domingo, 13 de março de 2011

O Desastre Japonês e o Destino Americano em Wisconsin

Miyagi destruída -- AP

Nos anos 80, a vitória dos Estados Unidos na Guerra Fria já se anunciava claramente em um horizonte próximo, diante de uma União Soviética presa no atoleiro do Afeganistão e, sobretudo, na própria camisa de força de sua economia hiperburocratizada, os americanos - que já tinham vencido a corrida espacial e tinham absorvido o choque da derrota no Vietnã - caminhavam a passos largos para a hegemonia não só do Ocidente como do Mundo. A Perestroika só foi o anúncio oficial para que os sovietistas ortodoxos pudessem acreditar no que seus olhos testemunhavam - mas fé é sempre um assunto complicado. O fato novo naqueles tempos era o Japão, um país situado em um arquipélago com uma cultura milenar e profundamente singular que, desde os anos 70, surpreendia o mundo seguidas vezes com suas inovações tecnológicas - os japoneses produziam uma tecnologia simples e eficiente que de fato melhorava a vida cotidiana das pessoas, o que era o exato oposto dos soviéticos que com sua tecnologia militar e espacial grandiosa eram, no entanto, incapazes de produzir bons liquidificadores. Os ganhos de produtividade dos japoneses assustavam o mundo e já o país já era colocado como futura maior potência econômica global. 

Tudo isso, claro, não passava de uma análise apressada, ideológica e deslumbrada. Os japoneses produziam avanços tecnológicos de forma paranoica porque não dispunham de recursos naturais e, principalmente, porque a derrota na Segunda Guerra os alijou não só do controle territorial da Ásia como dos meios para retoma-lo (ou mesmo instituir uma relação soberana e amistosa de intercâmbio político-econômico com os países da Ásia), cedo ou tarde o país bateria em um teto, ainda mais porque sua política externa estava (como ainda está) posta em função do interesse dos EUA que continua, curiosamente, a ocupar o país com gigantescas bases militares e uma presença ostensiva de sua Marinha em torno do arquipélago. Ademais, a problemática do sistema financeiro local nunca foi bem compreendida no Ocidente e isso foi dos fatores que mais expôs as próprias limitações do aparentemente bem sucedido sistema político japonês - no fim das contas, uma mistura de Capitalismo de Estado Ocidental com uma indisfarçável manutenção da máquina despótica asiática e sua oligarquia intangível: O Estado japonês nunca foi capaz ou teve o interesse em construir mecanismos que afetassem os privilégios que sua nobreza tinham a partir do controle do seu sistema bancário. A crise japonesa do final dos anos 80 ilustra a chegada ao teto do modelo instituído no pós-Guerra na medida em que o sistema política se mostra incapaz de enfrentar a sua elite e seus interesses específicos junto às finanças nacionais, resultando em uma socialização dos prejuízos que estagnou o país desde então.

Os Estados Unidos, como já largamente debatido neste espaço, perdiam a olhos vistos sua importância relativa junto ao Globo, mas a partir de Reagan passaram a insistir em compensar isso com o aumento do seu poderio militar e, mais grave ainda, partiram para uma jornada imperialista dezenovista com Bush Filho, algo cujas perdas sobre a economia é incalculável. O mundo globalizado usou a estrutura econômica americana como seu núcleo e seu ponto de apoio, mas não percebeu que aquele edifício nem tinha bases suficientemente firmes nem quem estivesse disposto a fortifica-las.  Para além disso, a própria problemática da realização do valor no Capitalismo acabou por vir à tona quando seus mecanismos de fuga passaram a falhar - o que cedo ou tarde aconteceria mesmo.

A tragédia profunda que se abateu sobre o Japão na última sexta - um formidável Sismo que produziu um tsunami, cujo resultado foi a destruição de cidades inteiras e a morte de milhares de pessoas - expôs o drama econômico e político de um país estagnado e, também, particularmente atingido pela Crise Econômica mundial. Pior, as inúmeras usinas nucleares do país, substitutivo arriscado para o petróleo e saída para o alto padrão de consumo energético do país, estão ameaçadas e o risco de se produzir uma tragédia maior com o envenenamento radioativo de vastas áreas é permanente. Analisar a atual situação pelo viés da tragédia pessoal ou mesmo do acaso natural é falso, é necessário pensar no caráter socioeconômico da crise japonesa e suas implicações - ou melhor, como as variáveis socioeconômicas não brotaram do nada e como o resultado de uma tragédia natural só pode ser pensado conjugado com elas. Por exemplo, o que dizer do fato do Governo Japonês ter ignorado os alertas sobre a segurança do seu sistema de produção de energia atômica? Em suma, isso só é uma página da história japonesa, mas que certamente tornará incontornável o debate sobre o sistema local. 

