Dugin, simpaticíssimo, na Ossétia em 2008: Guerra Russo-georgiana |
A atual crise russo-ucraniana trouxe uma novidade para o meio intelectual: de repente, a figura do pensador russo, e conselheiro de Putin, Aleksandr Dugin (pronuncia-se "Duguin") e seu neoeurasianismo (isso mesmo: novo + Europa + Ásia) ganharam uma curiosa notoriedade. Dugin, anti-liberal, místico e barbudo parece ter se tornado o norte ideológico do claudicante regime russo, que de um neoliberalismo radical com Yeltsin ganhou mais e mais características nacionalistas e populistas com Putin -- sobretudo após os protestos massivos dos fins de 2011, quando o presidente russo viu seu nome, já em baixa, ser colocado em xeque depois de uma possível fraude eleitoral, com vistas a favorecer seu partido, nas eleições parlamentares.
Quando eu ouvi falar em Dugin, sua retórica pop e suas referências intelectuais -- uma verdadeira mistureba que vai do misticismo aos pensadores da nova direita francesa e os pensadores nazistas (sim, os nazistas!) --, o nome do nosso Olavo de Carvalho me veio à mente -- não que Olavo seja fascista, mas pelo sua maneira, digamos, exótica de misturar ideias (no caso, astrologia e ultraliberalismo genérico) e retórica para defender uma posição reacionária qualquer. O Pior de tudo é que Dugin, que fez um longo tour pelo Brasil em 2013, com direito a palestras na USP e em outras universidades, debateu com Olavo em 2011 (!!!); por trás do debate e das visitas, uma galera ligada à "nova direita cultural" no Brasil.
Desde a revolução de outubro, e apesar do Stalinismo, do Revisionismo e do Neoliberalismo pós-soviético, costumamos associar a Rússia à esquerda -- ainda mais porque as geopolíticas de esquerda do governo Lula e da América Latina encontraram em Putin um (acidental?) aliado. Por outro lado, a direita brasileira sempre esteve associada aos Estados Unidos. Daí o fato de Olavo não ter curtido Dugin -- e, em sentido inverso, a razão (ou falta dela) que levou a política de Putin para a Ucrânia ter sido aplaudida pela esquerda progressista brasileira (que em seus blogs chegaram a dar eco a Dugin).
É claro, o que se pode dizer de uma genuína esquerda russa, soterrada no mar de ultrapatriotismo dos últimos tempos, certamente não deve estar feliz com tal "engano". E parte da esquerda brasileira, pelo menos aquela que não foi sequestrada pelos delírios do Brasil Maior, tampouco. O próprio discurso triunfante de Putin em relação à incorporação da Crimeia acusa o golpe da influência duginiana: foi a principal fala política contrária aos levantes globais que se tem noticia, o que coloca tão ou mais à direita que Obama, que colocou no mesmo patamar, malandramente, o Tea Party e o Occupy Wall Street.
É claro, o que se pode dizer de uma genuína esquerda russa, soterrada no mar de ultrapatriotismo dos últimos tempos, certamente não deve estar feliz com tal "engano". E parte da esquerda brasileira, pelo menos aquela que não foi sequestrada pelos delírios do Brasil Maior, tampouco. O próprio discurso triunfante de Putin em relação à incorporação da Crimeia acusa o golpe da influência duginiana: foi a principal fala política contrária aos levantes globais que se tem noticia, o que coloca tão ou mais à direita que Obama, que colocou no mesmo patamar, malandramente, o Tea Party e o Occupy Wall Street.
Dugin, que já esteve próximo de um certo saudosismo soviético, depois dos Nacional-Bolsheviks -- a versão "nacionalista" dos velhos bolsheviks -- até conseguir finalmente o posto de conselheiro real -- coisa que não são poucos "intelectuais", mesmo de esquerda, que desejam. É claro, Dugin tem mais consistência que os Olavos e quetais, mas só o fato dele ter debatido com O.C. em pessoa, já indica todo o rigor do seu pensamento ou de seus apoiadores internacionais.
E seu neoeurasianismo é só uma teoria que serve bem a Putin e aos seus hoje na disputa entre os velhos blocos de poder nacionais. A teoria em questão, aliás, é sobretudo uma forma de destruir a União Europeia, o que construiria uma inevitável proeminência do Estado russo -- e talvez aí se explique a aliança de Putin com a extrema-direita francesa e, também, porque Washington esteja reticentes em confrontar abertamente Moscou na questão ucraniana, justamente por ver nisso um meio de enfraquecer Bruxelas.
