O vídeo acima é do humorístico CQC. Ainda que não seja o meu humorístico favorito - ao contrário, me parece mais um exemplo da decadência do humor brasileiro -, ele vez ou outra, acidentalmente, cumpre algum papel - como nessa entrevista com o deputado de extrema-direita Jair Bolsonaro, alguém suficientemente polêmico para "dar ibope" e que acabou até soltando uma manifestação racista no final dela, gerando grande repercussão na mídia. Bolsonaro, para quem não conhece, é ex-militar e construiu sua carreira política em cima de uma retórica agressiva que apela para todos os clichês possíveis que um político de extrema-direita poderia pensar em usar: Defesa da pena de morte, da Ditadura Militar - e, por tabela, da "moral", dos "bons costumes" e da "família" -, do policialismo como forma de combater a violência e o desrespeito permanente às minorias são itens presentes em seus discursos. Em entrevista nos anos 90, ele chegou até a sugerir o fuzilamento do então Presidente da República Fernando Henrique Cardoso.
Na resposta à cantora Preta Gil, nessa edição do CQC, ele chegou a se referir à possibilidade de um relacionamento entre um filho seu e uma negra como "promiscuidade", o que provocou um massivo repúdio e deu início a uma mobilização intensa para cassá-lo. Não me surpreende que alguém como Bolsonaro seja deputado, afinal, ele explora muito bem um senso comum extremista muito presente na nossa sociedade. O fato é que no Brasil, diferentemente de muitas democracias mais antigas e melhores do que a nossa, não existe uma extrema-direita organizada porque o atual equilíbrio de forças partidário tem neutralizado isso com certo êxito, o que relega a defesa dessa linha a algumas poucas figurinhas carimbadas - de forma atomizada ainda por cima.
A primeira vez, em anos, que isso pareceu ser abalado foi na última eleição presidencial, quando o candidato presidencial José Serra - um intelectual de porte oriundo da centro-esquerda - surfou na onda de uma pauta ultraconservadora - e agressiva - quando se viu derrotado, criando uma atmosfera irrespirável que arranhou irremediavelmente sua biografia. Por isso, mais do que nunca, a manifestação de Bolsonaro ganha uma conotação perigosa. Também não é o caso de ignorarmos que suas falas têm se radicalizado mais e mais - assim como voltou a ganhar certo espaço na mídia -, principalmente, porque estamos na iminência de um duro debate sobre o desarquivamento dos arquivos da Ditadura e da instituição de uma Comissão da Verdade.
Seja como for, essa fala de Bolsonaro no CQC, por si só, já é das coisas mais graves que ele disse. Liberdade de expressão tem limites, ainda mais quando alguém exerce mandato eletivo e se usa disso para incitar o ódio. Ainda que o deputado seja muito mais alguém dotado de um senso de oportunidade único do que um ideólogo de qualquer coisa, esse tipo de comportamento não é admissível e não pode ser tolerado. É demais pagarmos o salário de alguém que se usa da democracia para ser eleito, mas usa de seu mandato para atacá-la ou mesmo que, vejam só, lança pesados ataques às minorias, mas é (acredite se quiser) membro da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara. Ainda que a democracia seja dos poucos sistemas que admita a crítica a si mesmo de dentro de suas instituições, há limites para o cinismo alheio e para o grau de ameaça que seguidas e sistemática declarações irresponsáveis podem representar. Espero não estar postando por aqui algo como este "Bolsonaro, ainda" - pelo menos não sobre ele como deputado -, acho que já deu e um ato racista é um bom limite.