domingo, 6 de setembro de 2009
A Crise na Academia Brasileira
Como já tratado aqui há algum tempo, a relação entre Academia e Capitalismo é contraditória. A Academia não precisa do precisa do referido Sistema de Produção, aliás, lhe é historicamente anterior e lhe será posterior - supondo que o Capitalismo não leve a humanidade à extinção, o que não é uma hipótese afastável logo de cara -, porém, o Capitalismo precisa da Academia - e é aí que entra a contradição: Esse sistema de produção, por conta de sua natureza, se vê às voltas com crises que lhe são inerentes, portanto, mais do que a produção de conhecimento técnico - no sentido contemporâneo de "técnico" -, ele necessita de uma produção teórico-reflexiva radical que sirva para lhe retirar dessas suas crises periódicas por meio do implante de enxertos em suas estruturas. É justamente na Academia onde se produz ese tipo de coisa.
Evidentemente, ao abrir espaço para essa produção teórica, um flanco importante é aberto; teorias que ameaçam o sistema surgem, o que obriga os agentes políticos capitalistas a montarem um intrincado sistema de controle dos intelectuais, o que se materializa em um poderosissímo esquema de cooptação dos intelectuais acompanhado de outro, que serve para a neutralização dos intelectuais não-cooptados. Isso resulta no bloqueio político da inteligentsia não-cooptada conjugado com um processo de fagocitose da parte de suas ideias e reflexões - mais ou menos como ocorre nesse processo de apropriação do conceito marxista de feitiche da mercadoria pela indústria do marketing. Esses flancos é de onde, curiosamente, pode surgir a chave para o desmonte do próprio sistema e mesmo que isso seja notório, o sistema precisa manter as condições para que eles existam, sob pena de perder sua capacidade de recomposição.
A questão acadêmica no Brasil, por sua vez, reflete o padrão acima descrito com as ressalvas concernentes ao fato deste ser economia capitalista periférica e ter inquestionáveis idiossincrasias históricas: A Academia brasileira nasce com contornos inegavelmente elitistas, mas com certo atraso e um ranço próprios da Academia lusitana. O primeiro divisor de águas desde a Faculdade de Direito de Olinda (1927) é 1930; o nacional-desenvolvimentismo e o industrialismo da Era Vargas resulta num projeto de país, o qual para ser executado, necessita da construção de uma estrutura universitária de porte - e é sobre os ditâmes do positivismo que é erigido o edifício universitário brasileiro, cujo maior expoente é a Universidade de São Paulo (1934). Em resposta a isso, vemos o crescimento das Universidades Católicas, como a PUC de São Paulo, fundada em 46.
As universidades brasileiras são profundamente influenciadas pela pensamento marxista no pós-guerra - o que chega mesmo à PUC-SP, onde a Teologia da Libertação exerce influência considerável, resultando num dos maiores pólos de contestação e efervecência política na São Paulo dos anos 70 e 80. Temos aí um paradoxo; se a implacável ditadura militar pós-64 marca o êxito dos setores mais reacionários assumirem as rédeas do país, por outro, toda a efervecência intelectual forjada nas décadas anteriores não chega a ser varrida, mas sim serve como base para a resistência silenciosa - ou nem tanto - em relação ao regime.
Evidentemente, esse clima político leva a estagnação do pensamento nacional, o que, entretanto, não se resolve com o retorno à Democracia Formal no em 1988. O desmonte do Estado Varguista - justo, mas feito pelos motivos errados -, resulta num sucateamento das Universidades estatais acompanhado do sufocamento economico de certas universidades privadas - via corte de subsídios - e a expansão das universidades de baixa qualidade, verdadeiras fábricas de diplomas - na verdade, cursos "profissionalizantes superiores", verdadeiros fast foods universitários. Somado a isso, a escola pública é sucateada e a escola privada ascende, promovendo, ressalve-se, um ensino tecnicista pautado pelo vestibular do final de ano.
