segunda-feira, 8 de junho de 2009

O Caso Simonal

Wilson Simonal, popular artista dos anos 60 e 70, caiu em desgraça após ter sido acusado de ter colaborado com a Ditadura no que concerne à tortura. O bisonho acontecimento que decidiu sua sorte se deu lá atrás, no começo dos anos 70, quando Simonal suspeitou que seu contador havia lhe dado um desfalque e, para "resolver" a questão, contou com a ajuda de dois agentes do DOPS que trabalhavam, informalmente, como seus seguranças - se você sabe o que era o DOPS, há de imaginar de que tipo de resolução eu estou falando. O contador sobreviveu e denunciou Simonal que acabou condenado. Como era réu primário, o cantor ficou quinze dias preso, foi libertado com um habeas corpus e cumpriu a pena de cinco anos em liberdade.

No entanto, se Simonal escapou da cadeia, ele não teve a mesma sorte em relação à sanção ética: A partir dali, ele foi execrado pelo mundo artístico e nunca mais tocou na medida em que, nos depoimentos, foi revelado seu envolvimento com a repressão - e o golpe de misericórdia veio quando o Pasquim, jornal satiríco de oposição ao regime militar, divulgou tal informação. Aí, sua carreira acabou, Simonal se tornou uma espécie de homo sacer no meio artístico e os poucos que tinham coragem de tocar junto com ele, não o fariam com medo de entrarem na "lista dos malditos".

Do início dos anos 70 até sua morte em 2000, ele esteve esquecido. Acabou condenado a pior pena que alguém pode receber: O desprezo. Seria justo ou injusto o que fizeram com ele? Seja como for, mesmo trabalhando com a hipótese de que sua colaboração com a repressão seja falsa, convenhamos que o simples ato de pedir para alguns gorilas que integram uma polícia política espancar um ser humano, por si só, é uma coisa pra lá de revoltante.

Por que o tema voltou à baila? Por conta do documentário Simonal: Ninguém Sabe o Duro que Dei cuja direção é de Micael Langer, Calvito Leal e Cláudio Manoel (aquele mesmo do Casseta e Planeta). Assim como o gesto simbólico da OAB ter inocentado o cantor em 2003, o documentário vem na esteira do processo de reablitação de sua imagem.

Nessa nossa curiosa época, onde até a Ditadura virou ditabranda, já não são incomuns relatos que apontam para uma eventual injustiça cometida contra Simonal fundada em argumentos como racismo ou descriminação por parte da esquerda hegemônica no meio artístico - melhor dizendo, da "turma da canhota", como ele preferiria. Para pôr mais pimenta na conversa, PauloVanzolini, professor emérito da USP e compositor consagrado, declarou categoricamente que Simonal se gabava de ser dedo-duro e que o referido documentário é um embuste.

Honestamente, acho bem tolas as teses que apontam para um eventual racismo por detrás do que ocorreu - isso nunca esteve em questão, mas sim o que ele fez e a colaboração com a tortura que ele pode ter cometido. Fosse Simonal branco, algo parecido teria acontecido com ele? Isso seria entrar no campo da história contrafactual, mas é bastante improvável que um Chico Buarque, mesmo com seus olhos azuis, teria tido melhor sorte. Ademais, retratar Simonal como um direitista vitimado pela esquerda radical que dominava a cena artística da época é um equívoco grave: Para tanto, é preciso esquecer que havia uma Ditadura Militar de Direita, torturando, matando e aleijando, definitivamente, a esquerda não estava, convenhamos, em uma posição das mais confortáveis.

Ainda assim, como eu não sou dono da verdade, ficam as indagações: Simonal sofreu o que sofreu por não ter sido de esquerda ou está sendo reabilitado hoje em dia por ter sido de direita? De quem é o radicalismo, afinal de contas? Mais do que isso, tomando arte por, digamos, forma de experiência estética que por meio de um impacto sensível visa transmitir uma ideia, o que seria mais importante: A conduta ética - como reflexo de sua ideologia de um artista - ou a qualidade estética de sua obra? Seria possível transigir com um grave ato cometido por um artista em prol de seu talento?

Atualização de 09/06 às 17:42: Leiam esse belo post que o Samurai publicou sobre o assunto.

4 comentários:

  1. Hugo, essa questão do Simonal é realmente espinhosa.

    Pessoalmente, não descartaria a ocorrência de racismo. Lembro-me, criancinha, ouvir adultos dizendo: "esse crioulo é metido demais" e coisas assim. Isso denota racismo, sem dúvida.

