quinta-feira, 8 de outubro de 2009

A Itália de Berlusconi



é um país assustador, sem dúvida. Desde que a República foi posta abaixo na Roma Antiga, os italianos se encontram às voltas com figuras bisonhas na Política de tempos em tempos; elas não apenas representam um tom trágico para a política daquele país como também imprimem um certo ar cômico; de um Calígula até um Berlusconi passando por um César Bórgia, resta um algo de terrível somado ao mais profundo ridículo.Para se ter uma ideia do que é o atual premiê do país, Silvio Berlusconi, é preciso imaginar o que daria uma mistura de Silvio Santos, Paulo Maluf e Don Vito Corleone. Agora, imagine isso governando o seu país. Bem-vindo à Itália.

A Itália que chega a essa situação é o país que passou séculos fragmentado, convivendo com guerras fratricidas que decorriam tanto do ímpeto dominador de monarcas de toda Europa como da canhestrice dos seus líderes regionais - para o horror de gênios como um Dante ou um Maquiavel - para depois ver que da sua reunificação nasceu um país disfuncional; é esse o terreno fértil que produziu o Fascismo, uma ideologia que resultou em um movimento social e político cujo precursor, o jornalista Benito Mussolini, acreditava em um Estado forte como articulador das relações entre capital e trabalho para assim, corporativamente, construir uma espécie de utopia pós-liberal e anti-comunista - o sistema ideal para sustentar o Capitalismo. Sua fantasia nacionalista e autoritária era fruto de uma óbvia exacerbação do romantismo: O que se refletia por meio de sua visão idealista de História que o fez buscar no ufanismo em relação ao passado glorioso da Roma Antiga as bases e as palavras de ordem para levar esse projeto adiante.

O Fascismo deixou marcas difíceis de apagar em toda a Europa a ponto de virar um termo lato - e o próprio Fascismo italiano ser visto como tipo estrito emparelhando-se com o Nazismo, o Salazarismo e o Franquismo em um organograma da Ciência Política, ainda que historicamente os tenha antecedido e inspirado - assim como inspirou boa parte da ideias por detrás do nosso Varguismo. Como os demais regimes fascistas na Europa, o Fascismo acabou com seu próprio país enfiando-o de cabeça na Segunda Guerra Mundial. O país que emerge do conflito está destruído e vivendo uma profunda crise de valores; nesse quadro as forças esquerdistas tornam-se um poderoso elemento político e causam preocupações severas nas potências ocidentais.

A Itália do pós-guerra é uma república parlamentar na qual a
Democracia Cristã surge como força hegemônica amparada pela Igreja, pelos setores conservadores do país, pelos EUA e pela própria Máfia enquanto o Partido Comunista Italiano, maior agremiação comunista da Europa Ocidental se afigura como uma força política enormíssima - mas o Partido de Gramsci não consegue ser suficientemente duro para fazer a Revolução nem suficientemente flexível para se tornar governo e o jogo político fica na mão dos democratas cristãos pelas décadas seguinte. Esse cenário piora nos anos 60 e 70 quando as contradições da industrialização tardia, regionalmente desequilibrada e socialmente desigual produz as inquietações políticas que tornaram aquela época conhecida como os anos de chumbo - época em que parte da esquerda partiu para a luta armada, a direita praticava atentados sob bandeira falsa e a máfia grassava.

No fim dos anos 80 e início dos anos 90, a velha ordem do pós-guerra é alterada quase como por um vendaval; o colapso soviético joga o PCI numa desnecessária - e fatal - crise e a operação mãos limpas simplesmente liquida com a Democracia Cristã revelando a ligação de boa parte de seus membros com a máfia. Resta um vazio político - uma crise de hegemonia, como diria Gramsci. No fim dos anos 90, isso é preenchido com o primeiro governo de esquerda do país; aquele liderado pela Democracia de Esquerda, uma das agremiações que sucederam o PCI; em seu comando estão Romano Prodi e Massimo D'Alema. Isso, no entanto, não muda a sorte italiana produzindo os estragos necessários para que Berlusconi suba ao poder depois de uma breve passsagem pelo poder após o Governo Ciampi.

Nosso personagem, um ex-crooner, magnata das comunicações, dono de um time futebol, conquistador e político nas horas vagas é a figura burlesca que vai dominar a cena política italiana no início do século que começa por cinco anos - sendo um dos mais fiéis aliados de Bush na Europa Ocidental. Seu Governo é marcado por um corrupção aguda severa e por uma inoperância ímpar. Romano Prodi, por meio de uma ampla aliança de esquerda e centro o derrota em 2006 para ver seu governo virar água em pouco menos de dois anos e assim permitir que Berlusconi volte. Por ora, os holofotes da mídia preferem se voltar para os chocantes - mas politicamente irrelevantes - acontecimentos de sua vida privada, esquecendo do mais importante que é a profunda crise política e social que persiste na Itália.

Há poucos dias, o Tribunal Constitucional Italiano declarou incontitucional a lei que garantia a imunidade do chefe de governo e agora ele irá responder às toneladas de processos nos quais é réu como um reles mortal. Sem dúvida, uma decisão política da suprema corte italiana movida pelo desespero de ver a chefia de governo do seu país sequestrada por um louco - e ainda há quem leve a sério o que as autoridades italianas falem a respeito do processo de extradição de Cesare Battisti. Do ponto de vista partidário, temos o início do fim de Berlusconi, mas a pergunta que fica é: Após o dilúvio, o que virá?

2 comentários:

  1. Hugo,

    Se:

    Berlusconi = Silvio Santos + Paulo Maluf + Vito Corleone

    A probabilidade do 'padrinho' se safar dos processos, mesmo sem a garantia de imunidade, não é desprezível.

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  2. Luis,

    Do ponto de vista judicial, sem dúvida. O meu palpite, no entanto, diz respeito à vida político-partidária dele e se baseia nas movimentações políticas que levaram o Tribunal Constitucional a tomar essa atitude - bem como as movimentações que já estão acontecendo na própria base de Berlusconi para derruba-lo; por enquanto, o atual premiê italiano é o idiota útil que o establishment italiano(um dos menos sofisticados da Europa Ocidental) usa para manter as coisas "no lugar", no entanto, os desgastes que ele anda provocando estão minando o seu nome e o tornando um incômodo. Nesse exato momento, estão procurando uma saída razoável para ele. Enfim, é como eu frisei no finalzinho do post: Do ponto de vista partidário, temos o início do fim de Berlusconi.

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