Temos, portanto, certos grupos de interesse específico, com o fim da profissionalização no antigo segundo grau, ganhando espaço e expandindo redes pseudo-universitárias. Por outro lado, também se constata a criação de uma hierarquização acadêmica, onde o diploma das Universidades estatais, por motivos óbvios, passa a valer mais - assim como alguns bolsões de resistência ainda se mantêm ativos, geralmente nas faculdades de ciências humanas. No Governo FHC, ocorre um fenômeno onde a Academia sai da órbita de parte essencial do projeto de desenvolvimento capitalista para ser ela mesma mera prestadora de serviço - o que, reitero, é incongruente com as próprias necessidades do capitalismo.
O Governo Lula, por sua vez, consegue resultados paradoxais; se por um lado a União volta a investir nas suas federais, ampliando salários e a própria estrutura delas - num processo que resulta no próprio aumento de vagas -, por outro, as condições para a abertura de uma Universidades são novamente afrouxados, o que favorece as universidades "comerciais". O PROUNI, programa que oferece bolsas de estudo em universidades privadas - em troca da concessão de isenções fiscais para as mesmas -, ao mesmo tempo em que gera um aumento significativo na oferta de ensino superior gratuito, erra ao não diferenciar universidades privadas de ponta das de baixa - ou baixissíma - qualidade.
O estado de São Paulo, governado há anos pelo PSDB caminha pior ainda na sua política para o ensino superior; as vagas nas universidades estaduais deste estado simplesmente não são aumentadas e cria-se uma doutrina de elitização das mesmas - enquanto proliferam as universidades privadas comerciais. Por outro lado, se opera um violento esquema de desrespeito à autonomia universitária, por meio do uso absurdo - e ainda vigente - da indicação de reitores como forma de manter o controle interno, além e uma intervenção mais ostensiva como no caso da secretaria para o ensino superior, além do jogo político-partidário na USP.
Aliás, há que se ressaltar como o preceito constitucional da autonomia universitária é sumariamente desrespeitado pelo país. Ainda que o caso paulista seja mais acintoso, ele se repete pelas federais. No caso das universidades católicas, ele se opera de uma maneira diferente, mas não menos danosa: Como reiteradas enciclícas de Bento XVI expressam, há uma política de enquadramento por parte do Vaticano em relação às suas universidades pelo mundo, o que impacta diretamente sobre as universidades católicas com tendências mais progressistas - como Louvain, na Bélgica, e São Paulo. Aqui, isso acontece sob as barbas do Estado que reage com ensurdecedor silêncio.
No caso da PUC de São Paulo, assiste-se uma situação absurda, onde o novo estatuto da universidade proclama como órgão superior uma espécie de triunvirato chamado Conselho Administrativo composto pelo Reitor - eleito pela comunidade e referendado pelo Cardeal Arcebispo de São Paulo - e por dois secretários advindos da mantenedora da Universidade, a Fundação São Paulo, em outras palavras, a Igreja - não à toa, ambos os secretários são padres. Trata-se de um óbvio Estado de Exceção, o que, em se tratando de uma universidade que historicamente foi autogerida e comandada por um reitor eleito pela comunidade - com o primeiro colocado sempre referendado pela Arquidiocese, talvez por isso não retiraram esse regra perigosa - e que serviu de abrigo para os mais diferentes grupos perseguidos nos tempos da Ditadura, inclusive. servindo de abrigo para os anarquistas - essa situação de sujeição beira à insanidade.
É nesse vácuo de projetivo de 88 para cá, abalado apenas em algum grau pela tentativa lulista nos últimos anos, que a Academia brasileira segue um caminho tortuoso quando, na verdade, o advento do fim da Ditadura e da consagração da social-democracia deveriam ter tido efeito contrário. Essa desarticulação é nociva para o próprio capitalismo nacional e, numa prova de como os defensores do quanto pior, melhor estão errados: Vê-se, cada vez mais, que depois da tempestade, só restam os escombros e sobre eles não há como se construir nada.
Atualização de 08/09 às 22:30: Não percam a série que o Maurício Caleiro iniciou hoje em seu blog, "Repensando a Universidade Brasileira".