Do outro lado do Pacífico, a crise americana não é menor. A luta do Governo de Wisconsin contra os sindicatos - com direito a golpe do Senado local -, o que gerou essa resposta brilhante do cineasta Michael Moore: A América não está Quebrada - ou melhor, essa crise atual também não brotou do nada, mas tem origens muito claras, sobretudo nas causas da atual Crise e, principalmente, na forma como o Governo Obama tem enfrentado o quadro desde que assumiu, onde passar a mão na cabeça de executivos incompetentes e corruptos  com a injeção de uma massiva quantidade de dinheiro público, sem garantia de retorno algum em troca, tornou-se uma constante enquanto os trabalhadores perdem seus empregos - e veem agora, até mesmo, sua liberdade de organização ser atacada. O movimento de trabalhadores em Wisconsin é chave para o futuro dos Estados Unidos agora que o desastre Obama  prova que os problemas locais vão para além do Partido Republicano.

O momento atual em ambos os países é dramático e o resultado disso será fundamental não só para a sobrevivência, mas também para os rumos da humanidade que vive a agonia do Capitalismo tardio.



3 comentários:

  1. Bem que gostaria de ter um pouco da sua visão econômica, matéria que fundamental mas vejo que é uma confusão só (por exemplo, uns dizem que o trabalhador faz um favor ao empresário, outros dizem que ao contrário, é o empresário quem faz um favor ao trabalhador).

    Como estou tentando ler O Capital, ainda estou numa visão a partir de elementos simples (sinto que simples demais) como mercadoria, trabalho, etc (embora já o suficiente para ver que não é o emrpesário quem faz favor ao trabalhador).

    quem sabe no futuro eu consiga ter uma visão mais abrangente em termos de países e sobre a economia atual... bom, vou estudando aos poucos. Abraços.

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  2. Bom, 2 discordâncias e 1 concórdia:
    Não é tão falso assim analisar a tragédia japonesa do ângulo da tragédia pessoal. Nada pode segurar um terremoto de 8,9 graus. Nada mesmo. Ainda mais se for tão perto da costa. A menos que chamem engenheiros holandeses para murar toda a costa leste japonesa com paredes maciças de 20 metros. Paredes que, com um terremoto desses, ruiriam também. Ignorar esse aspecto é tão falso quanto ignorar o aspecto político-econômico.
    2) "na forma como o Governo Obama tem enfrentado o quadro desde que assumiu, onde passar a mão na cabeça de executivos incompetentes e corruptos com a injeção de uma massiva quantidade de dinheiro público, sem garantia de retorno algum em troca"
    Isso não tem fundamento: 2.a) Passar a mão na cabeça dos executivos foi a medida que, por estranho que pareça, menor danos causaria para uma economia já entrando em colapso. 2.b) O governo está lucrando horrores com os empréstimos aos bancos. Estes, inclusive, apressam-se a pagar os empréstimos porque querem desesperadamente livrar-se do representante do governo que fica no board (coisa que eu gostaria que fosse permanente...). Ou seja, além de tudo, é um baita investimento em fiscalização.
    3) Trabalhadores se danarem é quase um truísmo. A corrente sempre parte do lado mais fraco!

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  3. HWB,

    Tragédia pessoal é novelizar a questão. Analisar pelo viés unicamente naturalístico - houve um grande terremoto - também não me parece fazer sentido na medida em que se não houvesse toda uma sociedade ali, não teríamos essa história toda - claro, foi um baita terremoto, mas agora o maior perigo é o de, veja só, massiva contaminação radiotiva da população japonesa. E mais pessoas podem morrer por isso do que no desastre natural. É isso que eu quero dizer quando peço que se considere o aspecto socioeconômico da questão. Ademais, Obama e a crise...então, o que há, na prática, é queima de dinheiro público sem a exigência de que os executivos das corporações - muitos dos quais responsáveis por essa Crise - simplesmente pedissem demissão - ao contrário, isso é passar a mão na cabeça deles -; mesmo que o Estado esteja ganhando nisso, é fato que essas medidas não tiveram impacto nem na geração de emprego, nem de renda - ao contrário, como em qualquer crise capitalista, a classe trabalhadora está custeando isso.

    abraço

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