Violeta Foi para o Céu, filme do jovem cineasta chileno Andrés Wood sobre a vida de sua compatriota, a cantora - e também pintora e folclorista - Violeta Parra, é um dos melhores filmes latino-americanos dos últimos anos. Wood, que já nos presenteou com o excepcional Machuca há alguns anos, mostra em Violeta sua boa forma artística, afirmando uma linguagem própria que gira em torno da memória afetiva e de um sublime do comum - não lhe interessa qualquer grandiloquência ao narrar a história de sua país, ao contrário, tal narrativa está fundada na perspectiva de um sujeito sensível, em seu nexo não-linear de memórias afetivas, e no que há de corriqueiro, sutil e, portanto, potente na vida.
Violeta não é uma mulher, é uma força da natureza: em um país cujo legado nativo, em toda sua potência, convive com um recalque civilizatório que faz a indianidade, e a simples perspectiva de amálgama cultural, tornar-se o maior fantasma do imaginário coletivo local - a ameaça a um projeto modernizador reprimido e repressor -, Violeta é a voz que irrompe com a força de um trovão, as cores de uma tempestade nos Andes e a paixão sem limites que deseja para além de si mesma. Sua feminilidade, indomável e por vezes rancorosa, é a própria força incontrolável e fecunda da Mãe Terra. E Wood, sem panfletarismos ou a linearidade rígida e acadêmica não raras às filmobiografias, nos conduz a esse Mundo-Violeta.
As canções, as sutilezas e a descontinuidade são harmônicas no plano de composição em Violeta - como uma arte liberando-se de linhas rígidas, e não meramente liberada, flutuando e animando a vida que corre. E os Andes terminam como panorama imanente dentro dessa composição, tendo ao fundo o canto de Violeta e seus olhos cortantes de condor.
Se uma leitura apressada das sinopses de Machuca e Violeta apontam para uma suposta dedicação de Wood a um projeto historicista, uma análise mais cuidadosa de sua obra nos abre as portas para uma produção vívida que se volta, a bem da verdade, para um devir-Chile: as memórias, o sensível e o comum de um país que tombou nas mãos de um programa obliterador e paranoico, guiado pela crença em uma modernidade combinada com um culto medieval à repressão, uma força voltada a cindir natureza e cultura em um binarismo estanque - cuja violência não poderia ser pequena, dado o grau de união em que se encontravam no legado nativo.
O cinema de Wood é não só de resistência cultural, mas também de uma persistência sensível sem tamanho - como o sorriso singular e contagiante de Francisca Gavilán, magnífica no papel de Violeta, nas reminiscências de uma vida em cortes, recortes e paixões. A caudalosidade histórica de Violeta reside justamente na sua despretensão narrativa. Em um filme como esse, irrompe uma força sem limites de um país ambíguo e belíssimo. Isso tudo põe Wood no mesmo panteão de vozes chilenas que se opuseram à pasteurização cultural e a anestesia pinochetista.
Magnífica resenha, Hugo.
ResponderExcluirAs américas precisam de mais releituras como essa de Wood, que você amplifica no teu blog.
Abração!
Wood é um dos impreteríveis da América Latina de hoje, sem dúvida. E recomendo fortemente Violeta, mestre DanDi - a de verdade e o filme!
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