domingo, 10 de maio de 2009

Educação Pública

Nos últimos anos, o debate público brasileiro está cada vez mais restrito às questões que envolvem a macroeconomia e aos grandes movimentos no tabuleiro de xadrez político. Da direita à esquerda, passa-se horas debatendo como será a sucessão presidencial ou especulando como a Crise Mundial afetará nossas vidas. Não que isso não seja importante, é sim, mas nós acabamos esquecendo do elementar, do cotidiano, enfim, do que é materialização de todo esse "macro" em nossas vidas. Curiosamente, pouco debatemos qual o motivo disso não estar sendo debatido.

Confesso que quando o Azenha resolveu usar um espaço permanente de seu blog para debater questões de saúde pública, eu mesmo estranhei, mas faz todo sentido. Não debatemos isso. Não debatemos saúde pública. Somos um país cujo PIB per capta é, por exemplo, 2,28 vezes maior do que o de Cuba, no entanto, vivemos quase seis anos menos do que os cubanos. Será que não há algo errado nisso?

A situação de nossa Educação Pública, a qual eu vou me deter mais precisamente nesse post, é inegavelmente problemática, mas não é um problema que pareça estar sendo devidamente pensado ou discutido nos meios supostamente pensantes de nossa sociedade. Mesmo aqui, admito, só vim aborda-lo agora, quando já me aproximo de quase cem posts. O único lugar na blogosfera que me recordo de ter visto essa questão ser tratada de maneira permanente foi o portal de leitores do Nassif. Eles tem lá até um tópico permanente sobre o assunto.

Peguemos um fato recente: As notas no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). Para quem não o conhece, o ENEM é uma prova bastante simples, composta por uma redação e por uma parte de questões objetivas que consiste, basicamente, em interpretação textual. Quais os resultados? São Paulo, estado mais rico da Federação, conseguiu ficar com 50,5 de nota média; o estado do Rio de Janeiro e o de Minas Gerais ficaram com exatos 50,46; Santa Catarina com 50,56, Distrito Federal com 52,67 e Rio Grande do Sul com 52,25 pontearam a tabela. O que isso significa? Que os adolecentes - e em alguns casos, adultos - concluintes do ensino médio saem da escola sabendo ler e escrever "pela metade". Simples assim.

A que se deveria isso, afinal? Pelo menos na realidade paulistana que eu conheço bem, creio que o buraco da educação, para além do resultado em um teste, é bem, mas bem mais embaixo mesmo. Em primeiro lugar, o que assistimos é uma implosão da estrutura administrativa aliada a falta de projeto substancial para a escola pública. Isso remonta à Ditadura, quando a necessidade de montar um ensino tecnicista que servisse aos interesses de crescimento pau na máquina do regime se aliou com a necessidade de impedir qualquer tipo de educação crítica para os estudantes. Mas veio a democracia e as coisas continuaram piorando - e isso já tem mais de vinte anos.

Aqui, no estado bandeirante, o que temos assistido é um espetáculo deprimente de achatamento salarial da classe magisterial e a quase inviabilização do exercício da profissão, pelo menos nas escolas públicas comuns onde estudam a ampla maioria das crianças e dos adolescentes. Por outro lado, há uma burocratização da administração da Escola. Professores e diretores têm cada vez menos autonomia curricular e gerencial, tornando-se uma mera peça numa engrenagem controlada pela burocracia das superintendências de ensino e da Secretária de Educação, onde burocratas bem pagos - e, não raro, indicados politicamente - dão, sovieticamente, as ordens.

Mas, como eu disse, o buraco é mais embaixo. Entra aí a questão social. Até os anos 90, a classe baixa de São Paulo tinha, bem ou mal, seu empreguinho no chão de fábrica e algum salário. De lá pra cá, a abertura e incorporação tecnológica feita de forma alheia ao trabalhador criaram um fenômeno curioso de desagregação familiar, alcoolismo, tráfico, violência massificada, gravidez na adolescência e favelização.

A conjunção da falência da estrutura familiar com a falência administrativa da escola levou ao descalabro. Era impossível que apenas a segunda questão levasse ao degringolar da Escola Pública. Impossível. No entanto, onde está a classe média progressista numa hora dessas? Pagando rios de dinheiro em escolas privadas e...quieta, silenciosa, calada. Consciente ou inconscientemente a classe média progressista calou. Num mundo cão como esse, pagar escola privada para o filho significa dar-lhe vantagens competitivas. Eis aqui, o velho patrimonialismo brasileiro falando mais alto do que Marx e do que os diplomas de Ciências Sociais e de Direito.