Enfim, isso é só um relato sobre como um mundo parece fazer cada vez menos sentido -- ou como velho poder, de olho no comando ou em formas de agenciamento com a "economia global", parece cada vez mais tributário de literatura barata (do mesmo modo que Reinaldo Azevedo influencia políticos tucanos). Se há poucos dias, o mestre Bruno Cava trouxe em seu blog um magnífico debate sobre a atualidade de Lenin, me parece que pelo menos um novo Rasputin já temos. Só para lembrar Cava, precisamos de uma *segunda via* para essa coisa que aí está -- e eu digo ao som das Pussy Riot, de preferência, por mais que elas sejam cândidas com Obama. Eis o estado da Arte, e a arte do Estado, deste grande pornô nonsense que é o Global.
E seu neoeurasianismo é só uma teoria que serve bem a Putin e aos seus hoje na disputa entre os velhos blocos de poder nacionais. A teoria em questão, aliás, é sobretudo uma forma de destruir a União Europeia, o que construiria uma inevitável proeminência do Estado russo -- e talvez aí se explique a aliança de Putin com a extrema-direita francesa e, também, porque Washington esteja reticentes em confrontar abertamente Moscou na questão ucraniana, justamente por ver nisso um meio de enfraquecer Bruxelas.
Enfim, isso é só um relato sobre como um mundo parece fazer cada vez menos sentido -- ou como velho poder, de olho no comando ou em formas de agenciamento com a "economia global", parece cada vez mais tributário de literatura barata (do mesmo modo que Reinaldo Azevedo influencia políticos tucanos). Se há poucos dias, o mestre Bruno Cava trouxe em seu blog um magnífico debate sobre a atualidade de Lenin, me parece que pelo menos um novo Rasputin já temos. Só para lembrar Cava, precisamos de uma *segunda via* para essa coisa que aí está -- e eu digo ao som das Pussy Riot, de preferência, por mais que elas sejam cândidas com Obama. Eis o estado da Arte, e a arte do Estado, deste grande pornô nonsense que é o Global.
Atualização de 04/05/2014 às 02:03: Bruno respondeu com um post de fôlego que dialoga com este e os dois posts anteriores sobre a temática russo-ucraniana.
Em parte por causa da propaganda stalinista, é mais fácil imaginar Marx atrás de Stalin do que Marx mandando carta a Lincoln (que aconteceu de fato).
ResponderExcluirEntre os acertos da nossa esquerda, o questionamento quanto aos acordos internacionais dos EUA (proibição de usinas nucleares no Irã, etc) com destaque aos acordos que eles mesmos não cumprem ou se contradizem (como proibição de armas de bombas com fragmentos).
Entre os erros, não buscar entender mais a fundo a política estadunidense, aliás, tampouco a política russa.
Exato, Celinho: justamente por isso, difiicilmente um direitista russo reivindica propriamente Marx, muito embora boa parte deles reivindique Stalin. E ligar Marx a Stalin só aconteça quando se quer tirar a potência do primeiro em favor do segundo -- ou desmoraliza-lo, pura e simplesmente. Quanto ao outro ponto, é natural que assumamos, em um primeiro momento, mais a crítica à Casa Branca do que o Kremlin -- e a recíproca é verdadeira quando se trata de Ucrânia --, mas é preciso sair do casulo lá e cá e rejeita ambos os imperialismos.
Excluirabraço
interessante texto, mas não seria neoeurasianismo?
ResponderExcluirneoeuranianismo parece novo + europa + nanismo :P
Você comete o gravíssimo erro de subestimar Olavo de Carvalho. Aliás, ele foi muito bem-sucedido em fazer com que o público geral acreditasse que ele nada mais é do que o velhinho que fala palavrão e faz graça para criticar a esquerda e o relativismo moral no youtube.
ResponderExcluirAs obras do Olavo têm muito fôlego e qualquer um que tenha lido o debate que o Dugin travou com ele é capaz de perceber que o brasileiro é infinitamente mais consistente que o russo. Se nós continuarmos a ignorá-lo, chegará o momento em que o Olavo terá no Brasil a importância que o Dugin tem na Rússia e aí será muito tarde.
Acho que Olavo tem lá seu público cativo na internet, mas é pouco para conseguir ser conselheiro real de quem quer que seja. Ele não tem respaldo na academia, na mídia ainda se publica alguma coisa dele aqui ou ali, mas é pouco. Não é bom subestimar, mas também ele não pode ser tratado com a distinção que imagina que merece, esteja com o poder que estiver.
