Fila de Desempregados Espanhóis |
Desde que a presente crise arrebentou em meados de 2008 - não sem dar sintomas, diga-se -, o noticiário europeu é uma série de tragédias anunciadas. Agora foi a vez da Espanha, às vésperas de novas eleições na Grécia, depois da dissolução do parlamento recém-eleito graças à não formação de governo, e das eleições legislativas na França, que ocorrem sempre um mês após à eleição presidencial, a cada cinco anos.
Não é preciso, como insistimos por aqui, ser nenhum expert em macroeconomia para antever os desdobramentos da crise na Zona do Euro, uma vez que os resultados de uma partilha de uma moeda comum - ou de uma paridade em torno de uma moeda forte - são amplamente conhecidos por nós brasileiros (sobretudo entre aqueles que tem memórias vivas dos anos 90 e da paridade dólar-real): a economia mais forte passa a exportar mais e as mais fracas passam a importar mais do que conseguem ou mesmo precisam.
No caso europeu, os déficits infinitos dos países periféricos eram compensados pelo acesso (supostamente) sem fim ao crédito, uma vez que os Estados ricos e exportadores tinham liquidez para bancar o jogo. Ninguém, no entanto, se deu ao trabalho de pensar até que ponto esse contínuo - e inevitável - endividamento poderia chegar, tampouco o que aconteceria em um cenário de crise no sistema financeiro.
Pois bem, os Estados mais pobres, a exemplo dos mais ricos, tiveram de resgatar os seus bancos - quebrados pela ingerência da festa do sistema financeiro nas últimas décadas -, cometendo a torpeza política de recapitalizar algo que quebrou por conta própria às custas do erário público, mas ao contrário de seus primos ricos, eles não têm capital para bancar essa aventura e, pior ainda, não tiveram qualquer ajuda de seus vizinhos - que continuam a ter sim liquidez, como insiste o próprio presidente do Banco Central Europeu, Mário Draghi.
Essa brincadeira, nos países periféricos da Zona do Euro, não trouxe qualquer compensação para a sociedade, que no fim das contas pagou duplamente: a primeira via tributos gastos, a segunda via cortes de benefícios sociais para o reequilíbrio das contas públicas por meio dos "programas de austeridade". Esses países, além de não disporem de fundos, sempre tiveram uma situação frágil, uma vez que o Euro os tornava permanentemente deficitários na Balança Comercial, tanto que suas contas correntes esteve sempre comprometida.
A riqueza social produzida pelos europeus, que marcou toda essa bonança do pós-guerra, foi aparentemente repartida, mas para os países pobres do continente ela o foi como dívida, enquanto para os ricos isso aparece como liquidez - como se essa liquidez transcendental de países como Holanda ou Alemanha não resultasse do acesso aos mercados periféricos europeus. Esse estouro, junto com pequenos problemas internos de países como Portugal e Grécia, acabou por catalisar a presente crise.
A Espanha, que a exemplo de Portugal e Grécia, viu seu pós-guerra ser dominado, justo nas décadas de ouro do estado de bem-estar social, por um regimes fascista - embora os gregos tenham tido um intermezzo democrático -, azeitou uma democracia parlamentar com seu braço direitista e seu braço esquerdista, separados por muito pouco e unidos no projeto de integrar o país à Europa nesses termos.
Detalhe que os primeiros anos da democracia espanhola (1977-1982) foram dominados, ainda, por setores conservadores - que governaram seus cinco primeiros anos democráticos, de forma controversa e atrapalhada - até o longo governo socialista de 14 anos (1982-1996), encabeçado por Felipe González, cuja duração marcou a inserção definitiva do país no projeto europeu. O governo conservador de José Maria Aznar (1996-2004) apenas trouxe uma guinada na política de relações exteriores do país, tornando-se mais pró-americana, o que só causou maiores problemas quando, às vésperas do pleito de 2004, o país foi vítima de um atentado terrorista de um grupo extremista islâmico em retaliação à participação espanhola nas incursões americanas no Oriente Médio: a irritação dos eleitores veio à tona e os socialistas voltam ao poder com a promessa de tirar as tropas do país do Iraque.
O governo socialista de Zapatero que foi de 2004 até o ano passado, apenas inseriu mais ainda a Espanha na economia da dívida do projeto europeu e, diante da crise, deu o dinheiro que não tinha aos seus banqueiros, se endividou e compensou tudo com cortes nos investimentos públicos e sociais - além de manter a velha política de enquadramento e cerco às minorias autonomistas pelo país. Sua derrota ano passado, foi a expressão de uma abstenção massiva dos eleitores (32%), seguindo a tendência dos últimos anos, que resulta do desânimo geral do eleitorado com a situação do país e a semelhança (à direita) entre os grandes partidos - o que impacta sobretudo no eleitorado esquerdista, especialmente aquele ligado aos movimentos sociais do país, que vive o impasse de estar cada vez mais distanciado do sistema partidário-parlamentar sem, no entanto, produzir uma alternativa para tanto.
