domingo, 1 de abril de 2012

Primeiro de Abril

É o Dia de Mentira e, também, aniversário do Golpe de 64 no Brasil - não à toa, considerado ontem pelos apoiadores, mais ou menos declarados, daquele episódio, afinal, a ironia seria tremenda. 1964 significou várias coisas para o Brasil, dentre elas o fracasso do modo de luta social promovida e liderada pelo Partidão no pós-guerra, o naufrágio do Trabalhismo - ou o que restou do positivismo varguista no pós-guerra, desvencilhado de sua faceta fascista e aproximado de seu lado social - e a maior vitória de pirro da história da nossa direita.

Dizer que o Brasil estava bem antes de 64 é tão ingênuo - ou, quem sabe, desonesto - quanto dizer que os golpistas tinham razão: aconteceu o que aconteceu tão somente porque estávamos exauridos e, para fechar o caixão, fomos arrebentados pelas ondas da Guerra Fria. Goulart não foi ingênuo, lutou até o último momento, mas padeceu de uma torpeza que, em matéria de política, não perdoa até os melhores: quando se enfrenta forças totalitárias, seja elas quais forem, o cenário com que se deve trabalhar é sempre o pior.

É ingênuo supor que 64 foi causado pela ação de todos os entes maléficos do nosso país juntos; como toda ditadura, sua sustentação se deu por causa tanto mais de um certa convicção honesta do sujeito comum e, também, de setores organizados não necessariamente perversos na ação:  sem a ala liberal do exército (a turma da Sorbonne), anti-bolshevista (com lá suas razões) e não fascista, não haveria golpe tanto que, ela mesma, tomou um golpe mais adiante com o AI-5. 

Hoje, quando falamos da Ditadura, certamente não interessa qualquer rancor sobre o que passou, o que foi-se, mas sim uma discussão sobre aquilo que subsiste daquele período aqui-agora. Enfrentar Médici, hoje, é enfrentar um moinho de vento, enfrentar seu legado - e as assinaturas daquele período na nossa vida política - é o que interessa. Daí, o que interessa é a Memória histórica: punir torturadores, por mais lícito que seja, é apenas referendar os métodos deles com a ilusão de que podem ser usados para "o bem", trazer à tona o que aconteceu é outra coisa.

A Ditadura, inclusive, não teve o mérito de iniciar ou sistematizar a tortura no nosso país, mas sim, na sua debilidade, de universaliza-la e, assim, ao torna-la sombra permanente nos salões da boa gente, fazer com que os procedimentos de esmagamento dos mais pobres pudessem ser considerados em toda sua gravidade a partir daí. A verdade que precisamos extrair de hoje é o resultado da própria luta substancializada, a narrativa mais metódica e leal da perspectiva que parte daqueles que estão na pior posição possível - não dos que opressores, dos bem acomodados, tampouco daqueles que assumem a voz do outro sem assumirem sua posição.

Os 21 anos da Ditadura não foram um mal necessário ou a tomada do país por um mal sobrenatural, mas a expressão das nossas disfuncionalidades e da nossa miséria enquanto grupo. Isso foi, é e não precisa ser mais assim. Precisamos parar com eufemismos ou mesmo bravatas de confrontação vazios.

*dei uma mexida para arredondar o texto do post.

9 comentários:

  1. Olá; não entendi esta passagem: "punir torturadores, por mais lícito que seja, é apenas referendar os métodos deles". Como assim, os métodos eram lícitos? Ou não há diferença entre o lícito e o ilícito, já que ambos dse referem ao direito?
    Abraços, Pádua

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    1. Eu quis dizer que pelas regras do direito é, a exemplo do que foi feito pela América do Sul, aceitável puni-los, mas que essa lógica de punição pode - e até precisa - ser afastada.

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  2. Hugo, desta vez estou em total concordância com seu texto. Um regime que tortura e mata não merece eufemismos. Ao passo que, foi excelente a sua comparação, não cabe mais lutar contra moinhos de vento. Escolhemos o mesmo caminho trilhado por Mandela (guardadas as devidas proporções). Sepultamos todas as punições no passado, para não igualarmos aos que serão punidos, para que não haja revanchismos. A memória e a verdade, por outro lado, são outros quinhentos. Todos os brasileiros, quer vivenciaram o golpe ou não, têm o direito a saber claramente o que aconteceu. Assim como na Alemanha as crianças desde muito jovens são instadas a visitar os campos de concentração.
    Somente com o conhecimento dos horrores do passado é que estamos preparados para que ele jamais se repita.

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    1. Estamos em total acordo, Nuno. É preciso fazer cessar o ciclo de violências e punições, não repeti-los como a solução que eles nunca foram. Saber do que aconteceu, longe de qualquer bom-mocismo, é a verdadeira crueldade que precisa ser levada a cabo, pois significa o próprio reconhecimento dos nossos problemas estruturais.

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  3. Afinal, o dia primeiro de abril é o dia da mentira por causa do golpe militar ou o golpe militar é no primeiro de abril por ser o dia da mentira?

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    1. Eis o mistério - e esse é tão terrível quanto o do Tostines ;-)

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  4. Também concordo que deva acontecer a mais ampla e insofismável comissão da verdade, que tudo seja apurado, as narrativas todas recontadas, os pontos nos is colocados, --- inclusive e sobretudo a responsabilidade de certa grande imprensa, empresas, bancos, estados-nações etc. Só que a mobilização pode derrapar quando se aferra à pauta punitivista, como se fosse necessário o Estado, como vontade abstrata do Povo, dizer quem estava certo e quem estava errado, como se isso tivesse uma função civilizatória, como se fosse uma via teológica para purgar o mal e reequilibrar a história. A meu ver, memória é outra coisa. É narrar do ponto de vista de quem lutou, resistiu, morreu, e ficou anônimo. É conceder a chance para que essas pessoas continuem vivendo. E que, assim, a ditadura seja esquecida, que ela de fato morra. A comissão da verdade que importa é uma que tenha a capacidade de fazer-nos finalmente esquecer dos crimes da ditadura, que eles jamais reinem.

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    1. Exato, Bruno, porque a punição penal, embora tenha fundamento dentro de sua racionalidade - coisa que certos setores tentam negar, pois defendem o punitivismo para situações que certamente não se confundem com essa - é, mesmo modulada e civilizada, ratificar a mesmíssima ordem. O que me interessa é uma ruptura, não um retorno ao Estado como aconteceu nos descaminhos de tantas revoluções.

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  5. O golpe militar foi ensaiado diversas vezes desde 1950 e dele participaram inúmeros viúvos do Estado Novo, gente como Filinto Müller, que nunca respondeu pelas barbaridades que fez entre 1937 e 1945. A lição principal daquele período é que a tolerância com a pregação de intervenções militares e a impunidade dos que cometeram crimes gravíssimos sob a cobertura ou mesmo com o incentivo do estado é uma péssima receita para o futuro. Dizer "nunca mais" significa bater de frente contra, repito, pregações golpistas e a impunidade de torturadores e assassinos. Quem conhece a história brasileira antes de 64 sabe que ninguém da idade de José Serra usa o termo "república sindicalista" em vão e quem conhece a história depois de 64 sabe que alguém como ACM não poderia simplesmente se integrar à política sem ter respondido pelo que fez e permitiu fazer durante os anos de ditadura.

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