quinta-feira, 21 de abril de 2011

Reforma Política

Comissão da Reforma Política - Agência Senado

Até as nuvens sabem que o sistema político brasileiro funciona mal - muito mal, aliás. Agora, finalmente, estamos diante do debate sobre a Reforma Política, promessa de campanha da Presidenta Dilma Rousseff. Por sua vez, o ex-Presidente Luís Inácio Lula da Silva também está cumprindo sua promessa de, uma vez fora do poder, ajudar no processo de reforma - motivo pelo qual já arregaçou as mangas nas discussões públicas. O anteprojeto de tal reforma está sendo produzido no Senado por sua respectiva comissão, presidida pelo Senador Francisco Dornelles (PP-RJ) - e que conta, ainda, com os ex-Presidentes da República e atuais senadores Fernando Collor (!) e Itamar Franco além de nomes que vão de Jorge Viana (PT-AC) até Demóstenes Torres (DEM-GO). 

Essa comissão já divulgou até um documento com os itens que serão considerados na reforma - a saber, modificação do sistema eleitoral para as eleições legislativas (exceto o senado, cuja regra é majoritária como nas eleições para o Executivo), financiamento eleitoral e partidário, suplência de senador, filiação partidária e domicílio eleitoral, coligação na eleição proporcional, obrigatoriedade do voto, data de posse dos chefes do executivo, cláusula de desempenho, fidelidade partidária, reeleição e duração dos mandatos e, por fim, a possibilidade de candidatura avulsa. É evidente, entretanto, que buraco é muito mais embaixo e não serão as meras alterações de regras eleitorais e do funcionamento das instituições - por essas mesmas instituições - que irão mudar uma disfuncionalidade altamente complexa, mas também não seria justo dizer que não existem eixos em pauta que, uma vez aprovados, podem ter um impacto altamente benéfico.

Eu citaria dois pontos centrais nessa conversa toda: a questão do financiamento de campanha e dos partidos e a proposta de mudança do sistema eleitoral (conjugado com a pauta do fim das coligações proporcionais). Hoje, uma eleição custa muito caro no Brasil porque a dinâmica da disputa e a realidade econômica atual as transformaram em um gigantesco espetáculo midiático - que movimenta desde empresas de publicidade até institutos de pesquisa de opinião, passando pela indústria gráfica -, o que, no entanto, esvazia o próprio debate de ideias e leva à corrupção, na medida em que as grandes agremiações tornam-se reféns da necessidade de grandes fontes de receita para bancarem as eleições. Já o sistema proporcional de listas abertas, apesar da boa intenção - fortalecer os partidos sem deixar que a cacicagem ordene a lista -, criou uma fulanização eleitoral que desqualifica a representação - não há debate sobre programas partidários nas eleições, apenas disputas individuais onde cada um vende seu peixe, isto é, sua imagem.

Sobre o primeiro item, não me resta muita dúvida que o financiamento público seja a única saída, mas o único modo para que o caixa dois não continuasse a existir seria que o processo de disputa fosse disciplinado: nada de programas eleitorais pirotécnicos, mas sim debates em locais públicos, quantidade de material altamente reduzido e fiscalizado etc, do contrário a demanda por muito dinheiro continua e a transgressão é certa. Na outra ponta, o sistema de lista fechada seria uma boa saída, desde que os partidos fossem obrigados de maneira mais clara - e com a devida fiscalização - a realizar prévias para ordenar a lista, do contrário, é melhor ficar como está mesmo - já pseudo-soluções como o voto distrital, o "distritão" de Temer ou o energúmeno "distritão misto" de Aécio só servem para favorecer as oligarquias regionais ou aos interesses da cacicagem partidária. O fim das coligações nas eleições proporcionais - o que faz os eleitores, muitas vezes inconscientemente, votarem em uma miscelânea de partidos, unidos por motivos obscuros, quando votam no seu deputado ou na sua legenda - também é essencial para forçar os partidos a apresentarem seus programas de maneira transparente e objetiva - além de servir simplificar o processo eleitoral.

Agora, voltando ao ponto inicial da conversa, não podemos cair no cesto comum do idealismo: a reorganização das regras do processo eleitoral e do funcionamento institucional não substituem a verdadeira resolução do problema - e ela passa pelo que envolve a prática da política, seja dentro dos espaços políticos existentes ou dos que podem ser criados, afinal, não adianta apenas ajustar o processo eleitoral e fazer as instituições funcionarem melhor se, na base de tudo isso, os partidos e as demais organizações políticas continuarem a funcionar da maneira como funcionam, executando projetos que não atingem a causa eficiente dos problemas. Reformas políticas desse tipo - e até maiores - já aconteceram em inúmeros países da Europa, mas não impediram, por exemplo, a falência política da Itália ou a tremenda crise na qual vive o continente. Claro que continuando do jeito que está, o terreno para o nascimento de novas ideias resta cada dia mais estéril, mas de nada adiantará se, uma vez adubada a terra, ninguém aparecer para semea-la.

