sábado, 19 de março de 2011

Três Debates Estratégicos: Líbia, Comissão da Verdade e a Visita de Obama

Dilma e Obama em Brasília -- foto: Agência Brasil

Assim mesmo, tudo junto e misturado. Na última quinta-feirao Conselho de Segurança da ONU aprovou a Resolução nº 1.973 que, por sua vez, aprova o uso da força contra a Líbia, em virtude da violenta repressão da Ditadura Kadafi contra as forças rebeldes - o Brasil, enquanto membro eleito desse Conselho, se absteve junto com Rússia, China, Alemanha e Índia, sendo que os dois primeiros não utilizaram do poder de veto (que dispõem na medida em que são membros permanentes). Na última sexta-feira, o TUCA (Teatro da PUC-SP) recebeu a 48ª Caravana da Anistia, a primeira do atual Governo, contando, inclusive, com a presença do Ministro da Justiça José Eduardo Cardozo - também professor da Casa - que, após o evento, declarou à imprensa que o Governo está unido em relação à implementação da Comissão da Verdade - como este humilde redator testemunhou a alguns metros de distância. Hoje, o Presidente Americano Barack Obama, em visita ao Brasil desde ontem, discursou em Brasília ao lado da Presidenta Dilma Rousseff.

São três itens centrais que se relacionam entre si e dizem respeito ao novo momento do Brasil no mundo. Sim, o Brasil depois de Lula é um país importante, diferentemente do que era no fim dos anos 80 - quando México e Argentina ainda eram os países mais relevantes da América Latina - ou do que ele poderia já ter se tornado nos anos 90. Isso não quer dizer que nosso país não tenha problemas graves ainda: O fato de estarmos já na 48ª Caravana da Anistia e o legado da Ditadura não ter sido superado - diferentemente do que houve no Chile e na Argentina - é gravíssimo. Ainda assim, é preciso considerar que a fala de Cardozo durante sua exposição e, depois, na entrevista para os órgãos da mídia corporativa foi contundente e alentadora - além de suscitar certo respaldo do Palácio da Alvorada. Não, o Brasil não poderá ser o país importante que ele quer ser - e que o próprio mundo, neste momento crítico, demanda com urgência - se não superar de vez o legado presente de sua Ditadura, isto é, o que resta neste exato momento do refluxo reacionário que produziu o 1º de Abril de 1964 - tudo de ruim que a Ditadura poderia ter feito já passou, o que interesse são os efeitos presentes, a negação de abrir arquivos históricos, de punir torturadores etc. Isso não é revanchismo, dado que se refere a problemas que existem em ato. O mundo precisa de um Brasil forte, mas não de um Brasil covarde que se autoanistia de crimes contra a humanidade, é condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos por conta disso e permanece inerte.

Por que o mundo precisaria tanto de um Brasil forte? Vejamos, a atual Crise Econômica Mundial expôs que o sistema econômico global é, na verdade, um gigantesco parque de diversões construído sob um pântano tenebroso, enquanto o fenômeno Wikileaks trouxe à luz, por sua vez, o fato de que o sistema político global, como não poderia ser diferente, é o Estado de Exceção de Agamben dito e feito. A União Europeia é um fracasso  - e a Rússia pós-soviética não é muito diferente, só que piorada -, o Japão se vê diante da iminência de uma hecatombe nuclear. O que resta ao mundo? Os EUA em crise, mas ainda imponentes com seu arsenal nuclear e sua presença imperial pelos quatro cantos - com algum eco libertário soterrado sobre os escombros do Iraque e preso entre as grandes de Guantánamo -, uma ascendente - e ditatorial - China, quem sabe a Índia e...o Brasil.

A humanidade, depois do Governo Bush Filho e da inércia de Obama vive a situação mais assustadora desde os anos 30. Ainda que se possa questionar bastante a atuação americana ao longo da segunda metade do século 20º, as atitudes tomadas nos últimos dez anos foram particularmente temerárias. A China, se muito, oferece apenas soluções para si mesma. O Brasil, portanto, é chave nesse processo em virtude de sua proposta de atuação não-belicista, favorável ao fortalecimento do sistema multilateral e cética em relação à gestão da economia mundial nos últimos trinta anos - o que produziu essa terrível crise econômica. Claro, a visita de Obama tem mais a ver com a necessidade dos EUA se apoiarem em um novo parceiro de peso - para sobreviverem - e, digo mais, com as próprias ambições político-eleitorais do Presidente americano - em suma, transformar essa aproximação com o Brasil em um fato político positivo para 2012, coisa que ele não foi capaz de fazer até agora por pura incompetência, sobretudo pela atuação ambígua de Washington no que se refere ao golpe hondurenho.

