sábado, 28 de março de 2009

Crise Mundial: A moeda mundial e o fim do super dólar

Por mais que algumas figurinhas carimbadas não queiram admitir, a vida do super dólar está com os dias contados. Isso é um processo longo que começa lá atrás em Bretton Woods onde se deu a afirmação da moeda americana como moeda hegemônica no lugar da Libra Esterlina, passa pelo fim do padrão-ouro com Nixon, inclui o uso do dólar como saída para repassar os efeitos da crise dos anos 80 para a periferia do sistema com Reagan, toca seu uso salvaguardado por uma disciplina fiscal rígida para bancar o super consumo dos anos 90 com Clinton e, por fim, desemboca na farra do boi que foi o governo de Bushinho.

Como já foi debatido aqui, a administração Bush cometeu um erro muito grave que encontra um paralelo apenas nos erros de Brezhnev na URSS; enquanto o país passava a ter uma proporção cada vez menor da economia mundial - logo, poder de barganha político -, o governo passava a compensar tal queda com aumento de gastos militares para retomar o status quo ante. Enfim, uma infantilidade, que apenas piorou a situação da economia com mais gastos.

O poder do dólar residia na sensação de estabilidade decorrente do poder geopolítico americano. O fato é que tal ilusão era sustentável enquanto esse país possuía mais da metade do produto mundial, hoje, ele possui apenas um quinto dele. Mais que isso, possui uma economia que foi testada muito além dos seus limites pelo governo anterior; a percepção da instabilidade geopolítica americana somada à percepção de que a economia americana não é capaz de garantir a estabilidade do dólar joga a credibilidade - e consequentemente a força - dessa moeda para baixo.

Países como a China e a Rússia que após entrarem no jogo capitalista adotaram um modelo exportador somado a acumulação de reservas num nível brutal, sentem hoje suas reservas virarem pó - e mais ainda com uma eventual ajuste da economia americana que tendo em vista os deficits da balança comercial talvez resultem em mais desvalorização da moeda. Curiosamente, acontece aqui algo novo na história da humanidade: Duas potências econômicas e militares propondo uma moeda global.

Isso atesta mais do que a decadência do dólar, a decadência da própria ideia de moeda hegemônica. Mesmo que a China já seja um ator mundial de peso e chegue perto de possuir um sexto do produto mundial, ela não está nem um pouco preocupada em assumir o fardo de emitir uma moeda hegemônica, ao contrário, os líderes chineses estão percebendo aquilo que Obama não vê ou não quer ver: Que devaneios hegemonistas dão o seu lucro, mas que na hora da crise, eles cobram um preço demasiado alto; talvez Obama ache tal ideia desnecessária porque a intelligentsia de seu país ainda veja a possibilidade de descarregar os efeitos dessa crise para a periferia do sistema como fez Reagan nos anos 80. Ledo engano. Qualquer leitura da conjuntura atual, em especial da natureza dessa crise e do tamanho da economia americana comparada a economia mundial levam a crer que isso não é mais possível.

Não me canso em dizer: O bem-estar dos EUA nos próximos anos se assenta na criação de um sistema multilateral seguro tanto do ponto de vista econômico quanto militar. Os custos em insistir na hegemonia mundial serão altos demais para quem detém tão somente um quinto do produto mundial. Perder essa oportunidade em troca de ilusões de grandeza e do interesse de certos grupos é um erro grave demais - que a Rússia já experimentou e a China declina educadamente em cometer.

3 comentários:

  1. Hugo,

    É interessante observar que uma mudança tão importante na Geopolítica mundial esteja acontecendo diante dos nossos olhos.

    Pensando em Ocidente, vivemos um período semelhante ao final do século XVI com o declínio da hegemonia da Espanha, do final século XVII com o declínio da Holanda e do final do século XIX, com o declínio da hegemonia britânica. Agora é a vez dos EUA.

    O fim da hegemonia de um país abre uma época de indefinições e geralmente acontece como resultado de um novo ciclo econômico mundial em que cada ator do cenário geopolítico internacional tenta se firmar em alguma posição mais privilegiada. O declínio da Inglaterra gerou uma competição tão grande entre as potências da época que o resultado foi a Primeira Guerra Mundial.

    Acho que nenhum país está preparado para assumir o lugar que os EUA estão perdendo. No lugar de uma Superpotência teremos algumas potências regionais brigando por áreas de influência. Rússia, UE e China serão algumas delas, juntamente com os EUA, claro. O candidato mais citado ao posto de potência hegemônica mundial, a China, não tem condições de assumir tal posto. Por mais que sua economia esteja crescendo a passos largos o PIB chines ainda representa um quarto do PIB estadunidense*. Mesmo que o PIB dos EUA estacionasse, a China ainda precisaria de pelo menos três décadas para alcançar os EUA, mas como o PIB estadunidense cresce em média 4,3% ao ano (caiu bastante agora, com a crise) isso só deve acontecer no final do século XXI. Talvez até lá o Dollar ainda tenha um lugar nas trocas internacionais, provavelmente ao lado do Euro, mas outras moedas vão se somar à esta cesta, talvez até o Real, mas isso daqui algumas décadas e ainda foirçando muito a imaginação.

    Embora o declínio dos EUA seja comemorado por muita gente (não sem razão), o mundo deve se tornar ainda mais perigoso. Rússia e China já estão se movendo.

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  2. Ops. Esqueci o link de referencia.

    * http://www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/story/2009/01/090114_chinarevisaeconomiamw.shtml

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  3. Eduardo,

    Sem dúvida, é um momento tão fascinante quanto assustador. No que toca à substituição dos EUA enquanto país hegemônico, não sou apenas eu que concordo com você, China e Rússia pensam o mesmo tanto é que estão propondo uma espécie de moeda global emitida pelo FMI.

    O grande ponto nisso tudo é que aconteça o que acontecer, teremos um mundo multipolar nos próximos anos, onde os EUA continuarão a ser uma nação importante, mas não será mais capaz de dar as cartas sozinho, na medida em que China, Rússia, India, Brasil, Japão e - se não se esfrangalhar nessa brincadeira - UE - vão estar ali.

    Não é nem uma questão de que esses atores vão reagir contra os desmandos americanos; na verdade, o desmando americano vai se tornar - como já é flagrante - economicamente impraticável.

    Sobre o PIB chinês, é preciso levar em conta o critério de Paridade de Poder de Compra que leva em conta os valores reais de cada país - não se esqueça que um dólar vale nominalmente um dólar em toda parte do mundo, no entanto, seu valor real varia e muito de país para país -; dessa maneira, em 2007 o PIB americano equivalia ao dobro do chinês segundo o FMI e 1,97 vezes segundo o CIA World Factbook.

    Assim sendo, com o resultado do ano passado apontando um crescimento na ordem de 6,5% para os chineses e algo em torno do zero para os americanos , temos a diminuição dessa diferença; Nos próximos anos, o dólar vai mesmo acabar indo para o vinagre - e aí teríamos um empobrecimento da economia americana ou, na verdade, uma adequação da economia daquele país às suas reais possibilidades. Se os EUA repassarem os seus prejuízos para o restante do sistema, aí sim, teríamos uma terceira guerra mundial.

    O único modo dos EUA não jogarem o mundo e a si mesmo no abismo seria reduzir severamente os seus gastos militares para equilibrar as suas contas e participarem da criação de uma moeda mundial para evitarem o efeito bumerangue dos dólares que circulam no mercado mundial.

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