domingo, 3 de maio de 2009

A Marcha da Maconha


(Foto retirada de O Globo)

ou pelo menos é desse jeito que está sendo chamada essa passeata programada para várias capitais do país em favor do direito ao uso da maconha. A questão das drogas em geral - e mesmo mais especificamente da maconha - é muito polêmica. Se você o traz à baila, surgem divergências mesmo em um grupo majoritariamente de direita ou em outro, de esquerda.

O debate mais recorrente sobre essa questão é aquele que envolve "meu direito de fazer o que quiser na minha vida privada X os riscos que o uso de drogas proporcionam para o indivíduo e para a 'sociedade'". Outro ponto que não poderia deixar de citar, é a própria proibição da realização da marcha como aconteceu em São Paulo e Rio de Janeiro. Surge a questão de até onde vai o direito do cidadão expressar seu descontentamento com o direito positivo vigente e onde começa a apologia ao crime.

Começo pelo segundo ponto. Juridicamente falando, temos aqui o fato de que a Constituição Federal de 1988 consagra claramente o direito de livre expressão (art. 5º, IV), não servindo, neste caso, a sua vedação à associação para fins ilícitos (art. 5º, XVII) na medida em que as pessoas, teoricamente, não estariam se reunindo para fumar maconha, mas sim para mostrar seu descontentamento com a legislação vigente e exigir que ela contemple seus anseios enquanto cidadãos, o que se concilia com o espírito democrático de nossa Lei Maior.

No entanto, caímos novamente na questão dos diplomas legais pré-constitucionais, neste caso, o Código Penal, essa jóia rara que o Estado Novo nos legou, que dispõe em seu art. 287 sobre a apologia ao crime, um tipo penal que resulta em detenção para quem fizer um mero discurso em favor de algo que seja considerado como crime (ou em favor de alguém que tenha sido considerado como criminoso), ou seja, algo que precisa ser reinterpretado à luz da nossa atual Lei Maior sob o risco de implicar em cerceamento à liberdade de expressão, o que iria em sentido contrário aos seus dispositivos sobre liberdades e garantias individuais. Só que nisso daí há um detalhe, a apologia que o referido tipo penal se refere é ao crime, não à contravenção penal, o que esvazia o mui pertinente debate que eu levantei na oração anterior, explico-me: Crime é o que a Lei proíbe e que resulta em penas de detenção ou reclusão devido sua natureza que implica, teoricamente, em uma agressão aos princípios mínimos éticos que estruturam a 'sociedade', já a contravenção penal é o que a Lei proíbe e se materializa como mera perturbação, resultando em penas de, no máximo, prisão simples.

Pois é, meus caros, pela Lei 11.343/06 ("Lei de Tráfico") em seu artigo 28, encontramos que adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trazer droga consigo para uso pessoal será sancionado com advertência sobre os efeitos das drogas (art. 28, I), prestação de serviços à comunidade (art. 28,II) ou medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo (art. 28, III). Logo, o consumo pessoal de droga, seja ela qual for, é contravenção penal, não mais crime, portanto, o caso concreto da "marcha da maconha" não se encaixaria ao tipo penal presente no art. 287 do CP mesmo que defendesse a defesa do uso dela independentemente do Direito Positivo - ainda que esse tipo penal deva ser reinterpretado ou repensado à luz da Constituição vigente, não é sequer o caso aqui. Ademais, reitero: Não temos cidadãos defendendo um ato sequer de desobediência civil, mas sim defendendo que a legislação contemple esse anseio, o que é sim direito constitucional.

Em suma, a marcha não poderia ter sido proibida nem ao menos fazendo uso do direito positivo vigente. Mesmo que fosse possível fazer uso dele nesse sentido, como por exemplo no caso do consumo de drogas ser ainda considerado crime, o instituto da desobediência civil existe desde tempos remotos justamente para se provocar modificações na Lei, seja tanto fazer cair leis anacrônicas quanto derrubar leis irracionais - não é, repito, o caso aqui. Para além do direito, pensando em argumentos políticos, não seria possível defender a não realização dessa marcha sem fazer uso de argumentos de natureza não-democrática - o que, no entanto, a própria democracia admite, sendo justamente essa a sua maior prova de superioridade.