A direita sequer viu seus votos aumentarem substancialmente nessa vitória - eles aumentaram em apenas 600 mil votos - enquanto os socialistas perderam mais de 4 milhões de votos em um universo que variou de pouco mais de 25,7 para 24,6 milhões de votos. O novo premiê, Mariano Rajoy, que passou os sete anos de governo Zapatero como líder da oposição assumiu um país com a maior taxa de desemprego da Zona do Euro - quase um em cada quatro espanhóis incluídos na população economicamente ativa não tem emprego -, mas continua a repetir a mesmíssima política de cortes de investimentos para adequar o orçamento espanhol ao déficit comercial inerente a participar do Euro, repetindo a política insana de fazer o pé caber em um sapato vários números menores, nem que para isso precise amputar os dedos.
Em suma, o fracasso anunciado do governo Rajoy faz a democracia espanhola rumar para algo parecido com o que houve na Grécia: a falência do consenso partidário tradicional, o que não quer dizer que disso vá se produzir uma saída efetiva. Como tratamos recentemente, a Grécia viu a ascensão de uma série de agremiações menores ascenderem ao seu parlamento nas últimas eleições - sete no total, algo incrível para um país praticamente bipartidário há quase quarenta anos -, o que impediu a formação de governo e resultou na dissolução do parlamento recém-eleito. Depois de meses sob um governo técnico, agora a Grécia está nas mãos de um governo provisório, enquanto a tensão chega a níveis máximos, inclusive com um deputado neonazista, do recém-dissolvido parlamento, agredindo uma colega esquerdista na televisão.
Para as novas eleições marcadas para dia 17 deste mês, o partido da esquerda radical Syriza aparece como um dos favoritos - e sua plataforma gira em torno de uma renegociação do pacto de resgate do país, nem que isso signifique sua saída da Zona do Euro -, disputando ponto a ponto com o centro-direitista Nova Democracia a liderança das pesquisas, mas como é de se supor, em uma nova eleição realizada um mês depois da anterior, nenhum partido obterá maioria absoluta e os rachas no campo da direita e da esquerda inviabilizaram a formação de um novo governo - exceto se houver um amplo e plasmoso acordo, o que pode, inclusive, marcar a exclusão do Syriza, ainda que individualmente vencedor, da futura coalizão governista.
Nos dias 10 e 17*, os franceses irão às urnas para eleger sua Assembleia Nacional, a câmara baixa de seu parlamento, fechando o seu ciclo de eleições que começou ano passado com o Senado, vencido pela esquerda, e passou há um mês pela (apertada) vitória socialista nas eleições presidenciais. A tendência, dentro de um sistema eleitoral confuso como o francês, distrital de dois turnos, é que a esquerda reunida vença, inclusive pelo cansaço do eleitorado com a maratona eleitoral: se em média 35 dos 44 milhões de eleitores franceses votam nas presidenciais, esse número cai em pelo menos 10 milhões um mês depois nas eleições legislativas, uma sobre-abstenção que normalmente corresponde aos eleitores do partido derrotado nas presidenciais.
Se há cinco anos atrás, a boa vitória, ainda que em dois turnos, presidencial de Sarkozy deu ao seu partido (UMP) quase 40% dos votos contra reles 24% dos socialistas, mas agora a tendência é que a votação de ambos se aproxime em torno de 32%-35% dos votos, com a votação da esquerda reunida - contabilizados aqui o Front de Gauche, de Mélenchon, o Partido Radical de Esquerda e os Verdes - beirando os 45%, somando maioria relativa do parlamento frente a conservadores e centristas. Ao que tudo indica, Hollande, apesar da vitória apertada, terá tranquilidade para governar, a questão é saber como e até onde irá sua disposição para confrontar a Troika e o novo Pacto Fiscal proposto por Merkel - e em relação ao qual ele se opôs publicamente de antemão.
O quadro atual, portanto, aponta para o que pode ser um segundo momento da crise europeia com o reaparecimento da social-democracia e o gradual isolamento da centro-direita - incluindo aí as recentes derrotas da democracia-cristã alemã em estados importantes de sua federação -, além da ascensão de uma esquerda radical que, embora minoritária, força essa centro-esquerda a questionar os pés de barro do projeto europeu, o que se não é suficiente para um lado, marca uma pequena mudança de nuance na direção.
*na verdade, o segundo turno das eleições para a AN é dia 17, o primeiro turno é amanhã mesmo.
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