ExcluirLi recentemente o debate entre Dugin e Olavo. São dois doidos varridos.
ResponderExcluirO projeto eurasianista de Dugin, ou a "quarta via", propõe destilar o que há de mais conservador no esquerdismo e no fascismo de modo a usar a mistura como veneno para matar yankee. A visão dele alegadamente multi-polar e anti universalista em nada faz sentido com a sua alucinação geopolítica e derivadamente com a única alternativa sociológica possível de erradicar o ocidente: sociedade militarista e hierarquizada, e ataque a tudo que fuja desta regra em nome do combate ao universalismo liberal. Sinceramente, se essa geopolítica estúpida é a única forma de engajamento, se for necessário estar integralmente de um lado para riscar do mapa o outro, eu me faço amigo do Tio Sam na hora. A toda carga e a matar asiáticos.
Eu não diria que eu estaria "a toda carga e a matar asiáticos", mas, sim, o que Dugin propõe é pior do que o modelo liberal americano. É um delírio paranoico altamente perigoso. Olavo, por sua vez, é uma caricatura e talvez gostasse de ser o que Dugin é na Rússia, só acho difícil ele encontrar alguém que o leve a sério.
Excluirsou o cão
ResponderExcluir"As obras do Olavo têm muito fôlego e qualquer um que tenha lido o debate que o Dugin travou com ele é capaz de perceber que o brasileiro é infinitamente mais consistente que o russo. "
ResponderExcluirGzuz... Olavo apanhou feio. Dugin se arrependeu de aceitar um debate com ele - esperava um intelectual e encontrou um histérico.
Também acho. Mas isso não muda o fato de que Dugin está na mesma sintonia de espaços que OO e isso, por si só, faz com que a situação de Putin parece até mais divertida.
Excluirabraços
Cheguei aqui por um comentário de facebook. Não acredito que um blog de esquerda se preste a isso. Queira vc ou não, atacar a Rússia é fazer o jogo do imperialismo americano. E não dá pra equiparar ao imperialismo russo. Quantos países a Rússia invadiu, bombardeou e impôs sanções unilateralmente? Só se vc concorda com o Olavão, que os inúmeros golpes financiados pelos EUA na nossa América Latina (Nicarágua, Guatemala, El Salvador e as ditaduras militares do cone sul) foram em resposta a ações da KGB! Não há equivalência, seja moral, seja fática. Obviamente que não concordo com Dugin e o conservadorismo ortodoxo russo, pois sou de esquerda. Não sou nem stalinista ou marxista-leninista ortodoxo. Até porque nos espaços em que eu convivo só existe esquerda liberal (alguns classistas, felizmente) e direita. Apoio os primeiros e até participo de um grupo de extensão feminista e debato direitos LGBT. Felizmente, se focam nos seus interesses (transexualidade, feminismo, privatizações, espaço acadêmico, descriminalização das drogas) e não se metem a falar de política internacional. A não ser, é claro, a solidariedade com a Palestina e um pouco de latino-americanismo. Mas mesmo não concordando com muitas das ideias dos novorussos, apoio sua luta integralmente, pois são um dos poucos povos que ousam pegar em armas contra o globalismo neoliberal estadunidense. Dizer que "a política de Putin para a Ucrânia ter sido aplaudida pela esquerda progressista brasileira" chega a ser desonesto. A esquerda brasileira (liberal, 99% dela é, pois não é só a direita brasileira que é influenciada pelo Tio Sam, a nossa esquerda liberal bebe na academia estadunidense), no geral, tem sido de um silêncio criminoso sobre o genocídio praticado por Poroshenko e seus mercenários e financiado pelos EUA (USAID) contra a população do leste do país, que contrasta com o grande barulho pela causa palestina (também justíssima).
ResponderExcluirTirso, A Rússia atual é um regime de direita que, inclusive, arregimenta gente de extrema-esquerda para combater contra a Ucrânia. Esse conflito é um estúpido confronto entre oligarquias, as quais tentaram, ambas, suprimir um levante que apesar de sua ingenuidade, não era de extrema-direita, aliás, sequer era neoliberal. Defender qualquer um dos lados é o mesmo que apoiar qualquer uma das potências imperialistas na Primeira Guerra Mundial. E Dugin, bem, leia a obra dele ou pesquise sobre suas intervenções públicas -- como a da foto.
Excluirabraços