sexta-feira, 9 de outubro de 2009

MST

(Eldorado dos Carajás)

Já estava devendo uma postagem sobre o MST há tempos. Em especial, quando a nova escalada de histeria contra o movimento se acirrou com o assassinato de Elton Brum da Silva, trabalhador rural sem-terra, nos fins de agosto no Rio Grande do Sul - a tese VIII de Benjamin sobre a História faz um enorme sentido quando analisamos a situação agrária nacional; o estado de exceção é mesmo regra geral, apenas existem momentos em que as coisas estão mais ou menos tensas (e neste momento, ela é enormissíma).

Brum foi assassinato com doze tiros nas costas pela Polícia gaúcha e se tornou mais um mártir na luta por dignidade e justiça social no campo. Vejam os senhores que após isso, a mídia corporativa nacional encampou uma campanha fortíssima ao pior estilo cortina de fumaça; de repente, surgiram 'denúncias' sobre um 'escandalo' envolvendo financiamento público para entidades ligadas ao MST na capa de um famoso semanário noticioso e, logo depois, a bancada ruralista tirou da manga o seu factóide ao tentar puxar uma CPI em relação a isso.

Isso resultou em uma pesada reação de intelectuais de todo o mundo que encaparam o Manifesto em Defesa da Democracia e do MST , o que serviu como um belo instrumento de pressão política, ajudando os setores democráticos do Congresso a, felizmente, barrarem tal movimentação - um jogo diversionista dos mais cínicos entre os tantos jogos diversionistas cínicos da nossa história; imaginem: subitamente, o fato de um trabalhador rural ter sido brutalmente assassinado por uma autoridade - em um contexto de verdadeira guerra civil decorrente da mais aviltante concentração de terras do mundo contemporâneo -, precisa ser escondido e jornalistas e políticos se prestam a tal serviço.

Talvez, no alto de sua iniquidade, temiam que isso gerasse algum tipo de propaganda positiva para o movimento, pois é assim que eles, em sua torpeza, entendem que foi Eldorado dos Carajás - um dos episódios dos mais hediondos da era pós-88; aliás, foi aí que ouvi falar do Movimento pela primeira vez na minha vida. Agora, a nova jogada dentro da atual rodada é a campanha de difamação promovida pela mídia corporativa contra a ação do MST em uma fazenda do interior paulista que, na verdade, não passava de uma terra da União grilada por uma corporação que atua no Agronegócio, mais especificamente, na plantação de laranjas para exportação. Isso rendeu um dos mais belos posts que eu li nos últimos meses nessa blogosfera de meu Deus - lá no blog do grande Maurício Caleiro:

"O MST é detestado por todos: da direita ruralista à esquerda chavista, passando por tucanos, petistas, psolentos, verdes, azuis e amarelos. Mesmo os que fingem apoiar o MST o detestam.Isso porque há uma antipatia ancestral e inata contra o MST, esse arquétipo de nosso inconsciente coletivo, esse cancro irremovível que insiste em nos lembrar, mesmo nos períodos de bonança, que fomos o último país do mundo a abolir a escravidão e continuamos sendo uma porcaria de nação que jamais fez a reforma agrária.

O MST é o espelho que reflete o que não queremos ver.

Há duas questões, na vida nacional, que contradizem qualquer discurso político da boca pra fora e revelam qual é, mesmo, de verdade, a tendência ideologica de cada um de nós, brasileiros: a violência urbana e o MST. Diante deles, aqueles que até ontem pareciam ser os mais democráticos e politicamente esclarecidos passam a defender que se toque fogo nas favelas, que se mate de vez esse bando de baderneiros do campo, PORRA, CARAJO, MIERDA, MALDITOS DIREITOS HUMANOS!

O MST nos faz atentar para o fato de que em cada um de nós há um Esteban de A Casa dos Espíritos; há o ditador, cuja existência atravessa os séculos, de que nos fala Gabriel García Márquez em O Outono do Patriarca; há os traços irremovíveis de nossa patriarcalidade latinoamericana, que indistingue sexo, raça, faixa etária ou classe social:

O MST é o negro amarrado no tronco, que chicoteamos com prazer e volúpia.

O MST é Canudos redivivo e atomizado em pleno século XXI (...)"

Sem dúvida, o MST é tudo isso e muito mais; ele é uma das muitas possibilidades que o perene estado de exceção do campo poderia ter produzido - e é a melhor que poderia ter se tornado realidade em um país como o nosso, onde nem mesmo as possibilidades razoáveis se concretizam. O MST é isso justamente pelos motivos que o Maurício nos aponta: Ele nos joga na cara, sejamos direitistas, centristas ou esquerdistas, a terrível verdade sobre a qual esse país foi construído; aquilo que mesmo os oligarcas que o produziram têm coragem de olhar; aquilo que os liberais não sabem explicar; aquilo que faz os social-democratas corar; aquilo que humilha os socialistas atestando o seu fracassar. Essa terrível verdade é o inominável abismo que choca qualquer vivente que se presta a encara-lo. Que desenvolvamos a coragem de encarar esse abismo e usemos isso como o elemento motivador da nossa ação - e que ela seja definitiva e, sobretudo, verdadeira.

3 comentários:

  1. Hugo, meu caro,

    Belíssimo post. A menção a Benjamin faz mesmo todo o sentido, assim como o desvelamento do diversionismo cínico e orquestrado dos ruralistas e da mídia em peso.

    Fiquei muito lisonjeado não só com a longa citação mas em constatar que você captou a essência última do que quis dizer com meu post. Muito obrigado.

    A menção ao abaixo-assinado internacional mostra que, como em Honduras, nossa mídia teima em uma posição que vai contra os pressupostos - nem vou dizer do bom senso, que já seria esperar demais, mas da decência.

    Confesso que não tinha atentado para o fato de que Elton Brum fora assassinado com 12 tiros pelas costas... agora vejo que o cinismo de nossa mídia vai sempre mais longe do que imaginamos, pois ainda houve quem sugerisse que foram tiros acidentais....DOZE tiros acidentais???

    (Vamos ver se este comentário vai...)

    Um abraço,
    Maurício.

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  2. Era a porcaria do Firefox. Com o Internet Explorer foi.

    Não postei seu último comentário pras pessoas não acharem que seu blog estava com defeito.

    Se quiser, apague este comentário depois. Abs.

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  3. Maurício,

    É duro ver como as coisas se ligam e a mídia fica procurando fatos que tentam provar o quanto o MST é mauzinho - só para dar a ideia de que o assassinato de Elton Brum, quem sabe, possa ter sido 'justo'. No demais, é isso mesmo: Como é interessante ver a cobertura que dão na mídia estrangeira sobre o momento em que vivemos e o que está sendo dado por aqui - no fim das contas, as viúvas dos anos FHC se parecem muito com as viúvas do Império, as viúvas da República Velha, as viúvas da Ditadura...A diferença é que antes a imprensa assumia uma posição progressista que silenciava os muxoxos reacionário; o oligolpólio, agora, está fazendo agora com que ele seja ecoado!

    Sobre o blog, eu fico feliz que você tenha conseguido postar, já tava preocupado com isso ;-)

    abração

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