6 comentários:

  1. Meu caro Hugo.

    O seu texto é lúcido, coerente e convicente.
    Destaco como momento mais orgástico:
    “Eu citaria dois pontos centrais nessa conversa toda: a questão do financiamento de campanha e dos partidos e a proposta de mudança do sistema eleitoral (conjugado com a pauta do fim das coligações proporcionais).”
    A bem da verdade, em nosso sistema político é impossível um governo que não possua como um de seus guias o capital. Todo político que deseje sobreviver tem que se tornar um plutocrata, em caso mais flagrante – ou mais omisso. Sem a carta aos brasileiros, o que seria do PT?
    Os meus temores, minhas angustias, quanto à questão ambiental, humana nas obras do PAC, quanto ao futuro próximo, passam por isso. Até qual ponto teríamos que ceder para que haja valoração da massa salarial? Até que ponto sejamos nós eco-capitalistas, eco-socialistas, ou simplesmente entreguemos a nossa soberania? =(
    São trocas injustas e complexas, complicadas, que, permissa vênia, a massa de militantes do próprio PT rejeitam.
    Que a luz seja jogado neste debate. Apenas posso agradecer por ler linhas tão coesivas.

    Saudações fraternas.

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  2. Obrigado, Tiago, fico grato pelos elogios ao meu humilde post. Sim, eu acredito que a republicanização do processo eleitoral poderia ter efeitos benéficos enormíssimos. Mas não basta tornar o financiamento público, é necessário que se ponha fim à espetacularização das eleições: as disputas precisam escapar à pirotecnia do sistema de propaganda, do contrário isso será uma medida inócua. Fortalecer as eleições para o legislativo também é um bom caminho, mas é preciso salvaguardas quanto às listas fechadas também.

    abração

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  3. Francamente, lutamos décadas pelo direito de votar em nossos representantes e agora querem nos tirar este direito com a tal lista fechada formada por essas organizações criminosas chamadas partidos políticos??? Francamente. Veja o caso da Africa do Sul onde este modelo ditatorial obsoleto não deu certo!!! Eu quero votar no tiririca e pronto!

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  4. Então, Anônimo, menos, menos. Não há nada de "ditatorial e obsoleto" nesse modelo, muito pelo contrário, ele é até mais usado que o nosso sistema - que, na verdade, é uma variante dele. O sistema de lista fechada, desde que haja obrigação legal e fiscalização para que existam prévias nos partidos para ordenar a lista, favorece os programas e as propostas em vez dos candidatos e fortalece os partidos mais sérios.

    Atualmente, votamos em pessoas e não em programas; ainda que a intenção seja boa - ordenar a lista de fora para dentro -, as pessoas não têm consciência que estão votando num partido - e esses, por tabela, se sentem desobrigados de bancarem programas e apresentarem propostas claras.

    A representação parlamentar está fulanizada, como continuaria a ser com o voto distrital - que favorece as oligarquias regionais, produz distorções matemáticas na distribuição dos votos e reduz as demandas sociais às demandas locais - ou, pior, com essa ideia excêntrica de "distritão". Por isso, eu apoio a lista fechada de forma condicionada.

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  5. Hugo, vê-se que vc desconhece as máquinas partidárias e os senhores feudais dentro dos partidos políticos. Essa conversa de fiscalização e fortalecimento de ideologia nas letras de sopinhas partidárias é conversa para boi dormir. O voto aberto é a essência da democracia que tanto lutamos para conseguir. A lista entrega o poder nas mãos de dirigentes partidários que SEMPRE serão corruptos!!! Repito para que você veja o caso da África do Sul. Além disto o modelo de lista é um crime contra a democracia e só favorece sim a ditadura partidária que como qualquer ditadura já nasce velha. Abraços.

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  6. Então, Anônimo, creio que o seu argumento esbarra nele próprio: se o sistema de "voto aberto" [sic] - na verdade, em listas abertas - é tão bom, como podem existir senhores feudais dentro das máquinas partidárias mesmo assim? O voto, dentro de um sistema de listas fechadas, não muda nada, apenas deixa de ser fulanizado e destina-se à instituição partidária, o que as obrigaria a mostrar a que vieram e discutir conteúdo programático. E a corrupção não é um ponto fora de curva em matéria de política, mas a mudança do financiamento de campanha pode ajudar a diminuir muita coisa sim.

    abraço

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