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Hugo,
ResponderExcluirCoincidentemente, eu tinha acabado de rascunhar um texto sobre a universidade brasileira (que publicarei em breve) quando me deparei com o seu post (não há o perigo de eu ser acusado de plágio; vamos por caminhos bem diferentes: como de costume, você se concentra mais em questões estruturais e eu vou no varejo).
Acho que você foi particularmente feliz na análise de fenômenos mais recentes de nosso cada vez mais problemático mundo acadêmico - tanto em âmbito federal, com a crítica ao Prouni, quanto em termos estaduais, seja em relação às universidades públicas ou à terrível situação da PUC, que você conhece de perto.
Sinceramente, não sei qual vai ser o futuro disso. Espero que as forças positivas inatas ao meio universitário consigam se impor contra tantos desmandos, corrupção e perda de autonomia política e intelectual.
Um abraço,
Maurício.
Maurício,
ResponderExcluirÉ a tal da inteligência coletiva...E, bem, o post do amigo há de complementar e, até mesmo, superar este daqui, dada a argúcia que lhe é peculiar - além do próprio maior conhecimento de causa.
Creio que se os docentes estivessem mais dispostos a dar a cara a tapa, as coisas seriam mais razoáveis - hoje, não falta quem leia Marx e, no fim das contas, mande às favas seus escrúpulos de consciência em prol de sua carreira acadêmica pequeno-burguesa.
Nós, estudantes, no máximo podemos nos entrincherar e agir como dá - correndo o risco de, ainda hoje, apanharmos da polícia, além de termos de bater de frente com colegas que só estão nessa por conta de sua ligação sectária com determinados grupos (e partidos) políticos.
No fim das contas, a resolução para essa problemática passa pelo crivo da política para o ensino superior - e Lula, nesse sentido, foi o primeiro presidente eleito no pós-ditadura a fazer algo nesse sentido.
Evidentemente, esse algo é muito complexo, insuficiente sob vários aspectos, positivo sob tantos outros, mas graças a falta de qualificação da crítica ao Governo Lula - seja à direita ou à esquerda -, o máximo que vemos é uma direita entrando com uma ADIn contra as cotas ou uma esquerda rechaçando tudo que envolve o REUNI, jogando fora a água do banho junto com a criança. Enfim, é a falência da crítica, o que é reflexo e ao mesmo tempo agravante dessa letargia do debate público.
abraços
Hugo,
ResponderExcluirNão vejo como meu post poderia superar o seu, ainda mais agora que este foi complementado com essa definição irretocável dos professores capazes, a um tempo, de ler Marx e de mandar "às favas seus escrúpulos de consciência em prol de sua carreira acadêmica pequeno burguesa".
E, claro, com a amenção à falência da crítica (acusação à só nós dois estamos salvos..rs.).
E Stalker, gostou?
Um abraço,
Maurício.
Que é isso, Maurício, bondade sua - tudo bem, reconheço, foi uma boa cutucada essa minha, mas o que eu tenho vivido tem ajudado a me tornar uma pessoa mais ácida e dar as minhas estocadas...
ResponderExcluirOntem, assisti metade de Stalker, Vou ver o resto hoje - e espero fazer um post sobre ele também. Achei ele mais complexo e perturbador do que Zerkalo e Andrey Rublyov.
abração
Acho interessantes as análises.
ResponderExcluirMas são um tanto excessivamente apocalípticas.
Os controles implementados no governo FHC foram muito saudáveis, obrigando professores famosos a darem aulas na graduação, e exigindo algum tipo de produção de quem recebia financiamento.
O horror foi o estrangulamento com o fim dos concursos e o reajuste zero em todo o período.
Lula mudou o rumo disso. Sem voltar aos tempo de Sarney, quando o sujeito passava 10 anos com bolsa de doutorado no exterior, não fazia nada e não recebia nenhum tipo de punição.
Onde posso acompanhar, só vejo melhoras na qualidade acadêmica dos cursos. Sou professor de uma faculdade estadual em Curitiba.