Indo adiante, a questão da luta pelo direito ao uso de maconha é mais simples do que pensam seus defensores; não implica em descriminalizar nada, afinal, como coloquei, seu uso - como de qualquer outra droga -, hoje, é entendido como contravenção penal, não como crime. Também não é questão de se liberalizar nada, posto que liberdade, isto é, condição de exercer o seu poder segundo sua vontade e de acordo com os pressupostos lógicos, existe em relação à maconha na medida em que há oferta no mercado e é logicamente possível adquiri-la e consumi-la, no máximo, o que eles advogam é, na verdade, a retirada de uma liberdade: A do Estado em sancionar de qual maneira for quem faz uso de maconha. Também não é caso de se legalizar nada, afinal não é preciso, como discorrerei, alterar, revogar ou criar lei para o caso especifico da maconha. O que se discute aqui é a permissão de seu uso, a consagração de direito em si.

Como conseguir isso? Simples: Não há nada na lei que diga "é proibido fumar maconha", mas sim "uso de droga gera, penalmente, x, y ou z", a sanção penal nesse caso decorre de uma norma penal propriamente em branco, ou seja, uma norma que depende de complemento presente em tipo normativo hierarquicamente inferior, no caso, em uma portaria do Ministério da Saúde. Em suma, é droga o que o Ministério da Saúde diz que é. Se o MS, portanto, um órgão do Poder Executivo, entender que a maconha não é mais substância entorpecente, dando, por exemplo, o mesmo status que ele dá ao álcool, acabou-se a história: Maconha deixa de ser droga e acabou-se a sanção penal para plantio, comércio ou uso dela.

Sobre a minha opinião pessoal, admito que tenho dificuldades para debater sobre esse assunto. A única droga que usei na vida foi o álcool, mas, honestamente, usei muito pouco e confesso que não gosto de beber - a sensação de embriaguez me incomoda profundamente. Nunca fumei tabaco ou maconha na minha vida. Mais do que isso, o mundo que eu sonho é aquele onde as pessoas não precisem de drogas para nada, nem para 'diversão', muito menos para suportarem a tensão do cotidiano. O ponto nevrálgico é que a droga em si não é o problema, mas sim as causas que levam ao seu uso e ao eventual exagero neste o são. Em suma, o modo doentio de vida que nós temos nessa pós-modernidade que nos atropela é o problema.

Não é, no entanto, minha opinião que deve prevalecer sobre os interesses da coletividade, eu sei o que é melhor para mim, mas não posso simplesmente obrigar as pessoas a seguirem isso defendendo circunstâncias jurídicas para tanto. Também não posso ignorar o impacto das drogas na comunidade, seria um egocentrismo político muito grande da minha parte. Dessa maneira, defendo que a maconha, pela sua natureza e pelos custo-benefício que isso implicaria, deixe de ser considerada como droga e que o Estado se encarregue de regulamentar e controlar todo o processo de plantio e comercialização disso, inclusive, tributando essas atividades. Em relação às outras substâncias entorpecentes como cocaína, heroína e outros, no entanto, eu não defenderia o mesmo, ao menos, não por ora.

PS: O tema é espinhoso mesmo, por isso comentários são bem-vindos aqui mais do que nunca.

20 comentários:

  1. Hugo,

    Bota espinhoso nisso!

    Eu considero lamentável a proibição dessa manifestação. Como você escreveu, contestar uma lei é um direito e, pelo menos em tese, os manifestantes não incentivariam as pessoas a infringir a lei, mas propor a discussão sobre ela. Não vou me atrever a comentar o aspecto jurídico dessa decisão _ o que você já fez e muito bem _, até por falta de embasamento da minha parte, mas eu acho que ela é incompatível com um país que se diz democrático. Mas vamos aos espinhos.