Se a política do PSDB para a Educação Pública do estado é um fracasso, o que o PT estaria propondo pelo seu lado? Nada. Claro, o Partido dos Trabalhadores no estado está rachado em pelo menos cinco partes discutindo a sucessão presidencial e, provavelmente, a do governo estadual. Quem tem tempo para discutir Educação Pública enquanto está se articulando politicamente, não é mesmo?

Eu, cá no meu humilde cantinho, penso que a Educação Pública não pode ser mais pensada hoje apenas pela perspectiva da Escola. Ela deve extravasa-la, a Escola deve ser reconstruída para ser um núcleo articulador de interpretação das informações, não mais o seu núcleo de criação, o que se materializa impossível nos dias atuais. Em suma, se vivemos em um país onde mais de 90% dos lares tem televisão por que não usamos esse elemento de uma maneira inteligente como indagou o Professor Ladislau Dowbor? E a inclusão digital? Por que o Governo não trabalha mais duramente no sentido de baixar impostos de produtos de informática?

Ademais, é preciso ter em vista a importância da Escola mais do que como o mero lugar onde as crianças vão aprender noções técnicas elementares como também o lugar onde elas são iniciadas às práticas de cidadania e ao pensamento político. Educar é, sobretudo, conduzir, portanto, conduzamos as nossas crianças para a Democracia, não mais para o abismo.

5 comentários:

  1. Exelente artigo, Hugo! E muito oportuno.

    Faz tempo que penso em escrever um post sobre educação, mas por fazer parte do sistema tenho certo receio em ser pessoal demais. Como estou comentando um post que não fui eu que escrevi fico mais a vontade para ser pessoal e para receber críticas dos leitores d'O Descurvo também.

    Concordo que o desempenho dos alunos nas provas do ENEM são satisfatórios. Acho que todo mundo concordo com isso. E ainda há um agravante aí. Por ser uma prova facultativa somente os alunos que desejam seguir para a faculdade e se acham preparados optam por faze-la. Ou seja, o resultado é ruim, mas o pior é que ele retrata o desempenho dos melhores alunos do Ensino Médio.

    Existem muitas causas para isso e eu não seria a pessoas mais indicada para apontar todas elas, menos ainda propor as soluções, mas vamos a algumas delas:

    1) O único interesse que a parcela mais informada e influente da sociedade nutre pela educação pública é em relação a formação de mão de obra qualificada. Quando muito, há também a preocupação com a segurança pois a escola seria uma porta de saída para a marginalidade, por tirar as crianças das ruas.

    2)Essa falta de interesse pela sociedade desobriga o poder público de investir mais no sistema, visto que mais gastos com educação pública não resultaram em mais votos para o partido do governo.

    3)Imprensa amiga. Este é um grande problema e expõe a fragilidade da democracia brasileira. Para não expor seus candidatos ou os partidos com os quais mantém estreitas relações, a imprensa não toca nas causas principais da falência da educação pública, preferindo atacar os bodes expiatórios de sempre, no caso o professor e as universidades que formam esse professor e uma suposta ideologia esquerdista como as causas do mal desempenho dos alunos. Em São Paulo, por exemplo, apesar do PSDB ser governo há 17 anos sem melhorar a qualidade do ensino público no estado, muito pelo contrário, nem os governadores do partido que passaram pela administração do estado, nem suas políticas educacionais fracassadas, são apontados pela imprensa como causa do péssimo ensino oferecido pelo estado. Há um silêncio total por parte da imprensa quanto a ineficiência dessas políticas.

    4)Entre essas políticas estão:

    a) A Progressão Continuada que na verdade é uma excelente idéia e representaria um ganho muito grande na qualidade do ensino prestado a população, mas para funcionar precisaria de uma série de investimentos que o estado não está disposto a fazer. Em seu lugar adota-se a Promoção automática, que oficialmente não existe, mas é praticada compulsoriamente em toda rede de ensino público de estado. Não se recupera o aluno com desempenho fraco, pois sairia muito caro, então passa-se ele de ano. Uma das promessas do Serra durante a campanha era acabar com a Promoção Automática, mas até agora tudo continua como está. Entra outro problema aí. Como estimular alguns alunos a se aplicaram melhor nos estudos, já que ele vai passar de qualquer jeito, estudando ou não?
    Alguns professores aceitam a idéia de acabar com as reprovações, mas seria preciso criar outros critérios de avaliação. Enquanto vigorar o sistema de notas, que no final não representam nada para o aluno, pois seja ele nota 10 ou nota 01, chegará ao último ano do Ensino Médio da mesma forma. Cito a frase de um professor justificando o descaso de alguns alunos pelo estudo: Eles não estudam porque não precisam. Simples assim.

