terça-feira, 25 de setembro de 2012

Sobre Antropólogos e o Desejo, Psicanalistas e Índios

Pollock
Alguns antropólogos estão para o desejo como os psicanalistas estão para os índios. Ou pelo menos é isso que eu sinto quando me deparo com análises como esta de Eduardo Viveiros de Castro, sem o perdão da heresia, lembrando sempre o velho Foucault e seu desgosto por chancelas e honrarias academicistas. De fato, as coisas vão mal, mas o problema, ao meu ver, é outro -- mas não o Outro. Enfim, lemos mais do mesmo daquilo que se tornou usual no discurso da esquerda: o consumo é o problema, ao povo falta educação, a catástrofe está à espreita, tudo isso somado a, finalmente, uma tese original; eis que o problema é o PT, por ser afinal um partido "paulista", junto com a paulistanização à qual ele submete o Brasil.

Pois bem, o início deste post não é questão de fazer aqui um trocadilho espirituoso para demonstrar como alguns antropólogos, assim como os nossos velhos amigos, os técnicos do desejo, perpetuam o status quo de forma parecida pela maneira como se relacionam com o seu objeto -- embora pudesse ser mais do que isso --, qual seja, o homem -- ou dependendo de como se alimente o mito do bom selvagem, o índio -- e o desejo. Nada disso. Não se trata de um jogo de palavras, essa afirmação alude ao choque com um Outro incompreensível, que é, ele mesmo, a causa do problema. 

Se há algo que se pode chamar de essência humana, como bem pontuou Spinoza, isso é o desejo. E, como disseram Deleuze e Guattari, "toda produção desejante já é imediatamente consumo e consumação" [O Anti-Édipo, p. 30 ou p. 23 do original]. O antropólogo que se põe, na prática, tão distante de um Outro, incompreende o desejo tanto quanto o técnico do desejo compreende um índio, alguém sem lugar na máquina antropológica que ele se esmera para manter; é a ilusão de ótica de quem olha do alto de uma torre como se estivesse na praça pública: por que a conveniente separação do Brasil, e que bom que existem aqueles que desejam o autoritarismo (e nós não, estamos imunes, não é mesmo?); há vários brasis, com efeito, dentro do Brasil, mas eles são resultados dos cortes da realidade das lutas reais. O Brasil que deseja o fascismo não é o outro, mas, antes de mais nada, nós mesmos.

Será o PT um partido paulista? Pois bem, os PT's no qual se constitui o PT é sim, por nascimento, mas isso não é tão simples: ele nasce precisamente da brasilidade em toda sua multiplicidade -- paulista, inclusive -- cujo êxodo confluiu na pauliceia e ali se reorganizou em um modo resistente. O problema não é São Paulo, esquecer convenientemente que a condição de paulista não é necessariamente expressão da maioria é esquecer Adoniram: todas as lutas e toda a resistência que acontece no locus paulista; se São Paulo não é nada disso, caímos em um caminho perigoso no qual, de repente, o Leblon não fica mais no Rio ou Belvedere em Belo Horizonte: o problema é São Paulo, o desenvolvimentismo (e seus problemas) vira monopólio de Dilma e do PT (apesar do desenvolvimentismo verde de Marina e de Cornell para Plínio e Serra).

Paulistanizar o Brasil é reacionário? Sim, tornar o Brasil um São Paulo o é. Como torna-lo um Rio idem. Como torna-lo um Nordeste também. Tornar é fazer ser, o que em se tratando de uma partícula em relação a um todo gerará um processo negativo. A paulistanidade não é universalizável, como a cultura carioca também não, logo, teríamos um problema. O que difere do devir. O devir-São Paulo do Brasil -- a multiplicação de mutirões ao som dos demônios da garoa se espalhando pelo Brasil, fazendo rizoma --, ou o devir-Rio do Brasil, pertence a outra ordem de coisas -- como o devir-Brasil de ambos -- um experimentar encontros entre as dobras e redobras, uma troca de trocas intensidades. Mas sequer é paulistanizar o Brasil que o PT pretende: é mais o Rio atual, enquanto metrópole, que o governo Lula-Dilma traçam, de forma criticável, como modelo para o país. É o tornar-se Rio do Brasil o problema. Em São Paulo, o petismo é mais estrangeiro do que um índio do xingu.

