quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Respiração Suspensa

O Brasil de Lula em The Economist: miséria e desigualdade em baixa
É essa a sensação que já se encontrava o Brasil há alguns meses - e hoje, mais ainda, com a funesta e repentina doença que acomete Lula. Os termos em que a última eleição foi disputada, suas consequências, os problemas todos da relação entre as mudanças que o próprio PT produziu e sua maneira de lidar com elas. Tudo isso em turbilhão vem nos inquirir.

Se o mundo, grosso modo, parece viver um grande e carnavalesco 1968, o Brasil, por sua vez, também parece estar em 68, mas só que no seu 68 - embora em uma versão mais domesticada. Basta ver os rumos da política nacional. 

Não é só a morte na política - como decisão das forças políticas organizadas, quem deve morrer ou quem deve ser deixado morrer -, mas a politização da própria doença - que, em último caso, é um adoecimento dela - são as tônicas do momento, como se vê na curiosa campanha para que Lula trate seu câncer pelo SUS.

Não que ele não pudesse se curar pelo sistema de saúde público, mas sim que esse movimento é, no mínimo, curioso, pois vem de quem é contra uma saúde pública melhor - ou mesmo quem desconhece que no SUS doenças como câncer ou AIDS são tratadas efetivamente, embora o mesmo não se possa dizer daquilo dispensado aos males comuns. 

Sim, Lula teria um bom tratamento pela rede pública, o problema é que se optasse por isso, mataria algum pobre que depende do sistema público, diferentemente dele...

O SUS, pensam, é ruim e Lula deve ser deixado para morrer de câncer - como devem ser deixados para morrer aqueles que dependem do Bolsa Família ou recebem Salário Mínimo, embora, no calor do desespero eleitoral, a oposição tenha chegado a propôr aumento do valor dos mesmos...Capitalismo e Esquizofrenia, paciência...

Mesmo adversários históricos e opositores da mídia perceberam o tremendo tiro no pé que a militância organizada na Internet estava dando. Nada muito diferente da onda na qual surfaram nos últimos anos, mas em relação à qual estejam percebendo, só agora, o quanto os têm enfraquecido em vez de ajudado. Política não se faz com rancor.

Como seria um país sem Lula? Já é difícil entender como está sendo o Pós-Lula, uma vez que Dilma Rousseff, sua sucessora escolhida, mostra-se trôpega ao tentar, gerencialmente, administrar as mudanças socioeconômicas que lhe foram legadas. Pior do que uma herança maldita, só a responsabilidade de arcar com uma fortuna imensa.

Enquanto isso, na Argentina, Cristina Kirchner (foto), legatária do seu próprio - e recém-falecido - marido, Néstor, venceu arrasadoramente e tem conseguido mais êxitos do que sua colega de ofício brasileira - e cada vez mais o Peronismo vai sendo suplantado pelo Kirchnerismo, certamente mais eficiente do que o primeiro.

Ainda assim, lá como cá vivemos às voltas com a grande questão: o reformismo de lado a lado nos deixou mais fortes e mais livres, mas e depois? Que fazer? A multidão está colocada em frente da mesma questão em todas as partes do mundo, embora na Europa ou nos EUA, a ação é ditada pelo enfraquecimento e autoritarismo aos quais todos foram, e são, submetidos.

Organizações espontâneas e livres como a ocupação da Cinelândia, no Rio, nos parecem mais efetivas do que reuniões intermináveis e cheias de platitudes do G-20 - embora, mesmo lá, haja o que ser dito. E falo do Rio, o mesmo Rio que se vê às voltas com a truculência do higienismo urbano e com a expansão do câncer das milícias, mas que, ao mesmo tempo, consegue ser mais livre e vívido do que a velha São Paulo, de curvas cada vez mais cinzas e cuja tonalidade é mais e mais reta, embora cá a "esquerda" esteja mais fortalecida.

Vivemos um Carnaval. Pois então, carnavalizemos a política sem deixar jamais que se politize - muito menos se regule - o Carnaval. E que a nossa respiração suspensa seja apenas a espera de um grito de gol e não a perplexidade diante do desastre. Para isso, entretanto, é preciso fazer acontecer.

4 comentários:

  1. "... ou mesmo quem desconhece que no SUS doenças como câncer ou AIDS são tratadas efetivamente, embora o mesmo não se possa dizer daquilo dispensado aos males comuns. "

    Pois é, como se não bastasse o rancor, também não fizeram o dever de casa.

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  2. Obrigado, Barbara :-)

    Eles nunca fazem. Tempos difíceis, meu caro...

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  3. O que não os impede de ficar apregoando isso ad nauseam. O corolário: governo petista? Turma de lambões!!!

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