sábado, 26 de setembro de 2009

São Paulo: A Terra dos Intelectuais Silenciosos

(Um retrato ilustrativo do que é a São Paulo de hoje)

São Paulo é o mais populoso e rico estado da nossa federação. Ele Responde por 30% da nossa riqueza e por pouco mais de 20% da nossa população. No entanto, para além dos devaneios provincianos que ainda alimentam os espíritos pueris, o estado tem uma série de problemas e sim, eles são culpa dos próprios governantes do estado e não do Brasil - que exploraria o estado, afinal, de acordo com uma opinião não rara, especialmente entre os paulistanos, é de que só aqui se trabalha enquanto o resto do país é habitado por indolentes (e perdulários) apedeutas. Por detrás desses governantes, claro, há todo um fenômenos social e político com origens estruturais e com implicações equivalentes.

O estado em questão, por mais importante que seja, não tem como viver só, isolado do resto do país - é de um provincianismo morbidamente ingênuo; para cá aportam matérias-primas de todo país, aqui se processa e se remete para o mercado consumidor nacional;também se concentram inúmeras empresas do setor de serviços que trabalham com logística em relação à atividades de todo o país; em suma, acreditar em asneiras separatistas bandeirantes é tão genial quanto acreditar que o seu fígado, por mais importante que seja, possa sobreviver fora do seu corpo para sempre.

Se o tivesse de citar os maiores problemas de São Paulo hoje resumidamente, levantaria as questões do mórbido provincianismo que se vê nas cidades pequenas e médias do interior - que vêm puxando o desenvolvimento do estado sozinhas há muito tempo, mas não sei até quando -, enquanto na capital, que sozinha representa mais de um quarto da populalação e une em seu entorno uma região metropolitana que representa mais da metade da população e do PIB estadual, se sente um certo ar de putrefação proliferar em virtude de uma burguesia e uma pequena-burguesia profundamente tecnicista e inculta que não enxerga o processo de lumpenização voraz nas periferias - essa decadência cultural é refreada apenas por alguns bolsões de resistência intelectual que ainda restam, enquanto o fenômeno de degradação da classe trabalhadora só foi arrefecido pelos programas sociais do Governo Federal.

Para além de uma juventude que participa de movimentos sociais - sejam universitários ou não -, a crítica está morta no estado. Um modo de vida meramente mimetizador do american way of life mesmo no bairro operário de outrora. A vida nos condomínios e nos prédios de classe média para cima adquire cada vez mais o é tocado adiante; A periferia da região metropolitana, por exemplo, se expande; nos anos 90, boa parte dos operários que se viram sem empregos se viram obrigados a, literalmente, construir favelas no entorno da capital porque não havia mais dinheiro para pagar aluguel, mesmo nos bairros tradicionalmente proletários. Os condomínios onde vive a classe média ganhar cada vez mais, caráter de bolha, de afastamento do espaço público - e a distancia entre os jovens que são criados nesse sistema, por assim dizer, de confinamento, se torna anos-luz de distância aos seus pares nas periferias, mesmo que apenas alguns quilômetros os separe de fato.

As famílias nucleares patriarcais centralizadas na figura do pai operário profissional que bancava a educação dos filhos, entrou em colapso não por sua superação, mas sim por uma profunda crise de valores decorrente do esmagamento do trabalho pelo Capital naquela década maldita; o alcoolismo entre os pais de família desonrados, na medida em que foram criados numa cultura de dignificação pessoal por meio do trabalho - explodiu e implodiu milhares de famílias, gerando como decorrência lógica, o aumento da prática de crimes pelos jovens, um no consumo de drogas por parte da juventude pobre e o crescimento violento de casos de gravidez na adolescência. A Escola Pública, falida pelos sucessivos governos tucanos, se mostra incapaz de resolver os seus próprios problemas, sendo lar de uma classe magisterial cabisbaixa, sufocada economicamente pelos péssimos salários e pelas humilhações nas mãos da tropa de choque a cada greve.

A chamada classe média, por sua vez, se cala. Os setores conservadores preferem se fechar num autismo social jocoso e colocar a culpa no Brasil, nos favelados, nos negros, no Lula-aquele-presidente-analfabeto e em quem mais vier - afinal, sempre é cômodo pôr a culpa em minorias, não é mesmo? Por outro lado, a problemática local é ignorada até mesmo pelos setores da esquerda; de repente, os problemas da escola pública e da saúde são considerados como problemas nacionais ao invés de padrões nacionais - e a problemática constitucional dos governos estaduais em relação a essas áreas se esvai -; a esquerda paulista pensa sempre em patamares nacionais, mesmo que também desconheça bastante o país sobre o qual tenta falar - pelo menos não o ignora ou o acusa como faz a direita -, mas o aspecto local da problemática social nunca enfatizado, não podemos admitir os problemas estruturais do nosso estado, pega mal.

