domingo, 4 de setembro de 2011

Sobre o Debate Educacional: Uma Crítica ao PNE e ao ME

Dilma e Haddad recebem a UNE
Enquanto no Chile as manifestações do movimento estudantil seguem a todo vapor, com uma adesão e uma transversalidade inacreditável - servindo até de combustível para o movimento por uma nova Constituição -, cá, em terras tupiniquins, o ME segue longe de conseguir ser popular mesmo dentre os próprios estudantes. Atualmente, uma bandeira geral passou a ser empunhada: a exigência de 10% do PIB para a Educação.

Quando falo em bandeira geral, faço referência a algo que parte da própria direção e campo majoritário da União Nacional dos Estudantes (UNE) - que é pró-governo - e também de sua oposição - ligados aos partidos da extrema-esquerda, dentro e fora da UNE. 

Ano passado, não custa se recordar, o quarto colocado nas eleições presidenciais, Plínio de Arruda Sampaio (PSOL), propunha o mesmo para a Educação. Marina Silva (PV) e Dilma Rousseff (PT) falavam em 7% do PIB. Quanto a José Serra (PSDB), eu não me recordo exatamente se ele simplesmente não propunha nada para isso ou se ele simplesmente não explorou o ponto por não considera-lo eleitoralmente relevante.

Eleita, Dilma Rousseff cumpriu o que prometeu e está a defender um aumento progressivo do investimento em Educação para chegar ao patamar de 7% do PIB - como consta no Plano Nacional de Educação 2011-2020, cuja aprovação tramita no Congresso na forma do Projeto de Lei n. 8035/2010, apresentado para o plenário da Câmara ainda nos últimos dias do Governo Lula - por uma negociação capitaneada pelo seu ministro da educação, Fernando Haddad, que foi mantido no cargo pela Presidenta.

Tal Projeto de Lei ainda institui um mecanismo de reavaliação do investimento em educação para o quarto ano de vigência da lei (art. 5º), tendo em vista o devido cumprimento das metas em questão. O que é negativo, em um primeiro momento, é que o debate em torno do tamanho do investimento gire em torno de porcentagem do PIB, o que, à luz da prática administrativa, é apenas um remoto valor referencial. 

O que há de concreto mesmo é a proporção do orçamento, o que é outra coisa. Não que uma coisa exclua a outra, mas seria necessário fixar o quanto do orçamento seria investido, o que não poderia ser contingenciado etc. Ademais, o Estado, não custa lembrar, não tem em mãos a totalidade do valor do PIB e mesmo seu tamanho não é preciso - podendo, inclusive, ter a metodologia de cálculo (logo, o seu valor) modificados. Isso seria um questionamento interessante de ser feito, para além de um disputa por números.

Ainda, por mais que seja louvável o quanto essa agitação do Movimento Estudantil tenha trazido luz ao debate sobre o grande tema esquecido do país, é preciso ir além disso. O que deve ser feito para melhorar a Educação nacional não é difícil, mas sim como fazer isso.


Entre estabelecer metas programáticas e estipular um valor abstrato de investimento, seria necessário pensar nos modos de gestão disso - diria mais: pensar isso por uma perspectiva molecular e não molar.

Não adianta defender apenas certas metas e um aumento do investimento na área para melhorar a educação pública nacional. É necessário ir ao mais simples dessa questão toda, pensar quem sabe, no processo de desburocratização da Educação Pública, escancarado hoje na maneira como a Escola está engessada pela burocracia estatal que decide seus rumos por meio de políticas massificadas. 

A reconstrução da carreira magisterial não se limita à recomposição salarial e à instituição de planos de carreira, mas sim também a retomada da figura do professor como uma entidade política, dentro de uma Escola inserida na Comunidade a qual pertence. Precisamos de mais autonomia local e menos controle de superintendências de ensino e secretarias de educação. 


No demais, é preciso repensar a democracia universitária, não é possível conviver com autonomia universitária sem o devido contrapeso, uma vez que assim, continuaremos sob o julgo das pequenas tiranias das oligarquias acadêmicas.

É pensar a questão educacional pelo seu aspecto mais elementar e singular para, depois, pensar em como amoldar isso ao Orçamento. Quando o MEC coloca questões macro à luz, é preciso compreender que ele é, afinal de contas, um ministério - e por mais que ele faça parte de um governo de (centro-)esquerda, chefiado por um político de esquerda, seu próprio design jurídico-político o prende ao mundo dos grandes números.


