quarta-feira, 30 de março de 2011

Bolsonaro, ainda



O vídeo acima é do humorístico CQC. Ainda que não seja o meu humorístico favorito - ao contrário, me parece mais um exemplo da decadência do humor brasileiro -, ele vez ou outra, acidentalmente, cumpre algum papel - como nessa entrevista com o deputado de extrema-direita Jair Bolsonaro, alguém suficientemente polêmico para "dar ibope" e que acabou até soltando uma manifestação racista no final dela, gerando grande repercussão na mídia. Bolsonaro, para quem não conhece, é ex-militar e construiu sua carreira política em cima de uma retórica agressiva que apela para todos os clichês possíveis que um político de extrema-direita poderia pensar em usar: Defesa da pena de morte, da Ditadura Militar - e, por tabela, da "moral", dos "bons costumes" e da "família" -, do policialismo como forma de combater a violência e o desrespeito permanente às minorias são itens presentes em seus discursos. Em entrevista nos anos 90, ele chegou até a sugerir o fuzilamento do então Presidente da República Fernando Henrique Cardoso

Na resposta à cantora Preta Gil, nessa edição do CQC, ele chegou a se referir à possibilidade de um relacionamento entre um filho seu e uma negra como "promiscuidade", o que provocou um massivo repúdio e deu início a uma mobilização intensa para cassá-lo. Não me surpreende que alguém como Bolsonaro seja deputado, afinal, ele explora muito bem um senso comum extremista muito presente na nossa sociedade. O fato é que no Brasil, diferentemente de muitas democracias mais antigas e melhores do que a nossa, não existe uma extrema-direita organizada porque o atual equilíbrio de forças partidário tem neutralizado isso com certo êxito, o que relega a defesa dessa linha a algumas poucas figurinhas carimbadas - de forma atomizada ainda por cima. 

A primeira vez, em anos, que isso pareceu ser abalado foi na última eleição presidencial, quando  o candidato presidencial José Serra - um intelectual de porte oriundo da centro-esquerda - surfou na onda de uma pauta ultraconservadora - e agressiva - quando se viu derrotado, criando uma atmosfera irrespirável que arranhou irremediavelmente sua biografia. Por isso, mais do que nunca, a manifestação de Bolsonaro ganha uma conotação perigosa. Também não é o caso de ignorarmos que suas falas têm se radicalizado mais e mais - assim como voltou a ganhar certo espaço na mídia -, principalmente, porque estamos na iminência de um duro debate sobre o desarquivamento dos arquivos da Ditadura e da instituição de uma Comissão da Verdade. 

Seja como for, essa fala de Bolsonaro no CQC, por si só, já é das coisas mais graves que ele disse. Liberdade de expressão tem limites, ainda mais quando alguém exerce mandato eletivo e se usa disso para incitar o ódio. Ainda que o deputado seja muito mais alguém dotado de um senso de oportunidade único do que um ideólogo de qualquer coisa, esse tipo de comportamento não é admissível e não pode ser tolerado. É demais pagarmos o salário de alguém que se usa da democracia para ser eleito, mas usa de seu mandato para atacá-la ou mesmo que, vejam só, lança pesados ataques às minorias, mas é (acredite se quiser) membro da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara. Ainda que a democracia seja dos poucos sistemas que admita a crítica a si mesmo de dentro de suas instituições, há limites para o cinismo alheio e para o grau de ameaça que seguidas e sistemática declarações irresponsáveis podem representar. Espero não estar postando por aqui algo como este "Bolsonaro, ainda" - pelo menos não sobre ele como deputado -, acho que já deu e um ato racista é um bom limite.

8 comentários:

  1. Deputados assim não têm moral para reclamar do Tiririca!

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  2. Bolsonaro é um notório fascista. A questão é: como um sujeito desses é eleito? Será que há mesmo uma parte da população que compartilha de sua ideologia, ou isto seja uma falha de nosso sistema eleitoral, na qual não se vota na pessoa em si, mas sim no marketeiro de cada candidato?

