sexta-feira, 4 de março de 2011

Notas de um Tempo Presente

Cronos (Saturno) de Rubens
A letargia resultante dos anos 90 - onde, com o fim da União Soviética, a hegemonia americana se tornou inquestionável - só arrefeceu à base do choque: Dois aviões acertando em cheio o coração da superpotência americana há quase dez anos atrás. Ainda que aquele atentado pareça ter sido ontem, o período de tempo de lá para cá parece ter durado uma eternidade. Aquele ato horrendo de repente se torna a deixa para que ultraconservadores - que desde os anos 70 insistiam em uma doutrina paranoicamente belicista - lancem seu país (e o sistema global) à guerra sem maiores explicações - tal como um Stalin e como o conveniente atentado que ceifou a vida de Kirov na União Soviética dos anos 30 serviu para exterminar seus adversários nos processos de Moscou.  Do mesmo modo que da morte de Kirov seguiu-se a eliminação de toda a intelectualidade soviética não-alinhada, o atentado ao World Trade Center serviu para que os Estados Unidos invadissem o Afeganistão - sem, no entanto, encostar um dedo na Arábia Saudita, das maiores financiadoras do terrorismo internacional - e, mais tarde, falsificar provas para invadir o Iraque e derrubar seu desafeto Saddam Hussein. Tempos duros e assustadores. A crise econômica mundial é consequência direta do extemporâneo - e insustentável - imperialismo norte-americano sobre uma economia mundial, onde seus déficits gigantescos tornaram-se um ônus pesado demais para a economia mundial. A "guerra justa" das hienas kantistas como um Bobbio ou um Habermas segue em curso, enquanto o terrorismo torna-se álibi para que mecanismos de controle sejam não só aperfeiçoados como espalhados por toda parte. As poucas alegrias de um mundo em corrosão é o influxo democratizante na América Latina do mesmo período, apesar de todas as suas limitações e contradições - que agora vêm à tona com o decorrer dos anos. Desde que a crise estourou mesmo, a única boa notícia que tivemos foi esse efeito dominó no mundo árabe, que não apenas colocou a ordem mundial em xeque como trouxe em seus contornos o mais intenso devir revolucionário - a vida escapando da máquina paranoica que serve à sua captura numa luta (desigual), entretanto, ainda em curso. O nosso Brasil, no início de seu mais novo governo (de sempre) é outra esfinge; se por certo aspecto nunca estivemos tão bem, por outro lado, há algo que se opera debaixo do grande debate político, quem sabe apenas um cansaço - mas pode ser uma certa degeneração, por que não? -, algo que se viu materializado nas últimas eleições e acendeu um sinal amarelo em qualquer ufanismo. Há um refluxo normalizador muito forte em curso ao mesmo tempo em que a luta de classes está mais agitada do que nunca, para que lado isso apontará? É difícil dizer, mas eu diria que a experiência das ruas ajuda mais do que a simples teoria agora, embora uma coisa não exclua, de modo algum, a outra.

7 comentários:

  1. E não estaríamos pecando ao pensar que é possível um Novo Iraque no casa da Líbia. Já ficou clara a decisão imperialista de intervir. As consequências só mesmo a história dirá, assim como você ressaltou na questão sobre o Brasil, em que acredito estar mais para uma degeneração a um simples cansaço. O caso do Min. da Cultura é o mais evidente. Como se fosse mesmo um momento de retrocessos. A guinada é bem clara. Mas isto não é um problema para o Governo, sua poítica para o mercado. Estou falando de um problema para o cidadão.

    Adorei a ferocidade para Bobbio e Habermas. Nunca li nada deles que justifiquem estes absurdos, mas qualquer linha já mereceria a alcunha que empregou a estes.

    Abraços!

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  2. DanDi,

    Minhas referências aos dois é uma cutucada em relação ao que se esconde por trás da cortina do cosmopolitismo kantista (e que eles defendem tão bem), em suma, o que se esconde sob o véu de candura da Paz Perpétua? Basta lembrar a posição de Habermas em apoio à guerra do Kosovo e sua ambiguidade em relação ao neo-imperialismo americano e, também, o apoio dado por Bobbio à guerra do Golfo - além da postura de ambos em relação a certo cosmopolitismo que, na verdade, não passa de um imperialismo regulamentado. Sobre a Líbia, é um caso preocupante sim, é um completo paranoico que está forçando um massacre para, assim, forçar a invasão do próprio país - e uma invasão de um país magrebino agora pelas forças da Paz Perpétua, antes de qualquer humanitarismo, seria uma forma de fazer cessar a Revolução Árabe.

    abraços

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  3. Em tempo: Acrescentei links no próprio post sobre as posições "ambíguas" de Habermas e Bobbio.

