sábado, 15 de setembro de 2012

Sublime


Café Terraço à noite -- Van Gogh
Buzinas prepotentes, gargalhadas ébrias, violão assanhado. Sonhava durante toda a adolescência em me enraizar nessa dinâmica efervescente, paisagem colorida por todos meus sentidos infantis. Me escondia nas  próprias certezas incertas, à espera de um prazer que só se revelaria inatingível com os dissabores dos anos posteriores.

Depressão? Não sabia que amadurecimento tinha esse nome. Quanto mais fantasias se  tornam fantasiosas, os momentos de alegria viram mais reais. Consigo tocá-los com as mãos, ao recordá-los enquanto deitada no recanto de meu quarto. Sapateiam sobre meu peito, quando corro por cima do concreto paulistano na segunda-feira. Fecham meus olhos, gentilmente, quando  a rotina decide me golpear.


Álbuns velhos...Fotos indesejáveis... Memórias espalhadas pela rua, pelo bairro, pela cidade. Nem tive o trabalho de varrê-las para longe. Brotaram-se  sorrisos, expelindo-as dos meus sonhos durante madrugadas egoístas. Parece que nasci para  vê-las  morrerem. Quão sublime se tornaram os dias singelos. Conversas sobre livros favoritos, poemas, histórias de infância, amarguinho de café, lágrimas delicadas, almoços em um quilo, Yakisobas da liberdade, melodias esfuziantes, trilhas na Paulista, expedições no centro, cinemas de rua, pequenas grandes  vitórias, grandes pequenos fracassos.


Finalmente, a vista daquele mar de edifícios art decó desnudou sua beleza mediante meus olhos tímidos. A saudade de um passado inexistente foi substituída pela melancolia, devido à possibilidade do futuro desvirtuar o presente. Saudades de um presente concreto, digno  de um tema para um romance de Clarice Lispector. Deficiente, se comparado com uma idealização vitoriana sobre a vida.  A fumaça , abraçada com uma névoa tênue, embala a cidade ao anoitecer. Escura, gelada... Incomoda. Mas só o faz por que se pode senti-la. Faz o menino vestir o moletom ao retornar da escola, louco para assistir ao desenho de final da tarde enquanto janta, a contragosto da mãe. Faz o casal urbano relembrar, por algumas horas,  que amam mais um ao outro do que o trabalho.


Sentir, tocar, acariciar, cantar, rir, chorar, soluçar, suspirar, berrar, correr, beijar,  brigar, estudar, trabalhar, escrever, recitar...


Respirar o imperfeito... Perfeito.
Isabella Martinho Eid

2 comentários:

  1. Isabella, peço desculpas pois serei breve em meu comentário. Mas só deixarei minha usual prolixidade pois só posso dizer que diante destas suas palavras, sublime é o adjetivo que mais justiça faz a elas.

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