    Só que a mesma frase sugere outro aspecto que deve ser considerado (e que você cita em outro contexto): fosse Simonal branco, azul, verde ou lilás, ele soava (e ainda soa), para muitos - inclusive para mim - uma pessoa extremamente antipática, cheia de si, arrogante. O mesmo não pode ser dito de Milton Nascimento, Chico Buarque, Gilberto Gil ou Paulinho da Viola - para citar artistas de diferentes etnias e origens regionais, muito populares, e que surgiram mais ou menos no mesmo período de Simonal.

    Mas é importante refletir que nem só o racismo (que, faço questão de sublinhar, é gravíssimo) nem o que alguns pudessem interpretar como a antipatia pessoal de Simonal justificariam o boicote que sofreu nem deixariam de ser fatores adjuvantes no ostracismo a que foi relegado se algo muito mais grave não tivesse acontecido.

    E aí o ponto nodal é o que você toca: essa coisa grave a que me referi aconteceu, independentemente de colaboração com o regime ou não! Mandar gorilas da polícia espancar uma pessoa é um ato desumano e brutal. Isso é inegável. E certamente geraria consequências gravíssimas para a carreira de qualquer um. Imaginemos que algum artista fizesse isso hoje em dia. Eu – e, quero crer, muitos - me recusaria a comprar o disco – ou o livro, ou ir ao show –desse artista e iria deletá-lo da minha memória. E a repulsa a um artista que cometesse tal ato independe de posição política, de ser de esquerda, de direita, de centro ou anarquista.

    Desconhecia a declaração de Vanzolini - a quem reputo como um dos melhores letristas de música de todos os tempos e cujos sambas adoro -, que, aliás, tem de sobra a humildade que faltava a Simonal. Mas me lembro bem de uma reportagen de Mário Magalhães (excelente repórter em cujo currículo consta a honraria de ter sido demitido do cargo de Ombudsman da Folha) que demonstrava, através da consulta a arquivos do Dops e à citação de um juiz, ser altamente provável que Simonal tenha efetivamente colaborado com a repressão. (A matéria intitula-se "Juiz apontou cantor [Wilson Simonal] como informante" e, se minhas anotações estão corretas, foi publicada pela Folha de São Paulo em 26/06/2000, na pág. C7).

    Porém, seja como for, eu, como cristão que sou e em nome dos filhos de Simonal - que são músicos criativos e gente boa - acho sinceramente que todos têm direito ao perdão, inclusive Simonal. Que os discos dele voltem a ser vendidos, que lancem filmes, livros e tudo o mais sobre ele, tudo bem.

    O que me incomoda, porém, é a instrumentalização (política, racial, historiográfica) que fazem do caso. Querer utilizar a tragédia pessoal de Simonal para, com a ajuda da Ford Foundation, erguer a bandeira da guerra racial; para tentar, de forma indisfarçável, reescrever a história colando a pecha de patrulheiros na esquerda, no afã de transformá-la em vilã do período ditatorial. E infelizmente o filme sobre ele não é caso isolado.

    Para encerrar: tente não rir de mim, por favor, mas um dia desses, zapeando, parei naquele programa horroroso chamado "Saia Justa", que entrevistava justamente o diretor do filme (entrevistava é modo de dizer, as quatro mal deixavam ele abrir a boca e encobriam sua voz aos gritos). Pois essa tecla da patrulha ideológica da esquerda era incessantemente martelada. Mônica Waldvogel, além, do desplante de comparar Simonal com ninguém menos do que Charlie Chaplin (socooooorro!!!), ainda, em plena era do jornalismo neocon, ousou afirmar que hoje em dia há uma hegemonia da esquerda e que no Brasil atual é praticamente proibido alguém se dizer de direita... Depois dessa, melhor parar por aqui, né?

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  2. Maurício,

    Belissímo comentário. Também não tenho nada contra fazerem filmes sobre o Simonal, mas o uso que tem sido feito desse documentário é lamentável e se encontra dentro de todo o contexto revisionista em que vivemos.

    Sobre o Saia Justa, jamais riria do amigo - convenhamos que não é lá muito prudente rir de uma pessoa que tem a coragem de encarar um treco desses hehehe -, mas ele foi bem ilustrativo em relação ao momento em que vivemos: A Ditadura Militar vem sendo bisonhamente recontada; de repente, surge um editorial dizendo que ela nem foi tão má assim quanto contam, depois aparece um documentário provando o quanto aquela esquerda que combatia ela, era, na verdade, má a ponto de "acabar com a carreira" de um artista brilhante.

    abraços

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  3. Só pra não esquecer: Comparar ele com Chaplin foi o fim da picada.

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  4. Realmente, não se deve rir de quem encara um troço daquele..pode ser perigoso.... ka,ka,ka,ka,ka!!!

    Você usou a palavra que eu estava procurando: revisionismo. É esse o perigo.

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