Na USP, onde curso doutorado, vejo muitos problemas, mas a reitoria vem implantando políticas de ampliação do acesso a estudantes oriundos de escola pública, e apoio financeiro para que se mantenham no curso. Medida que vem sendo criticada como fim da meritocracia - o mesmo ridículo argumento contra as cotas.
Acho que devemos encarar o fato de que o ensino superior tem que ser massificado, com todas as conseqüências decorrentes disso.
Também não vejo contradição entre ler Marx e seguir uma carreira pequeno-burguesa. Não espere que todos os professores sejam revolucionários...
André,
ResponderExcluirTambém achei interessantes as suas observações; eu acredito que seja mesmo pela via do diálogo e do compartilhamento das nossas experiências - e perspectivas - individuais que podemos chegar a visão mais ampla e suficiente.
Quanto as minhas análises, não diria que elas foram apocalípticas, mas sim um tanto angustiadas: muito em virtude da minha percepção de como o potencial de produção da Academia poderia servir pra sanarmos muitas de nossas necessidades sociais, mas como isso é bloqueado pelo capitalismo - seja ele de modo geral e também o pelas idiossincrasias disso que é o nosso capitalismo.
Concordo com essas medidas específicas de controle que FHC estabeleceu, pena que elas não vieram juntas de um programa de investimento em extenção e pesquisa nas federais ou em salários e na criação de planos de carreira nas federais por exemplo - o que, de modo tênue, só veio a acontecer agora no Governo Lula.
Ademais, creio que houve um equívoco no seguinte: Eu não disse que vejo contradição entre a leitura de Marx e o exercício de uma carreira pequeno-burguesa, mas sim que coloca-la a frente de tudo aquilo que uma pessoa diz acreditar é hipócrita assim como também não escrevi que desejo que todos os professores sejam revolucionários - na atual conjuntura, se metade mais um daqueles que se dizem de esquerda tivessem honestidade intelectual, já estaria bom pra mim.
abraços
Entendi.
ResponderExcluirTambém concordo que é muito mais fácil ser esquerda no discurso que na ação.
Criticar o que julga errado também é mais fácil que trabalhar para fazer o certo. E vemos muito comodismo entre os professores de universidade e mais ainda entre os gestores públicos do setor.
Em geral a nova geração que está entrando agora parece mais esforçada. Com o longo tempo sem contratação de professores, a disputa por um cargo de ensino superior é hoje bastante forte, mesmo com os salários tão achatados.
Vejo como os grandes problemas do ensino superior público hoje a falta de funcionários técnico-administrativos e suas difíceis condições de trabalho. Também a precariedade das instalações físicas (salas de aula, bibliotecas, equipamentos). E, pior de tudo, a exigência de que os professores cumpram funções administrativas, o que absolutamente nonsense, e o pior é que os próprios professores não abrem mão disso (muita burrice).
Realmente o governo FHC adotou a política deliberada de sucatear todo o serviço público para gastar todo o dinheiro do tesouro para pagar uma SELIC escorchante. Não é nem Estado mínimo, mas Estado máximo para o capital financeiro ao mesmo tempo que mínimo para o conjunto da sociedade. As mudanças no governo Lula foram mesmo muito tímidas...
André,
ResponderExcluirSim, pelo visto chegamos em um entendimento. No que toca o primeiro parágrafo, concordo plenamente - e você não tem ideia como; fazer política estudantil com o mínimo se seriedade é o tipo da coisa que dá asia.
Sobre a questão que você levantou no penúltimo parágrafo, é perfeita e eu esqueci de colocar no post: Essa história de docentes exercerem funções técnico-administrativas é um tiro no pé. Primeiro que quem realmente dá aulas e pesquisa não tem tempo para bater o escanteio e fazer o gol de cabeça - tirando honrosas exceções, acaba vicejando mesmo uma verdadeira casta de burocratas, fenômeno o qual, aliás, é a pedra de toque para se entender o caos da PUC-SP de uns anos para cá.
E a definição de Estado máximo para o capital financeiro para o Governo FHC é precisa e preciosa - o bom e velho Chomsky, no fim das contas, faz sentido cada vez mais.
abraços