O Brasil precisa ser colocar como o fiel da balança da nova ordem, manter o diálogo produtivo e em posição de igualdade com os EUA - que não vai deixar de ser uma nação importante -, mas ao mesmo tempo manter a aliança com a China. O que nos interessa, enquanto brasileiros e seres humanos, é ver o Brasil contrabalanceando a China com o manutenção do diálogo com Washington e neutralizando os EUA com a manutenção da aliança com Pequim. Nesse sentido, a posição brasileira diante da invasão da Líbia - favas contadas desde que a insurgência contra Kadafi tomou corpo e ele preferiu destruir o próprio país a renunciar - foi correta; sim, Kadafi é um ditador insano e precisa cair; não, infelizmente, a intenção das potências que aprovaram o "uso da força" contra a Líbia são as mesmas que passaram os últimos anos alimentando toda sorte de ditaduras naquela região e, por sua vez, procuram neutralizar a todo custo as vitórias das mobilizações populares, grandiosas e intensas, que derrubaram as ditaduras de Ben Ali na Tunísia e a de Mubarak no Egito. Menos do que uma apologia à democracia, o Ocidente pretende estacionar tropas no Magreb para, digamos, negociar melhor a democratização da região. Nesse aspecto, refaço apenas as minhas críticas à posição tímida do Brasil frente à revolução tunisiana e egípcia. Agora, o álibi para a invasão ocidental na Tunísia é inevitável, o que resta é procurar a evitar que a futura presença militar da OTAN na Líbia não frustre a democratização de Tunísia e Egito.

É essa sensibilidade histórica que o Governo Dilma precisará ter: A luta pelo Brasil dar certo já não é mais apenas problema nosso, a humanidade toda depende disso.

9 comentários:

  1. Esperaram o Obama sair dos EUA para começarem a
    guerra.

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  2. Que saia justa que a Dilma está passando, então.

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  3. Que saia justa que o mundo está passando, Luis...

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  4. Mais uma excelente discussão, amigo. Apesar de toda os entraves neste começo de governo e as tentativas de atritar Lula versus Dilma, a presidenta esta mesmo tomando um lado junto aos americanos. Apesar de sua postura rígida, não vejo com bons olhos esta aproximaçao. Pois toda as posturas tem sido apenas de subserviência, contrariando mesmo as políticas externas mais despojadas da era Lula.

    Tomei a liberdade de citar teu excelente texto em meu blog.

    Abraços

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  5. Excelente, Hugo! Aliás, eu ia comentar no psot anterior, mas você e o Cava escreveram tão bem que me senti representado!=)

    Hj de manhã publico minha análise da visita do Obama, só pontos negativos. Uma vergonha! Sequer alenquei tudo que podia, senão seria um livro e não um simples artigo.

    A declaração de guerra contra a Líbia vindo do Brasil foi a humilhação final. Dilma concordando com tudo, só podemos lamentar.

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  6. DanDi,

    Até agora houve uma reaproximação do Brasil com os EUA - depois de um estremecimento justificado nos últimos meses do Governo Lula -, mas não sabemos onde isso vai parar - se é que vai. Sabe qual é a chave para saber se isso vai se consolidar mesmo? O tal Projeto FX, a epopéia homérica em forma de licitação mediante a qual o Brasil iria recompor sua frota de jatos supersônicos. Olho nisso. Uma decisão não tem muita volta. Ainda assim, não é de um todo desarrazoado que o Brasil use os EUA para contrabalancear um pouco o poderio chinês, mas a diferença entre remédio e veneno é e sempre será a dose. Discordo que todas as posturas foram de subserviência, eu diria que é um processo esquizofrênico, entre um excelente discurso de Dilma - que marca posição mesmo -, houve todos os incidentes que bem sabemos.

    E valeu pela lembrança.

    abraço

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  7. Tsavkko,

    Eu acho que dessa visita existiram pontos bons, ainda que Dilma tenha acenado com certas concessões para os gringos visando garantir a reaproximação com eles - o que, repito, não é de um todo errado, embora seja questão de analisar o tamanho da dose -; creio que o discurso da presidenta foi bastante contundente sobre o tipo de relação que os países devem ter e eu, honestamente, gostei. Mas todos esses episódios periféricos são preocupantes sim, desde a revista aos nossos ministros à declaração de guerra - o primeiro, culpa da nossa segurança e de quem geriu a visita, o segundo, o tipo da coisa que você não espera de um visitante -, mas, sobretudo, a prisão dos manifestantes anti-Obama - o que ascende um belo sinal vermelho. O problema não é Dilma ter concordado com tudo isso - o que eu entendo que não aconteceu -, mas ter engolido. Aí é que está.

    abraços

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  8. Prêmio Nobel da paz defende
    guerra na Líbia.

    Sem comentários.

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