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  3. Faz tempo que não posto nada aqui,mas diante do desempate da Lei da Ficha Limpa e essa esdrúxula declaração do Bolsonaro.Me veio a cabeça, o quão agente, digo a coletividade, supõe que o remédio para os problemas está assentado na "lei",na"justiça",na"verdade".O quão somos uma democracia frágil,uma nação machista,patriarcalista,não me espanta as declarações do Bolsonaro, elas já vem há muito tempo acontecendo, apenas mudam-se as "vitimas", me espanta é a contínua manutenção de pessoas e com ela, bem dito por você,que fazem da democracia, um meio para conseguir seu status e a partir dai, miná-la o quanto antes.Não é só a carência de uma educação para o povo, que inclusive somos nós, mas a falta de comprometimento com os partidos políticos com suas ideologias e com o próprio carater de seus representantes...Bolsonaro é um facista, que se vangloria da sua capacidade de ser,homem,heterossexual,branco,cristão e com poder.
    E não acho que o conciente coletivo pense muito diferente,infelizmente,estamos na ascenção de movimentos de direita e o Bolsonaro é só um expoente que dá visibilidade a essa bestialidade.

    Beijos!!

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  4. Hora de jogar o imbecil no xilindró

    Eis a oportunidade que faltava para nos livrarmos de Jair Bolsonaro. Seu afastamento da Câmara, apesar de perfeitamente justificável, não pode esgotar o caso. É necessário processá-lo e metê-lo atrás das grades. Simples assim.
    A esquerda, os movimentos sociais e a blogosfera não podem aceitar qualquer resposta vaga do Judiciário. Devem pressionar o Poder Público até que o cretino seja retirado de circulação para sempre. Acionemos a descarga sobre esses excrementos reacionários antes que eles conquistem a notoriedade que desejam.

    http://guilhermescalzilli.blogspot.com/

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  5. Ao contrário, Hugo, no dia 31 de março é fundamental falar em Bolsonaro. Fiz um post sobre ele e sobre a infeliz ditadura, inclusive ligando os nostálgicos dos porões com o Serra. Só acho que ele abusa da liberdade de expressão há muito tempo. Na época do massacre do Carandiru ele disse que achava que a polícia devia ter aproveitado e matado "mais um dois mil".

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  6. Pessoal, obrigado pela visita, vamos por partes:

    Célio: Tem insistido há tempos que Tiririca não é nem de longe o pior nome dessa Câmara - até porque, num clima político desses, ele pautou sua campanha vitoriosa na defesa das minorias.

    Luis: Eu penso o contrário; acho que tem muito mais gente que pensa - e fala - como o Bolsonaro em meio ao eleitorado do que na Câmara. Isso é bizarro, mas é o único lado bom que eu consigo ver no Consenso que ora domina a política nacional - abalado, por sua vez, pela indefectível campanha de Serra ano passado.

    Mayara: Essa revival de Bolsonaro é um eco da campanha de Serra, mas sua existência política é um efeito político da ditadura militar que ainda existe entre nós, aqui e agora.

    Guilherme: Hoje, ele ainda falou que tem imunidade parlamentar para falar ou para roubar - enfim, acho que já deu. Se isso não for quebra de decoro, é impossível cassar um deputado no Brasil.

    Paulo: Você me desculpe, mas aqui em casa, 31 de Março é só o aniversário do meu pai mesmo, o Golpe a gente põe junto do Dia da Mentira mesmo - que é amanhã, por sinal ;-)

    abraços coletivos

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  7. E, só pegando fechando uma ideia: Sim, eu concordo contigo, Paulo, mas não diria nem que é abuso - o princípio da liberdade de expressão está interconectado a uma série de outros princípios e o limite deles só se vê mesmo na prática, diante do caso concreto. Bolsonaro é um cínico que pensa que, ao se usar dos próprios direitos que condena, está pondo seus adversários políticos em xeque, quando, na verdade, uma leitura minimamente realista dos fatos faz sua máscara cair. É ele quem está em xeque e é a sua situação que é insustentável.

    abraços

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  8. Tem razão, Hugo, quem votou em Bolsonaro (120 mil pessoas!) é o mesmo público de programas como o CQC!

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