Folhas de Outono - Millais |
77% de aprovação, esse é o número - recorde, por sinal - de Dilma Rousseff depois de 15 meses de governo. Ainda longe da aprovação deixada pelo seu antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva, mas à frente dele no mesmo período de governo, Dilma governa de um modo próprio e alheio à tradição petista, como já enfatizamos: busca distender relações com a mídia de massa, deixando de lado a relação com ativistas (alguns históricos aliados do Partido dos Trabalhadores), além de articular com toda sorte de setores, alguns dos quais antagônicos à esquerda. O clima político de normalidade absoluta - e normalização suprema - cria um clima político de outono frio.
Se, por um lado, militantes - ambientalistas, midialivristas ou pró liberdades civis - se encontram na berlinda, a direita parlamentar compõe o governo desde que aceite suas regras - mas não há mais espaço para antagonismos capitais. A (justa) pressão sobre Demóstenes Torres, senador demista e estandarte da oposição desde o primeiro governo Lula, é uma mostra disso: para além das pantomimas que o governo pode ensaiar no parlamento, em nome do consenso, na prática, não há mais espaço para destoar tanto.
E a queda de Demóstenes leva por tabela todo o DEM junto - o mais ressentido e conservador partido anti-lulista, rachado ainda pela manobra do prefeito paulistano Gilberto Kassab que calhou no PSD, fisiológico por natureza. E pelo meio é que se estrutura a governança do Novo Brasil, no qual velhos caciques precisam virar cristãos novos para sobreviver. E Demóstenes é figura para lá de marcada, inclusive pela forma como sua relação com o inefável Carlinhos Cachoeira tem ligação com os ataques iniciais (e pesados) ao governo Lula.
Nesse ínterim, a oposição está paralisada. Seja ela à esquerda - seja a velha extrema-esquerda - ou à direita - o bloco oposicionista além de reduzido nas últimas eleições, está debandando e o que resta está sob ataque e dividido. Dilma tem uma popularidade alta porque seu governo, embora não venha alcançando altas taxas de crescimento, leva a cabo, por inércia, a política de distribuição de renda e ampliação do mercado interno deixada pelo seu antecessor, o que deixa no ar a sensação térmica de empenho na justiça social. Sua origem de classe e sua postura, por sua vez, abranda maiores oposicionismos vindos da classe média.
Não resta dúvida que o campo aberto deixado ao fim do governo Lula lhe dava possibilidades maiores, mas o caminho escolhido é o fogo brando do cordialismo, a moderação sóbria e o inercialismo frente ao legado que herdou - que ela repete dando fôlego ao seu aspecto social-desenvolvimentista. Não existe uma força política com uma agenda sólida, e disposição para fazer incursões na massa, capaz, neste momento, de lhe fazer frente. A postura da esquerda libertária, ainda que tenha em mente como horizonte de atuação a produção de subjetividade, o devir-multidão e a atuação transversal, não consegue pôr isso em prática, seja pela falta de densidade no seu próprio campo ou por suas dificuldades estratégicas.
Embora as eleições municipais não sejam determinantes no plano federal - o PT ganhou a Presidência da República em 2002 com pouquíssima prefeituras -, um mau resultado da oposição pode fazer toda a diferença para sua sobrevivência - mas se há uma disputa realmente pungente é a de São Paulo, na qual José Serra enfrenta o ex-ministro da educação Fernando Haddad, enquanto o agora governista Gabriel Chalita também tem uma candidatura competitiva (em outras palavras, é o que resta da oposição contra o PT e também contra o governismo não-petista).
No mais, em uma das melhores sacadas da blogosfera este ano, o Sensho fez uma belíssima observação do que a esquerda deveria aprender com os evangélicos: sim, baixemos a bola da nossa petulância, a esquerda que tanto fala em plebe, reclama das desditas da história e fala em becos-sem-saída esquece o fenômeno espantoso de crescimento da religião evangélica pelo país nos últimos anos; será que é tão impossível assim chegar às massas e trabalhar junto com elas? Por que há tantas igrejas evangélicas e tão pouca esquerda pelas periferias? É essa a condição necessária seja para uma mudança de rumos do governo Dilma ou para estabelecimento de uma alternativa para ela no médio prazo.
Bom texto, Hugo. Só um detalhe: É Luiz Inácio Lula da Silva. Eu sempre confundo e escrevo Luís também.
ResponderExcluirCorrigido, Rafa, valeu - acho mais é que Luiz/Luís precisaria ter uma grafia única, mas enquanto isso, vamos corrigindo.
