Arte: Carlos Serra (retirado daqui) |
Enfim, isto daqui, que poderia muito bem ser apenas um ensaio sobre o significado jurídico, virtual e político de um Marco Civil torna-se, no frigir dos ovos, um post sobre mais um capítulo da agonia das instituições da república: de repente, a sanha por cargos e emendas do PMDB, e a política de chantagem ao governo no Congresso, a velha novela repetida da política, acabou fazendo a corda estourar justo numa discussão essencial. E Internet é chave para a democracia contemporânea. Estamos presos no meio de um tiroteio entre um governo pouco disposto a atuar com as bases, mesmo quando ele propõe algo que realmente interessa às pessoas, e com uma política de articulação desastrosa, além de partidos "aliados" que comprometem a votação de temas essenciais para negociar melhor suas posições e interesses menores.
O Marco Civil, aliás, nada mais que uma lei federal que, no duro, regulará toda a matéria comum da rede, isto é, a nossa liberdade de compartilhar e arquivar dados, navegar. O atual texto é elogiado por ativistas da área e responde, justamente, às críticas à redação anterior do projeto, cujas ambiguidades assustavam a todos. Os interesses que se voltam contra a liberdade da rede, por mais que isso pareça distante, são das grandes corporações e das empresas de conteúdo (os provedores, por exemplo), interessadas em obter dados, além de teses que vão contra a neutralidade da rede, outros que defendem um papel mais intrusivo do Estado na forma como convivemos na rede -- não custa lembrar que há alguns anos, o deputado tucano Eduardo Azeredo chegou a propor o projeto de lei que ficou conhecido como "AI-5 Digital", pela maneira como propunha um controle autoritário da rede.
Do ponto de vista da articulação política, houve demora do governo em entender e absorver as demandas de ativistas da área. Pior, uma vez feitos os devidos reparos, em um bom trabalho de Molon, o que poderia ser uma ampla campanha de mobilização em cima do tema, acabou dando lugar a um silêncio baseado na confiança na aprovação automática do substitutivo pelos "aliados" no Congresso. Tirando a própria campanha de aprovação do PL empenhada pelo mandato de Molon, só Marta Suplicy, dentre os nomes de relevo do PT, apareceu publicamente falando em Marco Civil -- fora do governo e do PT, o cantor e ex-ministro de Lula Gilberto Gil talvez tenha chamado mais atenção para o tema que o próprio governo, com uma campanha pelo Avaaz.
Mas a história é sempre mais complicada do que parece. Embora dentre os marcos civis possíveis, este seja o melhor, é provável que a ingenuidade legalista da esquerda brasileira, e de ativistas da área, possa ter aberto uma caixa de pandora. Ao trazer para o campo da regulação legal um espaço que precisa ser livre, ao se pensar em uma lei que abrangesse a totalidade das relações civis na rede, o debate todo de liberdade na internet foi conduzido para a arena das forças institucionais de Estado -- talvez fosse o caso de, no máximo, discutirmos pontos específicos para contrabalancear eventuais arbitrariedades das corporações e do Estado, não criar uma lei geral, pois como ensina uma lição elementar do direito, o que não está proibido pela lei, está permitido.
Os riscos são precisamente esses, não apenas do lobby das corporações em relação à forma do Marco Civil como, também, que os humores do Congresso, colateralmente, determinem um desastre na área -- como aconteceu agora. Pior, mesmo que este texto seja aprovado em certo momento, é fato que ele pode, como qualquer lei, sofrer emendas futuras que sejam desfavoráveis. O melhor lugar para resguardar a liberdade da rede não seria por uma lei geral, mas sim debaixo do guarda-chuva genérico do art. 5º da Constituição Federal com eventuais legislações e medidas de regulação administrativa, via Anatel, tomadas em cima de arbitrariedades concretas cometidas por provedores e quetais.
Tanto é verdade, que apesar do debate atual sobre Marco Civil tenha nascido, de forma bem democrática, no seio do Ministério da Justiça do governo Lula, então encabeçado por Tarso Genro, a primeira tentativa de regulação legal da Internet foi ideia dos conservadores: era o projeto de lei nº 5403\2001 de autoria, ironicamente, do senador Luiz Estevão do PMDB-DF. Trazer para a rede para a regulação legal absoluta é sempre digno de desconfiança, pois gera riscos como estes que vemos. A ampliação do campo burocrático e legal, mesmo que a serviço de uma causa democratizante e socializante, constrói estruturas grandes de regulação da vida que, a rigor, cedo ou tarde se voltam contra a democratização e a socialização como nos ensinam Walter Benjamin e Rosa Luxemburgo sobre o papel da social-democracia alemã no pós-Primeira Guerra.
Mesmo superando esse ponto, não existe como um partido minimamente colocado ao lado das minorias não pode reduzir o jogo político às instituições de Estado sem ser derrotado ou engolido pela máquina. A problemática do PMDB é central ao se pensar o Brasil hoje, como já pontuamos por aqui. Por outro lado, enquanto as emendas parlamentares existirem, grosso modo, é preciso que elas sejam liberadas com critério e com a devida fiscalização, também não é possível que elas sejam simplesmente retidas e que isso se torne um cabo de guerra; a conversa se desdobra, pois, por outras vias: não é gestão administrativa feita à base de mão de ferro que vai resolver isso, mas, como nos lembra o sempre atento Bob Fernandes, se o assunto é confrontar o PMDB, é preciso aprender com a lição dos garis cariocas.
Me "vi" no espaço da "liberdade vigiada" (Foucault) mas, dessa vez, por um partido que conseguiu "em nome da democracia" e por que não falar "em nome de deus" (re) colonizar a "arena" política para a manutenção do "umbigo nosso de cada dia". Se um dia a mídia foi (ou é) o quarto poder, o PMDB está entre o terceiro e o quarto. Senta ao lado do executivo, "e da papinha na boca" da mídia (comunicação) trocando voto por aprovação, aprovação por voto...
ResponderExcluirO problema do PMDB -- e do emcimadomurismo da política nossa de cada dia -- é central. O gatopardismo crônico do Brasil está em xeque, logo ataca como qualquer felino acuado. Só que a estratégia de Dilma -- bater de frente de maneira institucionalista, barrando a liberação de emendas, mas sem se conectar com as bases sociais -- está condenada a um fracasso óbvio. Ainda há como mudar isso, mas o tempo se esgota.
Excluirabraços