    Quando era adolescente eu tentei fumar várias vezes. Até os 22 anos sempre tinha um maço de cigarro no bolso, mas nunca consegui. O mesmo aconteceu com bebidas alcoólicas. Só após meus 25 anos eu me tornei um apreciador de cerveja e um freqüentador de bares.
    Não faço uso de nenhuma outra droga além do álcool, mas sou favorável a legalização de substâncias como maconha e cocaína, desde que devidamente regulamentada, como já acontece com o cigarro e com o álcool, e acredito que a liberalização deva começar pela maconha. Não faz mais sentido continuar proibindo a venda de um produto que você encontra em qualquer lugar. Quem passeou pelas ruas do da cidade durante a Virada Cultural sabe do que estou falando. Em todo lugar se via alguém fumando ou pelo menos se sentia o cheiro da erva. Isso pesar do intenso policiamento.
    Um dos problemas dessa discussão é encontrar um estudo sério sobre as conseqüências do uso de drogas que tenha credibilidade. Um dos que li, já faz algum tempo, apontava a proporção de usuários dependentes para cada tipo de droga.70% para a nicotina, 30% para o álcool e 10% para a cocaína, as outras eu não me lembro.
    Se esses números procedem eu não sei, mas parece certo que os usuários dependentes são as principais vítimas das drogas, apesar de serem minoria, com a exceção da nicotina. Regularizar a venda e o uso dessas substâncias provavelmente vai aumentar o uso num primeiro momento, mas é provável que ele se estabilize depois de alguns tempo e venha até a cair no futuro, como vem acontecendo com o cigarro.
    Mesmo que o consumo aumente com a liberalização os crimes associados ao tráfico devem desaparecer, o que será um ganho social muito grande, tanto pela queda da violência quanto pela economia conseguida com o fim da repressão as drogas, sem contar nos impostos que passariam a ser recolhidos. Com esses recursos o Estado poderia investir, entre outras coisas, em campanhas de desestimulo ao uso de entorpecentes e na recuperação de dependentes. Se os traficantes vão procurar outra atividade ilegal para direcionar seus investimentos eu não sei, provavelmente sim, mas será difícil encontrar outro mercado tão lucrativo quanto esse.

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  2. Eduardo,

    Valeu pelo seu depoimento, coincido com boa parte de suas análises. Não cheguei a ir na Virada Cultural - por preguiça mesmo -, mas imagino como deve ter sido.

    Sobre a teoria da migração de ilicíto penal, é provável, mas não é certo. Quem defende essa ideia, se baseia em analogias do tipo 'certa época em que caiu o número de assaltos a banco, o número de sequestros aumentou', mas é como diz a velha máxima romana, minima differentia facti maximas inducit consequentias juris, ou seja, uma miníma diferença de fato pode gerar grandes diferenças de direito.

    E também é como você colocou, é muito difícil que eles encontrem outro mercado como esse. No entanto, se feito, o Estado teria de exercer um controle muito grande sobre isso.

    abraços

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  3. Pois é, Hugo,

    Talvez os traficantes sejam os principais oponentes da regulamentação da vendo e do consumo de entorpecentes, pois seriam os maiores prejudicados. Perderiam um negócio de centenas de bilhões de dólares. É muito, muito dinheiro.

    Uma possível migração das atividades criminosas dos atuais traficantes é um dos argumentos utilizados por quem é contra a liberação das drogas.

    Eu acredito que um dia essa liberação virá. Pode ser que ainda demora muito, mas ela virá. Digo isso porque os custos para manter as estruturas de repressão e apreensão são muito altos e não tem mostrado resultados satisfatórios. As drogas continuam disponíveis a um grande número de pessoas e parece que o preço está caindo, sinal de que não há falta do produto no mercado.

    Um outro debate interessante deveria ser o porque de algumas substancias serem legais e aceitas socialmente, apesar dos prejuízos que causa a saúde do usuário e à própria sociedade, e outras não. Posso estar equivocado, mas me parece que a devastação provocada pelo alcoolismo não é menos pior que a provocada pela dependência química de cocaína, por exemplo. A maconha, apesar de trazer danos como a perda de memória a longo prazo, entre outros males, é menos nociva que o álcool e o cigarro de nicotina. Sem contar que não causa dependência química como estes dois, mas psíquica. E mesmo assim é proibida. Existe uma história por trás disso, e é preciso conhece-la para entender essas contradições.

