sexta-feira, 12 de junho de 2009

Reflexões sobre a Semana

Os meus argutos - e pacientes - leitores, hão de concordar comigo que essa semana está sendo particularmente agitada. Acontece muita coisa de uma vez só e mesmo tendo à disposição um meio tão eficiente quanto a Internet, as coisas estão acontecendo rápido demais. Essa sensação de difusão, no entanto, não resiste a uma análise conjuntural do momento em nos encontramos.

O mundo está em ponto de ebulição; o que uniria mutuamente o massacre no Peru dos nativos locais pelo Collor deles, o Alan García, ao linchamento dos estudantes da USP, a censura dos estudantes da PUC pela própria universidade, a celeuma da mídia corporativa contra o blog da Petrobras, a eleição de um negro para a Presidência dos EUA, a eleição de uma lésbica de esquerda num lugar como a Islândia e o crescimento da direita nas eleições parlamentares europeias? A Crise.

Toda essa confusão que eu narrei não passa de fios aparentemente soltos na ponta, mas que na base estão bem amarrados; são fenômenos superestruturais que refletem um profundo abalo infraestrutural na ordem global.

Na minha humilde opinião, um dos maiores erros da esquerda mundial no século 20º foi cair num dogmatismo barato e ter feito uma leitura inteiramente errada do fim do bloco socialista no Leste Europeu; a Teólogos dos novos tempos contaram a inacreditável mentira do Fim da História e não foram poucos os pensadores de esquerda que caíram nessa mentira - veladamente ou não -, acusando o golpe por meio da adoção de um niilismo pobre - exceção feita a um Chomsky, talvez.

Ninguém se ateve ao elementar; em primeiro lugar, as pessoas nunca tiveram coragem de admitir o fracasso retumbante da Revolução Russa no tangente à construção de uma opção realmente viável para o Capitalismo - é incrível como há um vácuo histórico na narração da História Russa, ninguém se dá ao luxo de fazer uma análise qualificada do período soviético do pós-guerra, o que seria fundamental para entender esse momento atual (principalmente o que concerne ao futuro dos EUA). A consequência disso, como sabemos, foi que muita gente acreditou na mentira que os ditos neoliberais papagaiaram sobre a Nova Era - porque saber dela mesmo, só uns poucos sabiam. Se tivessem se focado nos gráficos econômicos na década de 80 perceberiam o elementar:

1. O fim do modelo NEP de "Socialismo" era inevitável mesmo, viria mediante uma reforma profunda (China), pelo desmonte do país (União Soviética) ou pela tragédia (Iugoslávia).

2. A integração dos mercados capitalistas, com ou sem Muro de Berlim, era uma decorrência lógica do processo de expansão do referido sistema de produção.

3. A ideia da alegoria do Império Americano sempre foi patética; bastava analisar os gráficos de crescimento do PIB daquele país para perceber que ele se apequenava proporcionalmente ano a ano em relação ao PIB mundial; logo, um mundo unipolar e centralizado em Washington representaria um desastre para os próprios americanos, posto que sua economia não suportaria tal ônus.

4. Se a elite dirigente americana não se tocasse do exposto no item 3, essa Crise seria inevitável mesmo.

Outro ponto particularmente preocupante é como a esquerda mundial se levantou contra a chamada Globalização, assumindo uma postura estranhamente nacionalista, quando não perceberam que ela era exatamente o que deveria estar sendo perseguido, mas a nossa forma de Globalização. O futuro aponta claramente para uma Governança Global e é essa a nossa luta: Lutar por uma Governança Global democrática e efetiva, afinal de contas, ela vai acontecer de um jeito ou de outro. É necessário mais do que nunca denunciar a falência do Estado-nação, hoje, eles são apenas marionetes que servem aos interesses de certos grupos econômicos, nada mais.

Há vários projetos em curso nessa exato momento, a queda num nacionalismo barato que vai levar ao desastre, a formação de um Leviatã Global para sustentar o Capitalismo ou a criação de um subversão do próprio Capitalismo por meio de um globalismo democrático. A arena em que se dará essa luta, no entanto, não será no campo, nas fábricas ou no mundo nas finanças: Será na arena da Informação e da Propaganda - para o terror daqueles que tiveram a coragem de afirmar que a era das grandes narrativas acabou-se.

Atualização das 18:32: Sobre as últimas duas linhas desse post, o João Villaverde já tinha postado algo bem interessante nos fins de Maio. Vale a pena dar uma olhada.

Atualização de 13/06 às 19:35: Sobre o massacre peruano, deem uma olhada nesse post do Maurício Caleiro sobre a questão.

9 comentários:

  1. Caro Hugo,

    Seu texto está ótimo. A ideia de que a mudança do sistema - ainda que seja para permanecer como tal, como diria Giuseppe di Lampedusa - ocorrerá por meio de debates, medidas e políticas na área da Comunicação (informação e marketing pela web) é certeira. A campanha eleitoral da equipe de Barack Obama (que começou em 2007) entendeu muito desse jogo, o que foi decisivo (entre outros fatores, evidentemente) para fortalecer o simbolismo de sua vitória. Eles, no entanto, ainda estão engatinhando quanto a levar práticas avançadas de interação para o governo de fato, mas serve como ponto de partida.
    O blog está ótimo, meu caro.
    Um abraço

    ResponderExcluir
  2. Obrigado, João. Aliás, muito bem lembrado a relação da web com a eleição de Obama, creio que ano que vem vamos experimentar - claro que em menor grau - algo parecido - como já estamos,de certa maneira.

    abração

    ResponderExcluir
  3. Salve Hugo,

    Tempos atrás escrevi um texto sobre as eleições de 2010 no Brasil como alavanca para uma mudança entre governo (e Estado) e web.
    Veja o que você acha: http://joaovillaverde.blogspot.com/2009/05/internet-nas-eleicoes-de-2010.html

    Abraço

    ResponderExcluir
  4. João,

    Comentei lá, beleza de texto, hein! Vou até linkar ele nesse post.