Isso não quer dizer que o Movimento Estudantil não está à altura de debater com o MEC grandes políticas, mas que é um tanto megalomaníaco o ME se pôr a atuar no mundo dos números inalcançáveis e das grandes planilhas, quando ele deveria estar fazendo justamente o contrário, isto é, puxando o Estado para funcionar voltado para o mundo das formiguinhas.


Nos últimos anos, o MEC caminhou mais nessa direção - de uma política do sensível, de uma compreensão do mundo dos números humanamente alcançáveis - por si só do que por qualquer pressão do ME, o que antes de um mérito do primeiro, é um demérito do segundo.


Isso também não exclui chegar a formulação de um número abstrato para o financiamento adequado de uma Educação fundada em um marco público - para não falar em um marco comum, que é o que deveríamos, na verdade, buscar -, mas que a chegada às centenas de bilhões de reais corretas fosse precedida pela pela formulação de comos e porquês.


Portanto, é necessário que o Movimento Estudantil brasileiro coloque esse debate cá em terra em firme, como fez seu congênere chileno, para, a partir de demandas concretas e singulares, conseguir alçar voos mais altos e sustentáveis.


7 comentários:

  1. Hugo,

    muito preciso teu artigo e tua reflexão.

    Mas até condescendente, eu diria.

    Movimento estudantil e sindicatos de professores e funcionários estão há muitos anos envolvidos por uma miopia política terrível.

    Criticam o neo-liberalismo, o Banco Mundial, o FMI, a mercantilização do ensino e quetais.

    Jamais fizeram um movimento com reivindicações palpáveis e, portanto, atendíveis. O mesmo ocorre agora, por exemplo, com a greve dos funcionários da UFPR. Se você tentar descobrir o que estão pedindo, verá que estão lutando contra a "direitização" do governo Dilma, que é algo por demais abstrato para poder dar algum resultado. Chego a pensar que as longas e intermináveis greves são mais por preguiça que por vontade de mudar alguma coisa na gestão da educação.

    Concordo bastante com a questão do percentual do PIB. Isso está longe de ser algo relevante no Plano Nacional de Educação - que tem propostas bem mais práticas e importantes de serem implantadas.

    Eu também fiz uma síntese das propostas do plano no meu blog, e acho que é um bom caminho. Mas não custa lembrar que são apenas diretrizes, não normativas, mas com grande poder de influenciar políticas públicas em todos os níveis.

    http://andreegg.opsblog.org/2011/05/27/o-plano-nacional-de-educacao-2011-2020/

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  2. Vou falar primeira da impressão geral e depois das minhas considerações quanto ao trabalho de "formiguinha".

    A grosso modo, a sua análise reforça minha visão de que você não entende a dinâmica do movimento estudantil. Ainda que ache que você tem alguma razão quando critica as principais bandeiras (embora essas doses de razão não me façam concordar com você, acho que são ponderações interessantes e importantes).

    Bom, aí vem a parte do trabalho de formiguinha. Talvez você tenha razão de que esse trabalho deveria merecer tanta atenção ou mais que o levantamento de bandeiras, mas o que queria dizer é que ESTÁ SENDO FEITO E TEM ALCANÇADO RESULTADOS SIM.

    O primeiro exemplo que me vem à cabeça é o VER-SUS (Vivência e Estágio na Realidade do Sistema Único de Saúde), que era uma espécie de forum de debates entre os estudantes de vários cursos da área da saúde, suas Executivas/Federações e representantes do Ministério da Saúde.

    E para a área de Direito eu citaria que achei muito interessantes no ENED o espaço chamado "ENEDEX" (voltado para programas de extenção na universidade), bem como a articulação que ocorreu com os movimentos sociais para realização de uma sessão do "Tribunal Popular - o Estado Brasileiro no Banco dos Réus" num dos dias. E aliás, ao final, foi passado o informe que está para nascer a (posso ter confundido a sigla, mas era mais ou menos assim) Associação dos Advogados Populares. Já existem os Juízes pela Democracia e Ministério Público Democrático, mas essa nova, de advogados, viria para somar forças na área.

    Enfim, o trabalho de formiga já está ocorrendo, e quando digo isso falo no sentido de tomar cuidado para não tentar reinventar a roda.

    Por outro lado, reinventar a roda não, mas talvez valha a pena reinventar o ciclo.