    b) O excesso de horas-aulas que o professor precisa dar se quiser receber o salário integral e que atualmente está em 33 aulas por semana. Para um professor de Inglês, por exemplo, cujo número de aulas por sala é de duas por semana, isso significa que para completar a jornada semanal ele precisaria lecionar em 16 salas. Como a média do número de alunos por sala gira em torno de 45, ele teria então mais de 700 alunos. Como ele consegue acompanhar cada um deles? Simples, ele não consegue. Para complicar, dificilmente todas essas salas estarão na mesma escola e o professor precisará se deslocar para 2,3,4 ou até cinco escolas diferentes. Obs: O estado não paga vale transporte aos professores.

    c) Baixos salários, insuficientes para que o professor mantenha sua família com dignidade. Isso o força a procurar dar aulas em outras escolas, geralmente particulares, que por pagarem melhor tiram dele parte da atenção que ele dispensaria aos alunos da escola pública. Mais que isso, só com esse salário mesmo um professor solteiro teria dificuldade em manter uma vida cultural minimamente decente, o que inclui cinemas e teatros pelo menos duas vezes por Mês, assinar publicações que tratam da sua área específica e comprar livros. Investir na própria profissão seria quase impossível e quem consegue o faz para deixar o ensino público.

    5 Pouca gente se dá conta disso, mas a má qualidade do ensino público contamina o ensino privado. Hoje, colocar o filho em escolas particulares não é garantida de ensino melhor. Para não perder os alunos a maioria das escolas que atendem as classes médias média e média-baixa procuram facilitar as coisas para que o aluno vá bem, pois tem medo de perdê-lo para outra escola já que os pais estão mais atentos as notas de seus filhos que à qualidade do que aprendem.

    6)E pra terminar a minha lista, embora a lista dos problemas seja muito maior, a falta de recursos para que o professor exija mais do aluno. É muito difícil cobrar uma leitura, um trabalho com maior qualidade, fruto de uma pesquisa mais elaborada, mais agilidade na compreensão de conceitos, mais empenho. O estado acabou com a penalização do mal desempenho, que é a reprovação, e eu também acho difícil defender a reprovação, mas não colocou nada no lugar, menos ainda uma recompensa para o bom aluno. Estudar mais, dedicar-se mais, pra que? Isso não faz sentido para eles. Aqueles que têm pais comprometidos com a sua formação e que esperam tirar proveito dela no futuro até se dão bem na escola, mas poderiam se dar melhor se a escola conseguisse exigir mais dele. Os outros, que vem a escola como um fim em si mesma, não tem porque se empenharem mais.

    Para por aqui. Desculpe, Hugo, pelo tamanho do comentário, e olha que faltou tanta coisa...

    Forte abraço!

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  2. Obs:

    Desculpas também pelos erros de digitação. Escrevi com pressa e vejo que não foram poucos. Nossa mãe! O texto está horrível!

    Preciso corrigir pelo menos um dos primeiros: (...) Concordo que o desempenho dos alunos nas provas do ENEM são insatisfatórios.

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  3. Eduardo,

    Não desculpo não, na verdade, agradeço - tenho o dever de agradecer. Por essas e por outras é que eu não canso em repetir que a caixa de comentários é o lugar mais importante de um blog - é tudo questão de jogar a corda razoavelmente bem lá no post para que as coisas fluam.

    Sobre a questão da educação, por exemplo, o complemento é fundamental devido as nuances tão diversas e complexas pelas quais ela pode ser enxergada.

    Sobre as suas observações, assino embaixo de todas elas. A Progressão Continuada, por exemplo, é um fracasso mesmo e muitos pensadores da educação não querem enxergar isso.

    Outro ponto é a questão da contaminação da Escola Privada. Concordo plenamente. Sou cético quanto a prestação de serviços dessa natureza por empresas ou mesmo fundações e associações privadas.

    Conheço lugares no mundo onde existem boas escolas e ótimos hospitais privados, no entanto, em todos eles, o nível das escolas e hospitais públicos é, no minímo, razoável. Mais do que isso, simplesmente não existe lugar no mundo onde o público não funcione e o privado seja bom. Não existe.