    ResponderExcluir
  5. Que bom que gostou do texto, Hugo.

    Você levantou uma bola interessantíssima em seu comentário lá no texto: o debate de pequenos municípios, durante as eleições do ano passado, ter sido levado em comunidades do Orkut. Esta aí um ponto dos mais relevantes: o papel da internet como incentivadora e, de certo modo, centralizadora, de discussões e impressões de cidadãos sobre sua política local. Neste sentido, democratizar o acesso à rede (computador + internet) é crucial para fomentar toda uma revolução.
    Obrigado por linkar aqui n'O Descurvo.
    Abração

    ResponderExcluir
  6. Hugo, eu concordo com muito do que você escreveu - a acho a análise relativa ao PIB americano preciosa -, mas é preciso considerar que sua crítica dos erros de diagnósticos da esquerda - em relação à queda do Muro de Berlim e à globalização - se beneficia tremendamente da perspectiva histórica. Em homenagem a nosso presidente, valer-me-ei de uma metáfora futebolística: é muito mais fácil comentar o jogo aos 43 do segundo tempo do que aos 3 do primeiro,concorda? (essa foi de lascar, né?)

    Nos dois casos, não estamos falando de meras crises, mas de mudanças estruturais profundas, traumáticas e imprevisíveis para os que as vivenciaram como contemporâneos. E com o agravante de terem sido retraduzidas para a sociedade por um aparato midiático corporativo hegemônico, com alto grau de homogeneidade discursiva e em vias de consolidar seu poder em processos de megafusões e na aliança com o mercado financeiro.

    Claro que nada disso elmina o fato de que houve erro de diagnóstico. E quanto à natureza dos erros cometidos, o diagnóstico que faz em seu texto é excelente. Só não estou convencido de que, dadas as condições acima citadas, esses erros seriam passíveis de ter sido evitados.

    De qualquer forma, há de dissecá-los para que não os repitamos no futuro.

    ResponderExcluir
  7. João,

    Eu é que agradeço, afinal, nunca é demais linkar excelentes textos como esse por aqui ;-)

    Maurício,

    De fato, eu dei mesmo uma boa provocada aí. Na verdade, ninguém diagnosticou o treco por um motivo bem simples: Nós temos que admitir que a esquerda, mesmo os setores democráticos que já criticavam há tempos o stalinismo, se esquivava de fazer uma análise mais aguda em relação a União Soviética, quando viu o que está acontecendo, se desesperou e não sabia como explicar - ou não queria explicar.

    Posso estar sendo por demais petulante, mas acho que faltou a devida profundidade e criticidade nas análises que eram feitas do bloco socialista "real". Por exemplo, quando eu estava na escola, tive bons professores de esquerda, sabia a história da Revolução de Russa de cór e salteado, da participação do exérctito vermelho na Segunda Guerra, mas...Havia um vácuo tremendo entre aquele período do pós-guerra e a misteriosa e inexplicável queda da União Soviética, quase como se fosse fruto de uma amnésia coletiva, mas eu sabia que não era - isso sempre me inquietou.

    E a Crise é isso daí mesmo: O momento em que se pode advinhar a sorte do paciente; o krinai que é "decidir" e "distinguir" ao mesmo tempo e a Krisis que é o divisor de águas - desde um reles espasmo até a mais profunda das metamorfoses.

    abraços coletivos e obrigado pelo contraponto Maurício.

    ResponderExcluir
  8. Oi Hugo,

    É difícil encontrar alguém que 'ligue os pontos', parabéns!

    Só tenho uma pequena ressalva - se considerarmos a influência política e cultural dos EUA no mundo, categorizá-lo como Império é perfeitamente válido. Decadente, sim (vide o recente encontro da OEA), mas ainda com vitalidade suficiente para ser classificado como tal.

    Abraços

    ResponderExcluir
  9. Luís Henrique,

    Você tem razão, eu não fui suficientemente claro quanto a esse ponto na minha explanação. Na verdade, eu fiz referência ao ridículo dessa "alegoria" no sentido da ideia de perpetuidade, intangibilidade ou mesmo da simples funcionalidade que queriam atribuir ao poder americano na figura de pólo único no suposto sistema unipolar que iria se erguer.

    Com um quinto da economia do planeta, mais da metade do poder naval e boa parte do arsenal nuclear, esse país possui um belo naco do poder global, no entanto, é um poder que já vem decrescendo desde os fins da Segunda Guerra Mundial e quando da queda do Muro de Berlim não era diferente; a ideia de que o mundo pós-soviético giraria em torno dos EUA faria sentido desde que essa superpotência restante também não estivesse a encolher também.

    Indo adiante nesse ponto, creio que os EUA tenham duas saídas possíveis nas duas últimas décadas:


    1. Refrear seus gastos militares e passar a construir uma ordem multilateral tendo em vista que é danoso para si próprio arcar sozinho com o ônus de controlar o sistema mundial (uma saída à la Império Britânico).

    2. Tentar compensar a perda da massa proporcional econômica com investimento militar pesado (uma saída à la URSS, comprovadamente um desastre).

    Creio que no fim dos contas, eles optarão pela primeira saída, mas dado o grau de degenerescência das instituições locais, não seria impossível o desastre.

    abração

    ResponderExcluir