terça-feira, 5 de março de 2013

Yoani e o Triunfo da Sociedade do Espetáculo, por Luis Henrique Mello


Yoani recebe a hospitalidade do Deputado Bolsonaro
Em artigo exclusivo para O Descurvo, Luis Henrique Mello discorre, debordianamente, sobre a visita de Yoani Sánchez como caso exemplar do triunfo da sociedade espetáculo: nossa vida  comum imprensada entre a doxa e a representação teatral.

Os sábios perceberam e não disseram nada. Os grandes não perceberam. Os pequenos falaram. E muito. Porque não há, de fato, nada substancial a acrescentar ao que Guy Debord já tinha elaborado no longínquo ano de 1967 em sua seminal obra que trata das relações de poder no contexto da cultura de massas, da imagem, da mídia - a Sociedade do Espetáculo.

A recente visita de Yoani Sánchez no Brasil despertou amores e ódios. Ela não é o que é, ela representa algo muito maior que ela. Recebeu tomates e ovações. Apareceu ao lado de nomes importantes da cena política nacional, cujo clímax chegou à patética visita ao Congresso Nacional, como se ela fosse alguma diplomata ou embaixadora de Cuba. O Espetáculo a transformou em uma santidade.

Chegamos aos pontos principais da obra de Guy Debord:

A alienação espetacular.

Pertencentes à Sociedade do Espetáculo, já não vemos mais a realidade com nossos próprios olhos, mas com os olhos dos outros. Yoani subitamente transforma-se em nossos olhos.

A mercadoria como espetáculo.

Yoani começou seu blog em 2007. Poucos meses depois já era matéria de capa no Washington Post. É um produto, uma mercadoria, que já contava com uma boa campanha de marketing desde o princípio.

O triunfo da aparência.

Temos uma figura frágil, delicada, simpática, sorridente. Isso nos faz apegar emocionalmente a Yoani e digerir a imagem de um Davi contra Golias.

O tempo e o espaço espetaculares.

O maior paradoxo disso tudo é que temos uma 'perigosa dissidente' aqui no Brasil falando o que bem entende ao mesmo tempo em que reclama que não há liberdade de expressão nem de movimento em seu país. Ficamos presos à imagem de um imenso Gulag soviético da ilha caribenha.

A cultura e a ideologia do espetáculo.

Impressões cotidianas, crônicas, se transformam em 'jornalismo' tão somente porque Yoani é colunista do El País e do Estado de São Paulo. E porque é cubana. O problema não é quem protesta, mas o objeto do protesto - assim temos manifestantes (digo, 'terroristas') palestinos mortos, estudantes gregos apanhando feio da polícia e tendo suas fotos alteradas no Photoshop para esconder as marcas, integrantes de uma banda punk russa presa, e uma blogueira cubana à luz dos holofotes.

Enfim, se pensarmos bem, o século XXI é corpo constituinte do Espetáculo: a queda do World Trade Center? Confere. A guerra contra o terror? Confere. O julgamento de Saddam Hussein? Confere. O Nobel da Paz para Barack Obama? Confere. O assassinato de Osama Bin Laden? Confere. A Ação Penal 470, vulgo Mensalão? Confere.

Agora vemos a Yoani viajando pelo mundo com um megafone na mão. Isso não tem absolutamente nada a ver com 'liberdade de expressão', 'democracia', ou o que venha: tudo isso é tão somente a cristalização da Sociedade do Espetáculo. Porque quem faz turnê mundial são super-grupos de rock e quem aplaude ou vaia é platéia.

3 comentários:

  1. No Rio, um dos maiores representantes do establishment imobiliário-financeiro, o jornalista Merval, do Globo, escreveu um editorial intitulado "momento Yoani" contra os protestos nas portas da fundação do MAR, um monumento à higienização, ao racismo e a à merda de artista funcional à violência.

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    1. Eu li o texto do imortal, Bruno. No dia anterior tinha lido e compartilhado o seu texto. A única coisa que me passou pela cabeça foi que o Merval não viu nada, não sabe nem que estava protestando ou porquê. Não viu não porque não quis, não viu porque não tem como ver...

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    2. A falácia que cerca Yoani, não sei se por responsabilidade direta dela, é que ela se tornou um ícone da má consciência neoliberal: ser crítico dela automaticamente se transformou em ser contra a "liberdade" -- entendida aí, a suposta liberdade de "mercado" (na verdade, do oligopólio proprietário contra os trabalhadores e demais setores) -- como se tudo fosse uma questão (espetacular) de ser a favor ou contra a íntegra do sistema cubano. Eu, particularmente, sou contra muita coisa do regime cubano, mas isso não implica em tirar uma foto ao lado de Bolsonaro (ou, por tabela, de Yoani). É preciso pontuar bem isso.

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