aquilo que há de relevante nessas transformações foi uma intensa liberação do desejo.

Trocando em miúdos, as gentes mestiças e pobres, as minorias oprimidas no sistema brasileiro, sentiram-se autorizadas a desejar. Numa sociedade marcada por um esquema rígido de exclusão e opressão, isso mudou tudo. É, numa simplificação grosseira, uma nova sociedade brasileira, marcada por novas tensões e, consequentemente, um novo equilíbrio. É preciso aceitar que um novo mundo já está aí, e que no Brasil, mais ainda.  

Enquanto os velhos atores políticos conservadores procuram criar, do caos, a saída para seu beco sem saída, a esquerda partidária aproveita mais porque se reporta, e quer se reportar, a um mundo que não existe mais -- um mundo no qual o partido, o sindicato, o jornal geravam tendências.

Nunca antes na história [recente] desse país houve tanto movimento para gerar transformações. Mas ao mesmo tempo, a resposta que nós temos é a retranca política. A realização da Copa do Mundo, que será ainda objeto de muita discussão e quetais, é simples: exige envergadura política do governo. Não adianta surfar em uma onda de repressão e escândalo público. A Copa exige geração de direitos. A juventude precisa olhar para o horizonte e poder sonhar com mais do que uma vida média. 

Da parte da esquerda, é necessário independência, prudência e a fuga constante do fascismo. Não como ameaça externa, mas como o próprio risco de nos tornamos algo menos do que vampiros. E não apenas o fascismo sujeito histórico, mas o conceito de fascismo. A vontade de resolver o que não se compreende pela violência, a atração fatal pelo poder. A diferença entre o autoritário e o democrata será sempre a postura adotada face aos questionamentos políticos, num primeiro momento, incompreensíveis. É isso. 

P.S.: Sem mais essa história essa de fusca queimado por manifestantes.  Não foi nada disso que aconteceu. A violência que importa, aqui e agora, é a violência de Estado (a menos que você concorde com coisas como isso ou isso).

P.S. 2: Se Dilma se reuniu ou se reunirá com sua equipe para discutir a Copa, eu não sei. Mas ela que se toque do que está acontecendo. Fazer política não dói, ou não deveria -- como o Mais Médicos poderia ter ensinado.





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