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  4. Não sei, tenho alguma confiança no Obama (li uma opinião de um cara da banda REM dizendo que a midia dos EUA é que estão interessados em propagar as derrotas do Obama).

    Se fosse o Bush já teria invadido Líbia, ou melhor, pensando bem não, por falta de coerência propagar a "democracia". Todo mundo sabe que os EUA não invadiram Afeganistão/Iraque para propagar a democracia no Oriente Médio.

    É só jogo de interesse, da mesma forma que todo mundo já sabe que as pressões sobre Irã não eram para evitar que o Oriente Médio tivesse armas nucleares pois eles deixaram Israel tê-las.

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  5. Célio,

    Quase isso. Bush não invadiu o Irã e a Coreia do Norte não por falta de vontade, mas sim por falta de dinheiro e de apoio político. Com Obama, claro, as coisas são um pouco melhores, mas não muito: A invasão da Líbia só não está em curso agora por falta de recursos mesmo.

    abraço

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  6. Salve, prezados,

    Obama representa uma força viva nos EUA, que estava se tornando minoritária dentro do Partido Democrata, cada vez mais orgânico, aparelhado e "sindicalizado". A campanha de Barack Hussein à presidência, em 2008, tem muito a ver com a mobilização de trabalhadores precários no mundo árabe, e também com o atual enxameamento contra o ministério mais reacionário, nesse consenso governamental de 2011.

    Contudo, a diferença entre a campanha de Obama e o presidente Obama é a mesma entre movimento e governo. Uma vez empossado, toda aquela agenda positiva tem de lidar com a governamentalidade, com os "compromises", com a "política dura" que opera, sob enormes pressões, na brecha aberta pela dissociação entre fins e meios. Dissociação esta que constitui o estado moderno, como objeto de delegação, como pacto social representativo.

    Destarte, o governo Obama se vê numa contingência aguda de um estado-crise neoliberal, de um descompasso entre formas econômicas fluidas e mundo corporativo, um abismo entre uma política externa pautada pelo golpe de estado na ordem imperial (anos 2000, com Bush) e a produtividade global de resistência. Toda a crise por que passaram os EUA em 2008, e nisso concordo totalmente com O Descurvo, foi causada pela resistência global à ação unilateral, à tentativa de reinstaurar um imperialismo novecentista, num mundo em que não funciona mais, porque há um forte movimento articulado contra ele.

    Mas como escapar desse dilema? só aprofundando a crise, levando-a às últimas conseqüências, saindo da armadilha óleo-e-armas, mas isso paradoxalmente alimenta as forças contrárias a ele, que manipulam o medo da insegurança econômica, e se fortalecem no ressentimento e na baixa autoestima decorrente de problemas no crédito (a colonização dos desejos por um capitalismo pós-industrial).

    Então qual a saída? O movimento, ora! e é isso que está acontecendo agora mesmo, embora a grande imprensa contorne. Um movimento que rompe essa dialética estado x sociedade civil, onde a luta já está perdida, pois prepara a cama aos representantes, que necessariamente, por estarem implicados, realizarão a mediação entre as esferas.

    O movimento está em Madison, Wiscosin, e crescendo. Sugiro o artigo publicado ontem na UniNômade Itália:
    http://uninomade.org/another-us-is-happening/

    Esse debate que o Hugo coloca é sensacional, coisa que não se vê muito na grande imprensa (à deriva entre noticiários e agências dominantes).

    Abraços,

    Bruno.

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  7. Grande Bruno, fico grato pelas palavras. Sim, de fato existe um corte entre a campanha Obama e seu governo. No primeiro momento, tivemos um movimento de base - há muito não visto na política americana - contra as estruturas do Partido Democrata e, uma vez vitorioso internamente, ele partiu para a vitória contra o reacionarismo republicano. No entanto, para além das dificuldades práticas de governar, eu diria que Obama fracassou ao tentar conciliar, ao contruir um consenso em relação ao qual só ele - e as minorias - iriam ceder - e teriam o que perder também.

    Hoje, sua situação é lastimável e isso respinga no mundo inteiro expondo as fragilidades do Projeto Europeu, jogando um ônus pesado demais sobre a China e tornando insuportável a vida nos países pobres. Agora mais do que nunca, a articulação passa a despeito do cada vez mais inviável EstadodeDireitoDemocrático; sim, a saída é o movimento; é hora de colocar essas pequenas máquinas de guerra que são nossas cabeças para funcionar e, juntos, tecermos uma rede.

    No quadro americano especificamente, você fez bem em lembrar Madison: Falamos da chave que irá determinar como as coisas se desenrolarão no fim do mandato de Obama e, sobretudo, qual o clima em que as eleições americanas de 2012 serão pautadas.

    saudações carnavalescas

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