sexta-feira, 27 de maio de 2011

#DitaduraSP: Kafkopólis

Paulo e Barnabé em Listra -- Berchem
Ai de vós, doutores da Lei e fariseus hipócritas, porque pagais o dízimo da hortelã, do funcho e do cominho e desprezais o mais importante da Lei: a justiça, a misericórdia e a fidelidade! Devíeis praticar estas coisas, sem deixar aquelas. Guias cegos, que filtrais um mosquito e engolis um camelo!
(Mateus 23:23, 24) 


A minha tarde de sexta-feira começa com um cervejinha com os amigos, logo depois da aula, para (tentar) aliviar os males da alma - inerências de uma semana inteira sentado nos bancos da [anódina] faculdade de letras jurídicas na qual este pobre redator estuda. Depois disso, segue-se uma viagem tortuosa para os confins da região metropolitana - para lardocelar - e, uma vez nos meus aposentos, costumo dormir um pouco. Ao acordar, entro na Internet a espera de uma pequena vitória, uma microscópica boa nova: já me bastaria a notícia de que, ao menos, resolveram finalmente fechar a Caixa de Pandora dessa vez. Mas não, eu costumo me deparar com alguma notícia terrível - e elas andam piorando, sobretudo quando tratam de São Paulo, tanto que eu estou começando a desenvolver um senso de humor perverso diante da desdita. Eis que desta vez a notícia é não apenas terrível, ela é simplesmente jocosa: depois da proibição da Marcha da Maconha no sábado passado - e é uma tristeza ter de explicar aos magnânimos doutores da Lei que propor manifestações pacíficas por mudanças legais é perfeitamente constitucional -, agora, a resposta para aquela proibição, a Marcha da Liberdade, também foi proibida. Desculpem, mas isso é Kafka. Há tempos tenho batido na tecla que os problemas de São Paulo são gravíssimos, mas acho que as coisas saíram do lugar desta vez; os processos andam se tornando cada vez mais tortuosos, sem saída, prende-se por ter cachorro, prende-se por não ter cachorro; o brejo, companheiros, foi para a vaca. Acho que agora ir à Marcha se tornou fundamental ou, na impossibilidade disso, é fundamental apoiar e cobrir a mobilização. Para além disso, é preciso devir estrategista e pensar com mais seriedade na batalha quotidiana contra esse processo que, Judiciário à frente, na prática instituiu um estado de exceção dentro da faceta cândida do sistema Estado de Direito às custas de um sistema político movido à base de superstições e temores. Nesse confronto diário, também precisamos devir partisans e lutar sem medo nem esperança. Façamos um verdadeiro Estado de Emergência então - e nada melhor do que fazer isso na cidade que carrega o nome do apóstolo Paulo, aquele que sabia que o amor é a única força capaz de suspender a Lei dos homens de forma efetiva.



11 comentários:

  1. Olá. Meu nome é Marco e estou entrando para a blogosfera. Escrevi sobre esse assunto também. Se puder ajude a divulgar, estou no meu terceiro post, ou o que me honraria mais ainda é sinta-se vontade e seja também um leitor dele como sou do seu. hehe. Abraços

    https://laxiome.wordpress.com/

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  2. Bacana, Marco. Fica registrado o teu link, mantenhamos contato.

    abraços

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  3. Não soa kafkiano dizer que é ilegal dizer que é ilegal dizer que uma substância não deveria ser ilegal?

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  4. Sim, soa - assim como ressoa mais kafkiano ainda a marcha da liberdade ter sido proibida, agora o negócio saiu dos trilhos, Brunão.

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  5. Caro Hugo, parace que necessitamos criar uma mobilização nacional pelo direitoa marcha: a marcha pelas marchas... será proíbida por imprecisão. O fascismo príbe, não se explica.
    abraços com carinho, Jorge Bichuetti
    www.jorgebichuetti.blogspot.com

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  6. Perfeito, Jorge, agora tínhamos de fazer a marcha pelo direito de marchar - também conhecido como direito de ir e vir. Mas esse episódio é extremamente útil no sentido de mostrar como se dá o processo de realização do direito; uma vez ficção destinada a organizar vontades, ele depende de toda uma estrutura para a sua aplicação e sua garantia, no qual a jurisdição - a competência para dizer o direito, hoje monopolizada, via de regra, pelos tribunais - torna-se um elemento poderoso que pode, perfeitamente, servir para instituir um estado de exceção e instituir o Fascismo.

    abraços

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  7. se "o brejo foi para a vaca" então é hora de, como diria o mineiro nordestino Dr. João Guimarães Rosa (que aliás era auto-didata em russo-cirílico): "se faz onça de água beber hora" (se em não me engano no prefácio "Sobre A Escova E A dúvida", de Tutaméia; ou então é em Meu Tio O Iauaretê, de Estas Estórias; pode ser que seja do Diário de Paris, de Ave Palavra).

    Mas enfim: é hora de água beber onça; ou água de onça beber hora.

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  8. Jorge, tinhamos de fazer uma Marcha-a-Ré mesmo: todo mundo andando de costas, da República até o MASP. Quem puder vai de tweed, e quem tiver bike de roda-fixa pedala pra trás.

    Como diria Beto Jamaica & Cumpadi Uóxitõ: "issé magnífico, mãe!"

    Sugiro pedir uns jumentos emprestados aos populares blocos (sem CPNJ ou qualquer registro) centenários do Carnaval de Salvador (estavam aí antes de Seo Osmar inventar a guitarrinha elétrica com cepo maciço) O Jegue De Calçola & E Jega de Ceroula, no bairro do Uruguai (Cidade Baixa), e para a Mudança Do Garcia.

    Jumentos que foram jumentamente proibidos pelo MP-BA. Mas, corda de bloco axezeiro-jabazeiro e abadá a mil reais e camarote invadindo a pista e espremendo o folião pipoca pode, né?

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  9. É isso mesmo, Lucas, mas é preciso lembrar que para além de momentos de catarse e de mobilizações específica - e importantíssimas - como essa, existe uma luta quotidiana que precisa ser lutada com obstinação, paciência e pragmatismo.

    abraços

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  10. Olá, Hugo. Sugiro que escreva sobre a Marcha, que ocorreu mesmo proibida. Abraços, Pádua.

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  11. Desculpe mais uma vez pelo Godwin latino-americano, mas tenho que dizer: e depois é na maior das Antilhas onde a Liberdade não tem lugar.

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