Dentre os poucos espaços de resistência cultural e de pensamento contra-hegemônico, como em boa parte das faculdades da UNICAMP, nas federais, nos campi da UNESP e, mais emblematicamente, na gloriosa FFLCH, a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, vê-se um estranho distanciamento e alienação do debate entre marxistas x pós-estruturalistas em relação à realidade da periferia logo ali do lado. O único meio intelectual que tradicionalmente sempre esteve menos alheio à realidade que pretendeu mudar foi, de fato, a esquerda católica, situada na PUC-SP, mas que hoje se encontra em frangalhos graças a atuação da Igreja - e a intervenção na PUC é uma prova suficientemente clara disso.

Mesmo sendo um dos estados onde mais se enraizou algo parecido com uma cultura burguesa, eu vejo em São Paulo, mais até do que em muitos estados agrários, uma obsessão contra o debate público; não se pode se discordar de ideias sob pena de ser considerado ofensivo ou você se cala ou assente; também não é possível ser irônico, pois corre-se o risco de pensarem que você fala a verdade. Colocar essa foto aí em cima para ilustrar o que é São Paulo, meus caros, gera uma celeuma não apenas entre os setores que se dizem de direita, mas entre a própria esquerda - de quem eu já ouvi coisas do mesmo naipe de um "ame o Brasil ou deixo-o"; vejam vocês que eu mesmo tirei essa foto no norte Região Metropolitana de São Paulo; é tão São Paulo quanto a Avenida Paulista é, no entanto, é mais fácil dizer que isso é exceção enquanto ela é regra - quando, na verdade, é exatamente o contrário. Sejamos honestos no momento de criticar São Paulo, chega de tapar o sol com a peneira e de fingir que isso daqui é Primeiro Mundo, basta de achar que pega mal criticar tudo isso; é o silêncio dos intelectuais que projetou toda essa monstruosidade que por ora se manifesta na forma do serrismo, não nos calemos, por favor.


2 comentários:

  1. Ótimo e abrangente post que seria melhor debatido por quem compartilha o endereço paulista(no). No entanto, um item pode ser estendido para outras grandes capitais, quer seja o encerramento progressivo das classes médias em condomínios fechados, moradas exclusivas e o consequente desligamento da vida orgânica da cidade como um todo, suas demandas e tensões, e a identificação do outro (frequentemente pobres trabalhadores) como um adversário a ser evitado.

    O resultado mais imediato é o abandono do espaço público como local para a participação, apoio e até discordância em relação a manifetações políticas e culturais, o que consolida um reacionarismo latente. Essa classe-média, cada vez mais cooptada por um individualismo exarcebado pelo falecido neo-liberalismo, enxerga-se como vítima de pessoas, grupos ou atos de governo e perde a capacidade de sentir-se beneficiada por políticas governamentais de distribuição de renda a ampliação do mercado consumidor.

    Aqui em Salvador, relato um fato importante, o que de mais importante no sentido de iniciativas culturais/políticas vem sendo testado nos bairros periféricos e no subúrbio ferroviário. Praticamente, não há um só desses onde não hajam grupos de conscientização ou artístico-culturais fortemente conectados à situação sócio-político-econômica, local e geral. Isso tudo apesar da precariedade, da ação da bandidagem e da desconfiança inicial da população.

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  2. Anrafel,

    Apesar de ter sido criado em São Paulo, sou pernambucano e conheço razoavelmente bem a realidade do meu estado natal. Eu vejo aqui em São Paulo certos fenômenos que são comuns, por exemplo, no Recife - e creio que não devem ser estranhos à vida em Salvador como você narrou e às demais regiões do país. No entanto, há um certo esgarçamento social que me parece bem singular à realidade paulista - em especial, paulistana - e isso é um tabu não apenas entre a direita provinciana como também entre setores descoladinhos de esquerda. Isso me angustia terrivelmente, a sensação de que há algo terrivelmente errado aqui é pungente e a crítica contra isso passa pelo crivo da própria intelectualidade local, o que mostra a que ponto as coisas chegaram - veja só que a vida no nordeste, apesar dos pesares, melhorou bastante, o mesmo já não pode se dizer daqui e as desculpas mentais elaboradas para explicar isso são assustadoras e refletem o quanto o buraco é fundo por aqui.

    abraços

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