domingo, 15 de novembro de 2009

O Analfabetismo Político de Caetano Veloso

Não comentei nada sobre a entrevista em que Caetano Veloso tacha Lula de analfabeto porque na medida em que vou ficando velho, menos paciência eu tenho para esse escrever sobre esse tipo de coisa. No entanto, o pedido de desculpas da própria família dele é um fato novo suficientemente relevante para que eu me mova - e para que Caetano cave um buraco no chão e enfie sua cabeça nele, caso tenha um pouquinho de senso do ridículo - porque a fala dele entrou no rol das coisas consensualmente patéticas. Diz a nota:


"Venho a público esclarecer que a recente declaração, feita pelo cantor e compositor Caetano Veloso sobre o Presidente Lula, não expressa, em nenhuma hipótese, a opinião da família Velloso. Sua matriarca, Dona Canô, por meu intermédio, deseja se dirigir ao Governador Jaques Wagner, a todos os brasileiros e, principalmente, ao Presidente da República, com um sincero pedido de desculpas"

Rodrigo Velloso


Esse tipo de pseudo-crítica é uma mera expressão do que o pior da nossa elite pensa e diz pelos cantos pouco iluminados: Em um primeiro momento, ela é mentirosa porque Lula sabe sim ler; depois, ela é cruel ao extremo, pois grande parte da população brasileira é analfabeta porque não teve as mínimas condições para estudar; ela também é particularmente ofensiva porque Lula, como boa parte dos retirantes que fizeram o caminho Nordeste-São Paulo, teve pouquissímas chances de estudar qualquer coisa e só o fato de ter se tornado torneiro mecânico já é um fato de relevo; ela é improdutiva por completo, afinal, não se presta a analisar o que o atual mandatário fez ou deixou de fazer, mas sim busca ressaltar qual o estereótipo dele dentro da ordem estabelecida em nossa sociedade.


No fim das contas, isso me parece mais um reflexo do pensamento positivista em nossa sociedade: A incompreensão do que é Política e o seu não-reconhecimento como uma arte autonôma, mas como se fosse um espaço vazio que tem de ser ocupado desesperadamente por técnicos e sábios de qualquer outra área - como se domina-la em si, não fosse uma habilidade a parte das demais que, no entanto, trouxesse em seu interior o imperativo de compreender todas elas.

É disso que decorre esse senso comum que produz coisas interessantes como a percepção que aponta o Governo FHC como um sucesso: A ideia de que um membro da elite devidamente diplomado fez um trabalho inferior ao de um reles operário, por mais que os fatos provem o contrário, é inaceitável - e é esse tipo de ataque que, ao contrário de ter enfraquecido, fortaleceu Lula porque ele é, sobretudo, um ataque ao brasileiro médio. Assim, qualquer possibilidade de crítica séria - e necessária - ao Governo atual acaba se perdendo, esvaziada por uma oposição barulhenta e oca.

A Política é a esfera de resolução dos problemas coletivos e também a ação que ali é praticada com essa finalidade. Quando Caetano se envereda para uma crítica bisonha dessas, o único analfabeto que consigo ver é ele mesmo - e um agudo analfabeto político. Se ele realmente acredita que essa argumentação é a melhor para convencer alguém a votar em Marina Silva, creio que as minhas ressalvas sobre a candidatura dela fazem bastante sentido.


4 comentários:

  1. É, caro Hugo, essa declaração de Caetano de que Lula seria analfabeto é simplesmente ridícula. E eu, assim como você, ando meio sem paciência para essas "pseudocríticas". No entanto, uma coisa resta clara: isso denota o desespero das pessoas que não sabem mais o que fazer para derrotar Lula/Dilma.

    Um abraço,

    Bruno

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  2. Bruno,

    Também é parte desse desespero, mas reflete esse senso comum, essa coisa lamentável que enche o ar do nosso país - ainda - além de refletir o caráter elitista que de alguma maneira orbita em torno da candidatura de Marina Silva.

    Abraços

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  3. FERNANDO DE BARROS E SILVA

    Caetano é "neguinha"
    SÃO PAULO - "Marina é Lula e é Obama ao mesmo tempo. Ela é meio preta, é cabocla, é inteligente como o Obama, não é analfabeta como o Lula, que não sabe falar, é cafona falando, grosseiro." Diante da ira que provocou nos companheiros, Caetano Veloso voltou ontem às páginas de "O Estado de S. Paulo" para comentar esse trecho da entrevista que havia concedido.
    O compositor lembrou que o próprio Lula se vangloria da sua fala pouco instruída e que é forte inclusive por isso. E avisou aos petistas: "Dizer que FH era mau governante e Lula é bom é maluquice. Ambos foram conquistas brasileiras importantes. Marina seria um passo à frente". Sobre esse último ponto, podemos brincar: "menas, menas".
    De resto, os embates entre Caetano e a esquerda remontam aos anos febris do tropicalismo. É duvidoso que o lulismo seja de esquerda, mas Caetano, de novo, se põe à esquerda da esquerda, dando mais um nó no coro dos "progressistas": "Detesto essa mania de que nada se pode dizer que não seja adulação a Lula".
    Quem teve a felicidade de ver seu show no fim de semana pôde presenciar a homenagem a Neguinho do Samba, negro semianalfabeto, um dos fundadores do Olodum na Bahia, morto há poucos dias: "Influenciou mais a mim e provavelmente a vocês da plateia do que a obra inteira de Lévi-Strauss. Isso é o que eu teria a dizer aqui sobre analfabetismo e preconceito".
    O ápice, porém, foi a interpretação de "Eu Sou Neguinha?" -acompanhada no palco por uma gestualidade que valorizava de maneira ostensiva e lúdica a interrogação sobre a identidade sexual do cantor.
    Caetano é um dos maiores artistas brasileiros -isso já é sabido. Mas é também um espírito livre e um intelectual incomum num sentido muito preciso (e talvez o único verdadeiramente precioso): sempre está no debate público de sua época sem subordinar convicções e ideias a cálculos táticos ou conveniências políticas. Ousar pensar pela própria cabeça, sem a tutela do grupo ou medo da patrulha da maioria: por que não? Por que não?

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  4. Caro Anônimo, vou por pontos quanto ao comentário do Fernando Barros e Silva:

    1. Uma afirmação como "(...)dando mais um nó no coro dos 'progressistas': 'Detesto essa mania de que nada se pode dizer que não seja adulação a Lula'" é uma baita falácia; desqualificar um governante que teve origens humildes como analfabeto não é dar nó em ninguém, outra é que Caetano há uma grande diferença entre fazer uma crítica qualificada sobre Lula e ofendê-lo de um modo muito comum à parte preconceituosa e anacrônica da nossa elite.

    2. O que quer que ele tenha feito nesse show não muda nada em relação ao que ele disse depois.

    3. Quanto ao última parágrafo, o que dá pra dizer é que quando Caetano taxou Lula de analfabeto, ele se subordinou exatamente às convicções, ideias, cálculos táticos e conveniências políticas do nosso tempo.

    Enfim, eu gostaria de ver Fernando de Barros e Silva comprovando a sua própria teoria e nadando contra a maré, por ora, ele só repetiu o lenga-lenga anti-lulista do seu jornal.

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