    Essa é uma das armadilhas em que nossa classe média caiu. A outra é a expectativa esquizofrênica sobre a educação. As pessoas ainda têm, mesmo nos círculos mais esclarecidos, uma ideia de que a educação deva se centrar unicamente na formação técnica das pessoas e nada mais. Isso não é só no Brasil, mas já começa a se perceber pelo mundo o quanto isso é um fracasso.

    Por conta disso, nós, humanos, somos anões filosóficos e gigantes tecnológicos. Seres que constroem bombas atômicas, mas não curam - ou não querem curar - o câncer.

    Isso só para ficar no começo, claro.

    Abração ;-))

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  4. Muito interessante este tópico, Hugo

    Gostaria de dizer que realmente a Educação pública no nosso país - e não só a pública como também a privada - se encontra em péssimas condições em decorrência direta do descaso para com ela por parte do setor público e de diversos setores e esferas da sociedade civil.

    Creio que em termos QUANTITATIVOS houve uma grande melhora na área da educação, pois em diversas cidades e estados do Nordeste Brasileiro como a Bahia e o Ceará foram construidas mais de 100 escolas públicas nos últimos 4 anos que obviamente foi um dos fatores que levaram á um grande crescimento do PIB nestas regiões. Agora, em termos QUALITATIVOS continuamos a presenciar graves problemas como a falta de professores examinados e qualificados corretamente para o cargo, infraestrutura extremamente precária ( por exemplo goteiras em sala de aula, falta de banheiros,falta ou péssima qualidade dos alimentos ) , aulas de duvidosa qualidade como resultado do primeiro fator por mim exposto aqui...etc. Apesar disso tudo, digo que houve avanços em relação ao que havia sido feito antes. Claro que não posso dizer que foi/é o suficiente pois ainda somos um dos países com maior desigualdade social e de renda do mundo.

    Como você falou, não basta oferecer somente um ensino tecnizante e especializado para atender ás exigências do mercado de trabalho por exemplo, mas sim formar também um individuo crítico e autônomo. Um sujeito que tenha plena liberdade para manifestar suas capacidades e habilidades próprias para um tipo de trabalho que lhe seja agradável tanto no aspecto físico como no intelectual ou até mesmo DESENVOLVER uma forma de trabalho que possibilite o sustento de sua familia e o seu próprio bem estar.

    Temos um longo caminho pela frente. mas é seguindo a canção que continuaremos caminhando e cantando.

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  5. Victor,

    Ótima complementação, no post acabei me atendo à situação que me é local e acabei não o expandindo devidamente para questão nacional. Sim, de fato, no nordeste houve um avanço visível, diria que apesar de predominante quantitativo, também foi um pouco qualitativo - não tanto quanto deveria, mas foi. Digo isso por experiência própria, tenho tias que lecionam em Pernambuco e a situação educacional lá, apesar de passar longe do ideal, não se compara, por exemplo, ao que era nos anos 80 quando os salários eram muito mais baixos e as condições piores. Ainda assim, perto do quanto as coisas poderiam ter evoluído, foi muito pouco.

    Essa relação que você traçou entre crescimento econômico e educação é perfeita. Boa parte dos setores de direita aponta o crescimento econômico nordestino nos últimos anos como se isso fosse fruto de esmolas que sustentam os miseráveis da região, mas se esquecem que sem um avanço mínimo gerencial e de conteúdo da educação não seria possível isso acontecer.

    Sempre que eu coloco essa questão da técnica e do pensamento, me ocorre Heidegger como se ele me sussurra-se "é o mundo da técnica tolhendo o mundo do pensamento". Essa dialética entre técnica e o pensamento é particularmente fascinante; eu me ponho do lado daqueles que acreditam ser por meio do equilíbrio do ensino de ambos - nas várias fases do processo educacional - que encontraremos o melhor caminho, do contrário, com a sobreposição da primeira sobre o segundo, caímos naquilo que o Professor Fábio Konder Comparato chama de déficit ético, em suma, o Homem que contrói armas biológicas, mas que não consegue curar a AIDS.

    Infelizmente, o que vemos, dentro da própria comunidade puquiana, é a escalada dessa tecnificação das relações educacionais se coadunando com a desumanização das relações pessoais. Em maior ou em menor grau isso está acontecendo em todos os lugares do mundo atual, mas nós temos que nos levantar e assumirmos aquele que é o dever histórico da esquerda: Ao constatar uma situação limite,temos a obrigação de responder a velha, inquietante e central questão central: Que fazer? Que fazer? É para isso que existimos, sejamos social-democratas, socialistas, comunistas ou anarquistas.

    abração e apareça sempre!

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