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  4. Eduardo,

    Do ponto de vista tributário, álcool e tabaco são altamente lucrativos. Do ponto de vista humano, são um desastre, em especial o primeiro. Maconha e afins são proibidos em parte por certo moralismo e em parte por eventuais abalos que isso poderia provocar à 'ordem pública' se fossem massificados.

    No fim das contas, temos uma óbvia hipocrisia normativa, na medida em que se o álcool não é proibido, significa que o critério em si é ambiguo.

    Outro ponto curioso é a relação entre imperialismo e tráfico. Sabia que o Afeganistão pós-Talibã aumentou exponencialmente sua produção de papoula? Isto é, sob ocupação americana até. O mesmo vale para a Colômbia uribista cujo aumento na produção de coca parece até que é proporcional ao dinheiro do Plano Colômbia. Será coincidência?

    Abordando outro ponto, eu me pego, muitas vezes, em um dilema: Dinamite por si só não explode, mas nem por isso seria prudente vender isso em uma feira livre. É pensando nisso que eu tenho opiniões diferentes para maconha e cocaína, por exemplo.

    Por outro lado, também suspeito de que um dia, o Estado vai deixar de sancionar esses casos, mas eu temo que possa acabar sendo pelos motivos errados, se as coisas não mudarem de rumo, claro. Já leu o Admirável Mundo Novo de Huxley? É uma visão aterradora de como isso pode ser usado.

    Mas vai ver se estamos discutindo isso daqui é porque no fundo, nossa forma de sociedade - ou a própria ideia de sociedade - estão falidas.

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  5. Ótimo post, Hugo, sobretudo por abordar com detalhe aspectos legais que a maioria desconhece. Mas é uma pena que em muitas localidades a Justiça não esteja tendo o entendimento que você cita (se não estou enganado, o habeas corpus que permite a realização da marcha no Rio de Janeiro foi concedido de acordo com o entendimento legal que você cita). Achei fantásticos o seu depoimento pessoal e o seu espírito democrático em apoiar uma posição polêmica sobre um tema que não lhe toca pessoalmente.

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  6. Obrigado, Mauricio,

    Infelizmente, por uma questão de tempo não pude ler todas as implicações jurícas resultantes do caso. Passei a tarde inteira me dividindo entre um trabalho de Direito Previdenciário e uma caixa de comentários bastante agitada, hoje n'O Biscoito - sim, eu sei, isso vai acabar me matando um dia.

    Mas a questão central é que existe o direito constitucional para tanto e uma eventual interpretação que aponta uma eventual "apologia ao crime" é um caso de interpretação in malam partem, ou seja, uma interpretação contra o réu, o que, simplesmente, fere o Princípio da Legalidade.

    Mesmo sendo um crítico contumaz do Direito Penal brasileiro, reconheço que ele não falha aqui na medida em que tipos penais no nosso país são, felizmente, estritos, escritos e certos, logo, apologia ao crime, pasme, é apenas - e unicamente - em relação ao crime, não à eventual contravenção, isso não existe.

    Claro, há o lado B disso tudo, o que resulta em um longo e interessantíssimo debate, que, no entanto, sequer é o caso aqui.

    abraços.

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  7. Tive uma experiência positiva com a maconha, mas também não fumei muito na ocasião... fiquei com a impressão de que a legalização da erva traria muito prejuízo à indústria de bebidas (fora o tráfico que lucra horrores com a falta de impostos), pois me deu um 'barato' sem a costumeira ressaca do álcool, e penso que seria uma alternativa _muito_ mais barata do que as bebidas alcóolicas... assim como o consumo moderado de 'birita' não tem problema algum, não vejo como o simples uso da erva poderia ser um 'perigo para a sociedade'. Como já foi mencionado, 'todo mundo' fuma, está em todo lugar... chega a ser anacrônico, tanto 'auê' por causa de uma planta!

    E o curioso é que, no Oriente Médio, é geralmente o contrário: o álcool é proibido e o haxixe (também extraído da cannabis), legal...