Certamente, não seremos felizes no e pelo Capitalismo. Estejamos certos disso. Mas tampouco o Capitalismo "depende do crescimento contínuo", do contrário, não haveria crises cíclicas: o capitalismo varia em função do controle dos meios de produção como meio de, em último caso, capturar a vida. Se for preciso, ele promove a destruição criativa que precisar para garantir esse controle, ele cria crises para se recapitalizar -- e isso é parte do que vemos. A causa da crise atual é a própria sanha do capital que tomou de assalto os cofres públicos para recapitalizar os bancos. Não foi uma medida de crescimento contínuo, mas certamente foi capitalista. Se o Capitalismo fosse um sistema depende do crescimento contínuo, tudo seria apenas um modo de deduzirmos desse crescimento suas benesses exatamente como o projeto desenvolvimentista tenta fazer...

A saída parece tanto menos crescer mais ou menos. É escapar da métrica. É tirar a imensidão da produção da metáfora, é torna-la exceção às leis da métrica. Nem crescer menos nem crescer menos, fazer algo melhor do que crescer ou diminuir. É preciso vencer a ansiedade com o consumo, que tem sido usualmente a ansiedade dos velhos consumidores, o sentimento de falta da falta do Outro que passou a consumir o básico: essa perspectiva é a da luta de classes ela mesma. 



2 comentários:

  1. Vinícius Teixeira Pinto25 de setembro de 2012 às 13:40

    Acho que foi interpretada de forma equivocada a "paulistanização do brasil" aqui.
    O que Viveiros de Castro diz é semelhante a uma yankeezação do brasil, onde São Paulo é o melhor referente pra isso.

    "seu projeto é uma “paulistanização” do Brasil. Transformar o interior do país numa fantasia country: muita festa do peão boiadeiro, muito carro de tração nas quatro, muita música sertaneja, bota, chapéu, rodeio, boi, eucalipto, gaúcho. E do outro lado cidades gigantescas e impossíveis como São Paulo. O PT vê a Amazônia brasileira como um lugar a se civilizar, a se domesticar, a se rentabilizar, a se capitalizar. Esse é o velho bandeirantismo que tomou conta de vez do projeto nacional, em uma continuidade lamentável entre as geopolítica da ditadura e a do governo atual"

    "Por trás de tudo, uma certa ideia de Brasil que o vê, no início do século XXI, como se ele devesse ser o que os Estados Unidos foram no século XX. A imagem que o Brasil tem de si mesmo é, sob vários aspectos, aquela projetada pelos Estados Unidos nos filmes de Hollywood dos anos 50 – muito carro, muita autoestrada, muita geladeira, muita televisão, todo mundo feliz. "

    Não há problema algum na comparação se considerarmos as características de São Paulo. Um interior de crescimento econômico e cowboys que já pode ser visto em vários interiores do país (principalmente o centro-oeste onde não há uma livraria, mas McDonalds, Burger Kings y otros más) muito em função do avanço agropecuário. E uma super metrópole que este mês superou Nova York e se tornou dona da maior frota de helicópteros do mundo.
    No mais, está falando de um projeto político da aliança entre Estado e mercado e do modelo de desenvolvimento adotado, no caso PTs PMDBs.

    Saudações!

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    1. Vinicius, tornar o Brasil São Paulo seria uma ação horrível, mas nem é isso que se trata. O estado de São Paulo jamais foi governado pelo PT e não é disso que o desenvolvimentismo de Dilma se trata. O projeto que eu vejo Dilma tocar é tornar Brasil um Rio de Janeiro, ou melhor, o Rio onde ela aplica seu projeto -- UPP's, remoções, megaeventos (em relação aos quais eu sou contra, mas isso não quer dizer que seja o mesmo que aquilo que vemos em São Paulo, onde favelas queimam por combustão espontânea, não por responsabilidade do PT). O problema sequer está entre São Paulo x Rio, mas de como o desenvolvimentismo é movido por uma concepção ontológica de potência fraca, parasitada por n teologismos, que pensa a ação pelo tornar-se, o fazer ser (qualquer coisa, São Paulo, Rio etc), em vez do devir: e se fosse questão de causar o devir-São Paulo do Brasil, por óbvio, não seria problema, ao contrário. A paulistanidade é múltipla e não sinônimo de maioria antagônica à multiplicidade dos brasis, o que significa esquecer as lutas e a resistência daqui mesmo (onde fica o Pinheirinho? A favela do Moinho?) -- esse é o ponto.

      No fim, o problema não é o outro, é outro, somos nós, ou melhor, não o fascista que sou eu, mas o fascista que é o Eu. É melhor do que transferir tudo isso contra os paulistas, os petistas etc. E não é uma questão hermenêutica, é uma questão que varia de onde e como você enxerga esta "sociedade". A minha perspectiva não é a da onividencia, nem a da torre de cristal.

      abraços!

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