    A minha crítica à UNE é que seus congressos viraram uma coisa de levantar as bandeiras generalistas, umas contra as outras, em oposição ao trabalho de formiguinha. De forma que é bem o que você falou: é defesa dos 10% do PIB, mas sem entrar em detalhes de como utilizar. É possível que os estudantes de Pedagogia/Educação saibam detalhar melhor. É possível que os estudantes de Serviço Social, que defendem a inclusão de Assistentes Sociais nas escolas, saibam dar outra pista. É possível que estudantes da área da Saúde, que aprovam a decisão governamental de acabar com "asilos" de crianaçs deficientes físícas/mentais para determinar que eles vão à escolas normais, mas sabem que essa a inclusão precisa urgentemente de maior detalhamento (e quando muitos profissionais e militantes dessa causa não sabem que podem existir escolas especialmente desenhadas para essas crianças, desde que sejam sob responsabilidade da área da educação e não tenham caráter asilar - Eu mesmo só soube porque se discutiu isso na Conferência da Defensoria Pública). Mas quem vai ouvir essas propostas de formiguinha num Congresso da UNE?

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  3. (continuação)

    Não vou esconder que acho coisas como Congresso da UNE lamentáveis, em que na ânsia da vitória, se pisa inclusive em bandeiras feministas (infelizmente para além do sentido literal, canta-se músicas machistas de vitória, agridem-se moças de chapas rivais, vide o lamentável caso de abuso sexual na votação de chapas para o CONUNE na PUC-RS).

    Aí vem o Taquaral por exemplo defender a UNE, e ele citaria ações concretas como projeto Rondon, ou os projetos culturais da UNE. Mas tá, mais trabalho de formiguinha, que tem pouco espaço no calor do congresso.

    Então eu também lamento algumas dessas bandeiradas em detrimento de discussões de formiguinha.

    Inclusive o caso do VER-SUS é exemplo do que lamento: Quando se viu que o governo Lula não iria atender as expectativas, houve uma série de saídas de espaços para mostrar descontentamento. A exemplo de que no comecinho existia o CDES (Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social) que se esvaziou. Os movimentos foram saindo mesmo. Quando o movimento estudantil resolveu sair do ENADE eu concordei pois era uma medida de mostrar descontentamento com o governo. Mas pela mesma justificativa foi proposto e aprovado a saída do VER-SUS, que a meu ver estava sendo uma experiência tão rica que valeria a pena tentar continuar.

    Mas provavelmente saiu uma bandeira de "rompimento com governo" e assim foi aprovado o boicote ao ENADE junto com não-comparecimento às reuniões do VER-SUS, me me pareceu jogar a água do banho com o bebê junto.

    Enfim é isso que queria pontuar: de fato o lado tem discussões que precisam ser mais de formiguinha que de bandeiradas.

    Aliás a avaliação do ENADE, me fez lembrar que o ENED aprovou resolução comtra o exame da OAB. Como isso envolve a regulamentação da profissão, é exemplo de assunto que não pode ser simplesmente uma bandeirada a ser dada na cabeça da OAB. É necessário o trabalho de formiguinha para discutir como fazer para fechar as faculdades ruins, como avaliar o advogado, se a sociedade tem o direito de saber se o advogado é bom, e em que aspectos (e a filosofia e outras matérias?).

    Na discussão da obrigatoriedade ou não do diploma de jornalistas, o movimento estudantil de Comunicação Social parece que conseguiu fazer a discussão de formiguinha, talvez seja esse um dos bons exemplos.

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  4. Perfeito, Célio. O que eu proponho é um trabalho de formiguinha, mas longe de ser atomizado ou alheio ao todo, só que parta de cima para baixo para fazer os céus descerem à terra - do contrário, estaríamos ainda em Hegel e o meu interesse é ir para além de Marx. Nisso, creio que concordamos. Quanto ao Movimento Estudantil, talvez você entenda ele melhor do que eu (ou menos pior), mas o fato é que em muitos momentos nem mesmo ele se entende e se fecha dentro de seu próprio mundo - e, justamente por isso, eu paro onde eu me encontro e nem me adentro mais; sou da multidão.

    abraço

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  5. Bacana, André. É por aí mesmo: pense-se o que pensar, mas o ME está partindo demais de modelos abstratos e formas ideais. Para quem tanto reivindica Marx e seu legado, isso é totalmente lamentável, sobretudo porque tantas bandeiras válidas estão sendo queimadas nesse processo que eu nem sei dizer...

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  6. Olá, Hugo! Você poderia explicar melhor a diferença entre o Orçamento e o PIB e como isso reflete nas reivindicações? Grata!

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  7. O orçamento não é fruto do PIB?

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