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  8. Salve, Luis Henrique,

    Valeu pelo comentário. Eu creditaria esse auê, em parte, ao componente do moralismo ainda existente na 'sociedade' brasileira, tembém à associação da figura do usuário com a do viciado e por tabela com a do criminoso - como não é incomum numa sociedade paranóica como a nossa - e, por fim, a atuação temerária do MP - o que, infelizmente, é recorrente.

    abraços e apareça sempre!

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  9. Gostei muito do post (esclarecedor) , eu não tenho opinião formada sobre a legalização da maconha , não acho que a legalizando vá acabar com o tráfico (acontece com o tabaco e a bebida ) e nem que depois de legalizada todos (ou a maioria) vai consumir somente essa droga , a muitas outras .
    Enfim gostei do blog primeira vez que passo por aqui e já foi adcionado ao favoritos , continue assim.

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  10. Alem de produzir fibra com o cânhamo,gerando emprego e uma forma alternativa de produção,a planta em seu carater estupefaciente leva apenas ao relaxamento e estímulos sensoriais variados,sendo a canabis uma alternativa medicinal e economica.

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  11. Hugo e amigos d'O Descurvo,

    Acredito que toda droga acaba fazendo mal, de uma forma ou de outra. Café provoca azia e pode agravar problemas cardíacos, o álcool, mesmo em pequenas doses, pode matar muitos neurônios, além de agravar outros problemas de saúde. Maconha também pode fazer um estrago danado depois de alguns anos de uso. A cocaína também, até mesmo para quem não é dependente.

    Mas vá, açúcar e sal de mais também fazem mal. Se o critério para proibir o consumo de um determinado produto for a capacidade que ele tem de fazer mal ao usuário muitas outras substancias teriam que ser proibidas.

    Meu maior problema com relação ao uso de drogas ilegais é a cadeia de destruição que ela provoca na sociedade, desde a sua produção até o consumo. Um percurso que deixa muitos mortos pelo caminho, além de milhares de vidas arruinadas. Parte desse rastro de destruição é causado por se tratar uma atividade ilícita. Milhares de pessoas morrem todos os anos vitimas de males provocados pelo alcoolismo, mas o trajeto entre a produção, o transporte e a vendo de bebidas alcoólicas não deixa vítimas pelo caminha, pelo contrário, gera emprego e renda.

    Não faz muito tempo eu li uma entrevista com uma psicóloga _ acho que Sonia Alberti, mas não tenho certeza _ sobre a "necessidade do barato no mundo contemporâneo". Eu sei que tenho a entrevista em casa, mas não consegui encontrar, então vou tentar me virar sem ela.

    Achei interessante a relação que ela faz entre os comerciais de TV e a propaganda para o uso de entorpecentes. Um comercial de refrigerantes, por exemplo, não vende a bebida em si, mas as sensações que seu consumo proporcionaria e que só podem ser sentidas fora do "mundo real". O sujeito abre a garrafa, bebe um gole da bebida e é transportado para um universo de sensações, cores e prazeres onde tudo o que é bom e gostoso pode acontecer. O mesmo efeito é prometido nas propagandas de achocolatados. Ao beber um copo do chocolate o adolescente se torna um sujeito mais interessante, passa a contar com forças e habilidades sobre-humanas e é capaz de competir com outros jovens em esportes radicais, e vencer, além de se tornar uma pessoa super popular com os amigos e com as gatinhas. Ele se torna "o cara", mas só depois de tomar o achocolatado. Com outro comercial de cereais matinais é a mesma coisa.

    Para a psicóloga todas essas propagandas exploram o desejo que todo mundo tem de Fugir da realidade, mas essa fuga só acontece após consumir alguma coisa. Ainda segundo ela, não adiante a escola e a sociedade fazerem campanhas contra as drogas se os comerciais fazem o contrário o tempo todo.

    Não é muito diferente do que as drogas prometem. Ninguém usa uma substância para se destruir, se fosse o caso tomaria logo veneno para morrer de uma vez. O objetivo é sempre o prazer, o gozo, ou a fuga da realidade pura e simplesmente.

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  12. Olá a todos,

    Antes de mais nada, obrigado pelas ponderações e sinta-se a vontade em comentar por aqui, Daniel. E obrigado pelas colocações caro Anônimo.

