quarta-feira, 16 de novembro de 2011

A Itália e o seu Bello Monti

Monti em coletiva de imprensa hoje
Não, eu não podia perder a piada. Embora estejamos a falar sobre algo que, certamente, tenha mais contornos trágicos do que cômicos: hoje, a Itália testemunhou o anúncio de que  Mario Monti aceitou o cargo de primeiro-ministro. Daí, vocês perguntam: quem elegeu Monti? Ninguém. A que partido ele pertence? Nenhum. Onde está a democracia na Itália? Na melhor das hipóteses, em alguma loja de penhores. O burocrata Monti, sob os auspícios da sua capacidade "técnica" e de sua credibilidade - junto aos bancos -, é um recém-nomeado senador vitalício: láurea curiosa dentre láureas curiosas existentes naquele país, ela consiste na nomeação, pelo Presidente da República, de qualquer cidadão local, por seus préstimos à pátria-mãe, como parlamentar perpétuo, somando um total de cinco na câmara alta daquele parlamento - o que não se confunde com os senadores de direito e vitalícios, isto é, todos os ex-presidentes da república, como disposto imediatamente antes no mesmo artigo daquela Constituição.

A recentíssima nomeação de Monti - no dia 09 deste mês -, pelo Presidente Giorgio Napolitano, sequer é capaz de esconder que seu verdadeiro motivo repousa menos nos méritos do nomeado do que na crueza da conspiração para arrancar Berlusconi do poder - e substituir-lhe por alguém de confiança da Troika, o triunvirato formado pelo Banco Central Europeu, FMI e a própria UE, que tenta salvar uma unidade monetária falida, de acordo com os interesses do bancos, a qualquer custo e do jeito errado. 

E se um monstro de três cabeças manda na Europa hoje, também fazemos questão de  reiterar novamente que uma aparente quimera de duas cabeças continua a determinar os rumos da Itália (dentro do que ela ainda pode se determinar, mesmo que seja para obedecer ordens): é a criatura que emerge do Compromisso Histórico, marcada pela inusitada aliança entre democratas cristãos e comunistas, que revela, no entanto, a ligação íntima entre os políticos tradicionais e os apparatchiks reacionários nos quais se tornaram os membros do que foi o partido de Gramsci.

Napolitano quer fazer tudo parecer o mais legítimo possível, dando cores de transitoriedade à pílula, o que esbarra na não convocação de novas eleições até agora: assim, Monti deve guiar o governo até, no mínimo, 2013 - embora ele tenha sido nomeado há apenas sete dias para aquela Casa, é bom lembrar que tal parlamento tem mandato de cinco anos e foi eleito em 2008. Esse curioso interregnum branco reserva aos italianos ajustes duros, com a suspensão de direitos sociais e um arrocho nunca antes visto. Seu modelo -político e econômico -, não por coincidência, foi implementado nos últimos dias pela Grécia com Lucas Papademos e parece se tornar uma tendência na Europa.

O ridículo do conceito de governo técnico grassa. Antes de mais nada, tomar o conceito de técnica como um conjunto de saberes neutros, "objetivos" e universais, já é por si só absurdo - seja na etimologia ou na lógica -, imagine supor que esse tipo de saber pudesse ser aplicado na chefia de governo de seja lá onde for: é como se as decisões pudessem ser exatas. Um mundo de necessidades extremas como regra - uma construção ideológica que visa naturalizar a emergência enunciada e alude, é claro, ao franco autoritarismo. É um velho binarismo sujeito-objeto servindo ao enquadramento das multiplicidades, produção de subjetividades em larga escala, produção de caminhos únicos do outro lado para contê-las.

A dívida italiana é impagável nas atuais circunstâncias. Seja pelo salvamento irresponsável do sistema financeiro, sem garantias de devolução aos cofres públicos daquilo que foi de lá para os bancos, seja pela dinâmica do Euro, completamente inviável para grande parte de seus signatários. Os 7% de juros sobre os títulos da dívida italiana, que representa mais do que a totalidade do PIB local, são o fim da linha do bem estar e importam em cortes impraticáveis, mas que vão ser levados a cabo pela banca - portanto, apertem os cintos. O sucesso da democracia social europeia, com isso, cai por terra, miragem que sempre foi: a máquina teológica-política chamada Estado estará sempre vinculada à economia da dívida, não à factualidade da dívida, mas ao permanente endividamento que sempre volta para cobrar sua conta. Como o velho Mefistófeles.

Atualização de 19/11 às 17:16: vale a pena ler este artigo da Uninômade italiana sobre a ascensão de Monti.

2 comentários:

  1. A Itália vive uma tragédia lírica que assume contornos de "commedia dell'arte all'improvviso". E sem contar que o distinto acumulará os cargos de Primeiro-Ministro e Ministro das Finanças.

    ResponderExcluir
  2. É verdade, Anônimo, ainda haverá esse acúmulo de funções. Não consigo parar de rir.

    ResponderExcluir