domingo, 20 de setembro de 2009

O Escudo Antimíssil, Obama e a Rússia

A Rússia, desde Napoleão, é um país em permanente estado de sítio com momentos de mais ou menos arrocho; da vitória contra o Imperador francês até a derrota em Sebastopol, o país viveu um momento de relativa tranquilidade. Dali até a Primeira Guerra Mundial, se tornou quase um vice-reino das potências europeias ocidentais enquanto sua sociedade se transformava internamente de forma profunda. A destruição do país na Primeira Guerra e a Revolução Bolshevik botaram a Rússia novamente no mapa. Do Cordão Sanitário de Clemenceau até a Invasão Nazista, o país se viu entrincheirado. Da vitória na Segunda Guerra Mundial até o Governo de Chernenko, o país permaneceu cercado, mas tendo uma zona de manobra no leste europeu - eis a famosa Guerra Fria. De Gorbatchiov em diante, as coisas chegaram em estágios gravíssimos - que se consolidaria com o escudo antimíssil, um dos carros-chefe da política de bushinho e que serviria, supostamente, para proteger a Europa Ocidental de investidas iranianas, algo risível, convenhamos.

Há pouco dias, no entanto, o Governo Americano recuou em relação à construção do escudo antimíssil no Leste Europeu. Tal escudo se constituiria em um complexo e moderno sistema de radares na República Tcheca conjugado a bases de lançamento de mísseis instaladas na Polônia. Portanto, esse deve ser o primeiro recuo americano no que toca sua política de cerco aos domínios de Moscou desde o fim da Segunda Guerra Mundial - e, especialmente, dos anos Gorbatchiov para cá, onde o líder soviético, também conhecido como a Velhinha de Taubaté do Ocidente, conseguiu piorar as coisas para seu próprio país ao trazer o Cordão Sanitário para suas fronteiras. É uma vitória política do federação de Oligarcas que sustenta o curioso Rússia Unida, curiosa agremiação partidária que se mostra como uma espécie de partido único, só que dissimulado, da Rússia contemporânea. É o partido que apóia Putin, ainda que o atual primeiro-ministro não seja filiado formalmente a nenhum partido político.

Também é um lance razoável da administração Obama. Já disse aqui e insisto: Os EUA, a cada ano que passa, perdem uma fatia da economia mundial e hoje a proporção do PIB mundial que eles possuem é menor do que a soma das economias de Brasil, Rússia, Índia e China - o chamado BRIC. Portanto, tentar suprir perda de poder econômico com aumento do poder militar é a melhor estratégia para o desastre - se o chamado keynesianismo de guerra fosse uma saída sustentável, o país não se encontraria nessa situação nem a União Soviética teria quebrado. O que o papel de um presidente americano hoje é, sobretudo, construir estruturas multilaterais de natureza econômica e também de segurança para tirar o ônus do país seja de polícia ou de centro da economia mundial. Haverá quem diga que eles não farão isso porque é disso que os EUA vivem, mas aí eu responderei que é até a página 2; poderosos grupos com uma influência gigantesca em Washington vivem disso, mas o povo americano, de Reagan para cá, tem, na verdade, arcado com o ônus; a economia do país é, na verdade, parasitada por esses grupos.

A grande pergunta a ser respondida no que concerne ao futuro dos EUA é até onde Obama e seu grupo de reformistas tem poder, capacidade e disposição para promover a mudança estratégica que o país precisa - e, note, trata-se de uma das maiores e mais necessárias mudanças desde o New Deal. Por outro lado, esse recuo americano em relação ao Leste Europeu, pode ter desdobramentos na relação entre Moscou e Caracas, o que pode fazer o romance entre os dois arrefecer rapidamente - ainda que entre a variável de que os russos têm na exportação de armamentos o seu segundo sustentáculo econômico, perdendo apenas para a exportação de hidrocarbonetos; ainda assim, se no cálculo de forças compensar, pisar no freio no que toca Caracas não me parece impossível. Aliás, um movimento nesse sentido não seria bom para o Brasil por conta da penetração militar americana na região, seja com a IV Frota ou com as bases colombianas (enfim, quanto mais forte for esse foquinho anti-americano na Venezuela, melhor para o Brasil).

Ganha também o povo da Europa Oriental, colocado em perigo por suas lideranças corruptas e entreguistas que há anos têm aceitado ser o Cavalo de Tróia dos EUA na região, seja por meio do frequente boicote aos russos ou na sabotagem do projeto europeu. Os russos em si, vão ter um pouco mais de espaço de manobra para respirar, o que é importante nesse momento, onde as falhas do modelo que Putin implementou há dez anos atrás vieram à tona de maneira catastrófica com a atual Crise Mundial. No cômputo geral, creio que o mundo saiu ganhando com isso daí se pensarmos no longo prazo.

Atualização das 15:47: Acrescentei um link do Time que eu pesquei no NPTO bem onde eu tinha escrito Velhinha de Taubaté do Ocidente - honestamente, creio que nem mesmo o mais ocidentalista líder ocidental da História chegou a acreditar tanto nesta banda do mundo quanto Gorby; o negócio era tão bizarro que Mitterrand e Thatcher chegaram a pensar que tudo aquilo se tratava de algum plano genial dele...

2 comentários:

  1. Os EUA tiram os olhos da Europa Oriental e colocam na América Latina, seu quintal mais tradicional e uma presa mais fácil para suas armas.

    Afinal, os EUA podem não ter mais cacife pra ser polícia do mundo, mas deixar a América Latina escapar? Logo nós que fomos os primeiros a sentir o crescimento do big stick ianque em direção ao império? Ah não, se uma ordem multilateral está se formando o quintal dos EUA tem que ser maior, pra aumentar o poder de barganha, e é ai que nós entramos não é?

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  2. Enrico,

    É mais ou menos isso. Uma espécie de recuo tático, mas mantendo o controle do quintal - o que ainda assim é um erro grave numa perspectiva de longo prazo, afinal, essa não é a saída mais efetiva para se afirmar o poder político na região na medida em que foi criada uma zona de tensão que contamina o presente ao mesmo tempo em que jamais poderá ser detonada (a menos algum maluco queira arrastar o continente inteiro num rodamoinho). Obama, no entanto, jogou para a torcida, mas sua esperteza ambigua na condução de política para com a região está implodindo as pontes para o futuro, o que não é bom para ninguém.

    abraços

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