    Mas não posso deixar de ressaltar essa beleza de comentário seu, Eduardo. Traz belas luzes para a questão das drogas.

    Quanto a influência do modo de vida do mundo pós-moderno como catalisador de problemas ligados ao consumo de drogas, concordo em genêro, número e grau, além de agradecer os dados que você trouxe.

    É certo que as condições materiais e as relações que decorrem delas são, na verdade, o fator central dos problemas ligados às drogas - que, na verdade, são um catalisador.

    O problema, no entanto, é o grau de eficiência desse catalisador e as consequências da reação que ele produz na comunidade. Armas, por elas mesmas, não matam, mas utilizadas para fins errados - as justificativas para seu uso, convenhamos, são poucas - geram estragos consideráveis. É nesse sentido que se travam os debates sobre o direito de comércio amplo para armas de fogo.

    No fim das contas, o problema está mesma, intrisecamente e extresincamente nisso que denominamos sociedade civil, mas a permissão de livre comércio seja lá do que for gera suas consequências para o indivíduo, para o grupo e para o meio-ambiente. Eis aí que entra a necessidade, ao meu ver, de pesar cuidadosamente todos os fatores na balança.

    O fator do álcool em nosso meio produz efeitos consideráveis, tragédias e, ao mesmo tempo, mediante arrecadação de impostos, gera muitas coisas boas indiretamente. Ele dá mais lucro para a sociedade do que prejuízo, por isso não faria sentido advogar pela sua proibição. Esse, ao meu ver, deveria ser o critério utilizado para avaliar as demais substâncias entorpecentes proibidas.

    Nesse sentido, não proporia o direito de produção e comércio de todas as drogas. Creio que a maconha, pelo impacto que provoca, e a forma que pode compensa-los - até superavitariamente - poderia receber o mesmo status que o álcool, outras substâncias, como cocaína e heroína, por exemplo, têm um potencial de gerarem problemas em uma escala muito, muito alta e eu não me arriscaria a defender o mesmo para elas.

    O problema, claro, no fim das contas é a nossa forma de nos organizarmos para produzir que gera uma série de anomalias. No entanto, enquanto isso não for superado, temo é necessário trabalhar com um equilíbrio aristotélico para impedir que as coisas parem no abismo. É óbvio também que eu não sou o dono da verdade, só estou dividindo meus pontos de vista.

    abraços e obrigado pelo complemento.

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  13. Meu caro Hugo, o post está ótimo e a questão jurídica bem colocada. Lembro de um texto audacioso da Hannah Arendt, ou melhor, de uma proposta audaciosa dela a respeito da luta pelos direitos civis nos EUA: era preciso incorporar o direito à desobediência civil na Constituição. Não sei se uma democracia (nos moldes em que ela existe hoje) suportaria esta incorporação (ou se isto implicaria um outro regime, uma democracia radical talvez), porque acredito no que Walter Benjamin disse a respeito do regime da violência no Direito: o Direito não proíbe somente ações (violência/poder) contra os fins jurídicos, ele proíbe ações fora de seu marco: "o interesse do direito em monopolizar o poder diante do indivíduo não se explica pela intenção de garantir os fins jurídicos, mas de garantir o próprio direito. Possibilidade de que o poder, quando não está nas mãos do respectivo direito, o ameaça, não pelos fins que possa almejar, mas pela sua própria existência fora da alçada do direito." Voltando a Arendt, talvez a incorporação da desobediência civil no marco legal retirasse sua força também. São questões interessantes que um debate como esse suscita. Agora, pra ser sincero, acho que a Marcha pouco contribui no que realmente interessa, o debate sensato sobre a legalização; é mais um ato mediático e, a meu ver, taticamente contra-producente. Abraço

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  14. Alexandre,

    Muito obrigado pela visita. Aliás, essa questão da desobediência civil é fascinante e daria margem para um debate longo e profícuo.

    Esse debate, diga-se, é mais antigo do que pensamos; nas cidades da Grécia antiga, quando o paradigma do Sagrado foi superado pela Política (mais ou menos no século VII a.C.), ocorreu o fenômeno da escalada da importância da Lei Escrita como forma de garantir o avanço civilizatório esmagando as concepções místicas e tradicionalistas de mundo.

