terça-feira, 17 de junho de 2014

O Neoliberalismo é um Boneco de Papel

É uma paráfrase válida, no nosso contexto atual, para a famosa frase do filósofo, revolucionário e político chinês Mao Tsé Tung : "o imperialismo [norte-americano] é um tigre de papel" -- e Mao pode ser acusado de muitas coisas, menos de ter sido um sujeito pouco perspicaz. Ele sabia muito bem que a força do imperialismo era, sobretudo, ficcional e simbólica, mas também que mesmo uma mentirinha (desde que devidamente contada) é capaz de produzir efeitos bem reais. E o neoliberalismo brasileiro, ora personificado no PSDB, é bem isso: igualzinho aos moldes de papelão de seu candidato à presidência, Aécio Neves, feitos para aparecerem em fotos de correligionários menos nobres; um grande boneco de papel animado pela pirotecnia dos bruxos do marketing, o apoio da mídia, a presença de militância paga ou qualquer outra coisa que lhe faça aparentar ter alguma representatividade junto à "sociedade civil". 

De onde tira forças para disputar a presidência, há mais de vinte anos, um partido que não é querido sequer por 10% da população brasileira? Ou mesmo, um partido que não tem sequer um único deputado negro em um país como o Brasil? Naturalmente, nada que não possa ser pago. Para a elite do capitalismo rentista global situada, ou interessada, no Brasil, nada mais cômodo: o PSDB é um partido que sem dinheiro não é nada e, graças a isso, lhe é plenamente fiel. Mas faltar gente não é, em verdade, um problema para tucanos, ao contrário, é solução: resolve-se tudo pelo alto, sem tanto atrito ou "reunionismo".

A economia vai mal? Ora, o problema há de estar no salário mínimo que, afinal de contas, "cresceu muito" -- como afirma o principal consultor econômico de Aécio, o derradeiro presidente do Banco Central de FHC, Armínio Fraga. Nada como resolver eventuais problemas repassando, vejamos só, o ônus para os trabalhadores. Inexplicável é, no entanto, como o próprio capitalismo brasileiro efetuaria o valor, uma vez que a crise mundial corrói potenciais mercados importadores. "Austeridade", como nos ensina a Europa atual, é sempre em relação aos pobres e trabalhadores, uma vez que é a forma mais bem acabada da sujeição voluntária. E se esse arrocho, por um acaso, levar a quadros de aumento da criminalidade ou revoltas, poderíamos espalhar as UPP's pelo Brasil todo ou simplesmente rebaixar a maioridade penal -- e assim matamos e prendemos todos os que restam. E na dúvida, se censura a imprensa.

Mais e mais coisas poderiam ser ditas, mas é preciso pensar como chegamos aqui. Curiosamente, o PSDB volta à carga, com um discurso menos autocrítico ainda em relação aos anos 90, simplesmente porque o PT, em vez de pensar a partir dos conflitos existentes na sociedade, tem pensado e agido a partir de um ideal e uma meta: haveria um só povo brasileiro, que pode ser organizado pelo Estado-demiurgo por meio de uma política intervencionista na economia, conservadora nos direitos civis e policlassista. O fato é que não há o Povo, há povos brasileiros -- e talvez Dilma tenha percebido isso de uma maneira tardia e triste, quando foi vaiada pelos ricos e famosos que estavam dentro do Itaquerão na abertura da Copa; ironia maior de não ter feito uma festa acessível ao brasileiro comum é, ironicamente, ter sido agredida pelos que lá estavam -- enquanto movimentos sociais foram agredidos, do lado de fora, pelo aparato de segurança da Copa.

O próprio mito da construção de um país de "classe média", em vez de um país de cidadãos, já dá margem ao mesmo: estamos presos ao mundo do economicismo, longe da política e dos direitos. Daí não espantam repressões localizadas, suspensões de direitos e quetais. E é da debilidade de uma esquerda em enfrentar os nós górdios de uma sociedade que avança uma direita. Aécio 2014, pois, é consequência. Se eleito, a culpa encontrará um lugar e, em nome, do bem maior precisaremos apertar os cintos. Os desconfortos, quem sabe, ficariam por conta de governos anteriores "irresponsáveis". 

Essa engenharia austera, a princípio, poderia dar certo favorecendo ricos às custas de pobres, mas é possível que mesmo do ponto de vista do capitalismo esse tiro saísse pela culatra com o desaquecimento do mercado interno, do consumo das famílias e do Estado: mas será que "remédios amargos" no capitalismo em vez de se referirem à saídas duras para mais ganhos econômicos se tratam, na verdade, da manutenção de estatutos sociais em seus lugares desiguais, onde um manda e o outro obedece? E como isso poderia funcionar, como funciona, por exemplo, hoje na Europa sob a ditadura da Troika?

As chances desse vazio político enorme, tão unidimensional e frágil quando sua existência na forma de recortes de papelão, dar certo depende do quão média, pequeno-burguesa e acomodada se tornou nossa sociedade nesses últimos anos. E dar certo aqui é mais do que perguntar o quanto isso pode ser eleitoralmente viável, mas sim politicamente possível -- coisa que Collor ou Piñera no Chile não conseguiram ser, apesar de eleitoralmente vitoriosos, ao contrário de Menem ou Fujimori na Argentina e Peru. 

A chave para entender isso é a reflexão sobre o homem novo pretendido por Dilma, o homem médio, que não é a comportada e semi-feliz engrenagem de uma democracia automática, mas um neurótico destrutivo capaz de aderir à banalidade do mal -- e, nesse processo, ele pode, ironicamente, levar a própria presidenta, seu aparato e até as conquistas dos últimos anos (inclusive as suas) juntos. Nunca é tarde para mudar de rumo, alguns acenos como o Mais Médicos, bem ou mal o Marco Civil da Internet e o Plano Nacional de Participação Social até são positivos, mas se esse projeto se tornou sujeito, teremos, contraditoriamente, um problema.




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