ExcluirPois e o que fala e bem por ai... Tem alguma coisa errada com o Brasil: o sexto na economia mundial, o trigesimo e pior na distribuicao de renda o octogesimo quarto no ranking de respeito aos direitos humanos, no IDH... com uma divida publica que merece uma auditoria. Ou seja ainda estamos pagando muuito e devendo montanhas ao capital estrangeiro,por isso nao tem grana pra saude,educacao...A ausencia de retorno de bens e servicos porque o dinheiro do povo-Brasil vai pra pagar a divida. E o PT agora privatiza aeroportos. Mudou?E isso que queremos, cade a mudanca?
ResponderExcluirO Brasil é a sexta economia mundial, Anônimo, mas também tem a quinta maior população, o que nos diz que não temos tanta riqueza assim - e ela ainda é mal distribuída, o que é fator gerador de pobreza geral e não mero acidente. Sobre a dívida do Estado brasileiro, é fato que ela foi internalizada a muito custo pelo governo Lula, o que nos tornou menos dependentes da banca internacional ao mesmo tempo em que tornou a banca nacional num verdadeiro poder. Ainda existe um bom esforço por parte dos governos petistas que é utilizar a estrutura estatal como motor desse sistema - vide o Banco do Brasil durante o primeiro movimento da crise em 09, bombeando crédito enquanto os bancos privados fechavam as comportas -, mas isso não evita os males gerais da financeirização nem nos livra de um mal residual brasileiro que é a o peso da concentração das finanças na mão de poucos bancos. Creio que o Brasil de hoje não é igual ao país que tínhamos há dez anos atrás, mas as mudanças irrompidas tem sido neutralizadas, ajustadas, modeladas pela ordem - quando elas podiam estar sendo catalisadas. É o outono frio ao que me refiro: a contemporização de Dilma quando ela poderia fazer diferença, mas sem que uma força política (dentro ou fora do PT) se insurja como alternativa.
ExcluirPrecisamos de um prefeito de corpo e alma, com vontade declarada; não vejo o Serra com esse perfil, pois, até dois meses atrás declarava não querer ser prefeito de São Paulo. Voto em Gabriel Chalita !
ResponderExcluirQue ao Serra não restam nem alma nem corpo, não tenho dúvidas, mas não endosso voto em Chalita não. Paciência.
ExcluirO que Chalita representa, além de um conservadorismo religioso torpe? É um Serra carola.
ExcluirDiscordei - e discordo - frontalmente do Sensho neste artigo (http://www.amalgama.blog.br/03/2012/esquerda-evangelicos/) não sei se tiveste tempo de ler. Nada temos a aprender com evangélicos, especialemtne com a cambada de bandidos no parlamento.
ResponderExcluirLi, mas acho que o ponto da questão que o Sensho levanta é outro: os evangélicos - em toda sua diversidade e não vou colocar a questão em termos morais porque isso não me parece levar a lugar algum - conseguiram se expandir, a esquerda não e trata isso como um mal do nosso tempo, como se fosse impossível sair das universidades ou, se muito, dos sindicatos e movimentos de sempre. Nesse sentido, a esquerda tomou sim uma piaba do neopentencostalismo e como não existem espaços vazios na política, foram eles que ocuparam esse. Podemos sair dessa, mas é preciso menos sedentarismo. É evidente, no entanto, que com a espécie de produção de subjetividade que o neopentecostalismo realiza, nós não temos nada a aprender (no sentido de seguir, talvez aprender no sentido de enfrentar). E bandidos somos todos, vivemos nas nossas matilhas e temos dois olhos frontais mirados para o horizonte como os bons predadores que somos.
Excluirabraço
Meu problema é metodológico. Não vejo paralelos entre crescimento dos MArginais da Fé e semelhantes com a Esquerda. Não vejo como ou porque comparar coisas t~~ao distintas. A esquerda é digna de críticas, mas por ela mesma e não tendo como ponto de vista grupos de fanáticos religiosos que se espalham como lepra.
ExcluirMas ninguém está equiparando os dois referenciais, só está se dizendo que um grupo conseguiu se expandir - dentro da sua lógica que é descentralizada, mas compreende a lógica de rede atual - e a outra se estagnou por sedentarismo. É isso que está em questão. Uma análise moral, como é comum à nossa esquerda, impede que se entenda isso e é esse erro que, ao meu ver, você comete: trata-se de um processo complexo, sistêmico e, por certo, extra-moral.
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