    Curiosamente, se a ideia da primazia de uma Lei Escrita decorrente da Política surgiu com um caráter essencialmente revolucionário, em pouco mais de dois séculos ele se perdeu; isso se deveu ao obstinado grafocentrismo que se formou cuja decorrência foi o surgimento de um dogmatismo laico profundamente reacionário.

    É daí que surge a reflexão sobre o Direito Natural, em suma, o postulado da existência um direito inerente e imanente às coisas que sempre existiu - e existirá - e que o Direito Positivo deve se refletir para realizar os seu fim.

    Isso expressa a questão de que a Lei Escrita é, por natureza, lacunosa e não raro pode ser ou se tornar falha. O Direito Positivo, portanto, não poderia ser construído ou visto como algo fechado e definitivo sob pena de, esteja quem estiver no poder, gerar profundas injustiças.

    Ao longo do tempo, a ideia de Direito Natural é torcida e distorcida, mas resta a essência de sua concepção original que nos remete à questão de que a Ética por si só não basta, mas sem ela não há Ordenamento Positivo que resista.

    Hodiernamente, ao meu pensar, o Direito Positivo precisa ter em seu interior instrumentos que lhe permitam trair a si próprio para que possa ser fiel às suas finalidades. Nesse ponto, eu discordo de Benjamin, isso não o enfraquece, ao contrário, é justamente aquilo que lhe pode dar mais força.

    Ademais, mais do que a marcha em si, o movimento pela 'liberalização' do uso de drogas - ou mais especificamente da maconha - com eu deixei nas entrelinhas, muitas vezes não sabe exatamente como lutar pelo que deseja. A marcha pode até ser útil para chamar a atenção para a reivindicação - não fosse por ela, não estaríamos debatendo isso aqui - mas a luta do movimento pela liberalização precisa de mais objetividade e conteúdo para atingir seus fins - que pelo menos no caso da maconha, é muito mais política do que jurídica.

    abração e comente sempre que quiser.

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  15. Olá, Hugo! Aqui é o Carlos de Lucca, da PUC. Não consigo postar o texto com meu nome... Não entendo de internet.

    Com todas as vênias, peço licença para tecer breves comentários no seu blog.

    Em suma, juridicamente a marcha não há por que ser proibida. Nas condições em que se deram, entende-se como simples manistação de pensamento de um grupo, que o faz sob a égide de uma garantia constitucional, das mais importantes para um regime democrático de direito: a Liberdade de Expressão. Nós, Hugo, estudantes de Direito, sabemos que para que se aplique um princípio ou um direito, faz-se mister sopesá-lo com outros, a fim de que ninguém, no exercício de um seu direito, mitigue direito de terceiros.
    Destarte, não havendo ofensa a nenhum direito de membros de nossa digníssima sociedade, quando da marcha da maconha, ela deve ser legalmente permitida, pois não há quem possa, juridicamente, proibir a marcha da maconha alegando que ela gera dano a direito subjetivo dos demais cidadãos, tampouco ao direito objetivo do Estado, qual seja, o de punir quando entende ter havido gravame à segurança pública. Não pode o Estado, à luz da Constituição Federal, proibir tal ato, pois não se fala em encitamento ao uso de maconha, fato típico previsto no Código Penal, mas apenas pugna pela descriminalização do uso desta substância. Não havendo tipicidade, não existe crime, por mais imoral que este ato seja.
    Portanto, não havendo lesão ou ameaça de lesão a direito, não cabe, nem ao menos, tutela jurisdicional ao Estado.

    No entanto, moralmente acho a marcha reprovável. Há quem fale que uma manifestação de um grupo de mulheres em que elas pedem a descriminalização do aborto é um ato ilegal, pois aborto é crime, salvo as exceções previstas na própria lei penal. Não entendo dessa forma pelos mesmo posicionamento que eu trouxe à baila. É um ato inteligente um bando de indivíduos pedir a descriminalização de uma substância entorpecente a fim de usá-la ilimitadamente até que não sobre nenhum axiônio em seus cérebros, tudo para que consigam evadir-se da realidade concreta porque não conseguem suportá-la? Vê-se, com isso, que tudo é gerado por uma vontade egoísta e mesquinha, tendo pouco ou nenhum respeito com o resto da sociedade não usuária, frise-se que até o cigarro está passando a ser insuportável em determinados ambientes.
    Já uma marcha a favor da legalização do aborto, com restrições legais a certos casos, obviamente, seria um ato em que pessoas pensam na questão social, nas danosas implicações de uma gravidez não desejada, nas milhares de mulheres ( e homens, por que não?) que sofrem com as consequências do nascimento de um filho que certamente não terá um desenvolvimento afetivo normal, ante a impossibilidade material do casal. Este segundo tipo de manifestação de expressão tem cunho efetivamente social, posto que não egoísta.

    Entretanto, falo, a quem tiver a desdita de ler este texto que, quanto ao aborto, ainda não tenho um juízo de valor formado. É uma questão insidiosa para qual não tenho maturidade intelectual que me digne a escrever sobre ela. Não sei se é bom ou ruim. Apenas quis mostrar o caráter egoísta a marcha da maconha e o caráter social de uma eventual marcha para a legalização do aborto, a fim de cotejá-los para mostrar qual seria o mais socialmente danoso.

    Em suma, as duas marchas são possíveis legalmente, não havendo instrumento que as cerceie.
    Entretanto, moralmente, a marcha da maconha é um ato agoísta e uma possível marcha que verse sobre a legalização do aborto é uma questão social que EFETIVAMENTE precisa ser discutida.



    Perdoem-me a delonga e os evetuais erros de gramática ou sintaxe. É tarde e estou muito cansado e não vou revisá-lo.

    Abraços fraternos!

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  16. Bem, Carlos de Lucca da PUC, quem será? hehehehe piadas de lado, sim, não resta dúvida que a atuação do MP pedindo a proibição da marcha e do Poder Judiciário anuindo com o pedido são erros tão crassos que seria inadmissíveis mesmo para um segundoanista de Direito. Obviamente, é um atitude que se encontra no campo político - e antidemocrático - e não no jurídico.

    Sobre a maconha em si, a comunidade que eu sonho para o futuro é aquela em que as pessoas não precisem se entorpecer para agunetarem a vida ou para terem alguma diversão.

    A reles imaginação de um futuro como aquele do Brave New World de Huxley me é inteiramente assustadora; pessoas usando drogas para anestesiarem da vida com, inclusive, o o incentivo estatal.

    Por outro lado, temos a questão das liberdades individuais, será que na comunidade ideal seria justo tolhermos a liberdade de outrem em seu campo privado por conta de nossas convicções morais, políticas e filosóficas?

    Não é um dilema fácil de superar. Por isso, estou tentando resolvê-lo aristotélicamente, achar um ponto de gravidade para equaciona-lo.

    Nesse momento, a formulação a que cheguei é de ser favorável à permissão para o uso de maconha, seu controle pelo Estado e sua consequente tributação. Das demais drogas não. Manteria a Lei de Tráfico lá onde ela está, mas abriria um exceção para a maconha, guiando as ações subsequentes de acordo com os desdobramentos disso.

    Sobre o aborto, também não é fácil, mas eu seria sim favorável a sua realização, não sei ainda se só em mais casos do que os previstos no CP ou de modo geral.

    abraços fraternos

    PS: Velho, quando quiser comentar com o seu nome, use a opção Nome/URL. Basta escrever o nome em cima, se não colocar nenhuma URL não faz diferença que seu nome entra normalzinho.

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  17. apesar de espinhoso, vc aparou muito bem as arestas perfurantes. Belo post. Diria, quase definitivo sobre o assunto
    abçs

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  18. Muito obrigado, Guga. Aliás, foi muito bacana o debate que rolou nesse post.

    abraços e apareça sempre. ;-)

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  19. gostei também desse debate, li todo, valeu!

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  20. Muito obrigado, Guga. Aliás, foi muito bacana o debate que rolou nesse post.

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