terça-feira, 28 de outubro de 2014

Dilma Outra Vez

Festa de Dilma na Paulista
Dilma Rousseff venceu o pleito mais apertado da breve história democrática do Brasil. Foi, seguramente, a campanha mais polarizada, agressiva e tensa que já vimos. Segundo as pesquisas, depois de ultrapassar Aécio Neves e abrir uma pequena vantagem nos últimos dias, Dilma se viu atingida por uma bomba equivalente às manipulações que favoreceram Collor em 1989: a capa da revista Veja dizendo, sem provas, que ela e Lula "sabiam de tudo" a respeito do escândalo da Petrobrás -- o que veio acompanhado de uma panfletagem massiva da capa pelo país no dia da votação e, também, do tragicômico boato que o doleiro que supostamente os incriminou teria sido "envenenado".

Entre a quinta-feira e a votação de domingo, pois, tudo mudou. E o que poderia ser uma vitória por uma margem moderada, se tornou uma possível derrota. O direito de resposta ganho pelo PT junto ao TSE, obviamente, veio em cima da hora e o estrago já estava feito. Mas, por incrível que pareça, Dilma venceu com quase 52% dos votos. Diante das circunstâncias, em uma eleição na qual aconteceu de tudo, a vitória de Dilma no último domingo foi um feito histórico, sem dúvida.

E isso só foi parte da história. Com uma mobilização da militância como há muito não se via no apoio a um candidato presidencial petista, a reação veio na mesma moeda com uma radicalização do discurso e da prática: não foram poucas as agressões contra ativistas que apoiavam Dilma, tudo alimentado por uma discurso de ódio que mirou desde militantes de esquerda até os nordestinos, mesmo depois de apuradas as urnas. 

Aécio não estimulou diretamente isso, mas também não censurou essa escalada em momento algum. Como Serra em 2010, ele surfou na onda, pois, afinal de contas, vale tudo para ganhar do PT. Como ele governaria, caso vencesse, aí se trata de um mistério que ficará por conta da história contra-factual: eis que Aécio contrariou uma das regras eternas da política (e também da magia!), qual seja, a de jamais invocar uma entidade poderosa demais para ser mandada de volta, uma vez terminada sua função

É igualmente claro que o resultado das eleições está para além das circunstâncias eleitorais. O quadro "mudancista" que se formou nos últimos tempos expressa o encontro entre dois fatores chave, ou seja, as novas necessidades postas com os avanços sócio-econômicos da era Lula-Dilma com a falência definitiva do sistema político. Nuvens negras se formaram no horizonte, mas a ideia de governo técnico trazido por Dilma, no qual o processo político é substituído por uma política de resultados, por sua vez, fez com que elas precipitassem antes do tempo.

O que o eleitorado não desejava, nem aceitava, por sua vez, era um retrocesso. Nesse sentido, mesmo com quase 70% do eleitorado desejando mudanças, Aécio não foi capaz de vencer, mesmo com todo o apoio da mídia de massa, dos bancos privados, das forças armadas. A força que anima o Brasil desde o ciclo de enfrentamento à ditadura, por seu turno, caminhou para uma aliança com a candidatura de Dilma que, contra tudo e contra todos, desbancou Aécio. E isso não significa que essa força tenha sido domesticada por Dilma, longe disso: a conta vai ser cobrada logo.

Não há contradição entre desejo de mudança e o voto pela manutenção do governo. Tampouco a manutenção de Dilma no poder implica em concordância. É o reconhecimento que, no limite, o PT é a opção prática para, ao menos, manter os direitos. Dilma teve uma oportunidade sui generis na política: continuar uma descontinuação do próprio governo. 

As teses que encampam a domesticação das forças de esquerda, no contexto da união por Dilma no segundo turno, me parecem um engano -- e são várias, inclusive com sinal trocado, uns veem isso como um triunfo feliz do governo, outros como um desastre, mas é a análise de fundo é a mesma. O fator que empurrou Dilma para frente é, precisamente, o aspecto socialmente indomável da sociedade brasileira, o qual não encontrou um ponto de consistência seguro em outra parte. Dilma não controla isso, nem tem como disciplina-lo.

O alarido delirante contra o nordeste é uma estupidez sem limites. Aécio tinha um portfólio, Minas Gerais, e perdeu lá. Se a questão for geograficamente interpretada, Aécio perdeu onde não poderia ter perdido. Como perdeu também no Rio, apesar da boa votação para quem não teve palanque.

Os dois compromissos assumidos por Dilma no discurso, sobretudo a reforma política, são de importância absoluta. Porém, mais do que uma larga reforma eleitoral-partidária, a mudança da interlocução entre governo e sociedade terá de mudar. Ou melhor, terá de acontecer. Os próximos anos serão uma navegação na tempestade.

A persistência de uma força constituinte que se espraia desde o derradeiro ciclo de lutas pela democracia, potencializado ainda pela inovação dos anos Lula, é o fator a ser entendido em toda a sua complexidade. Sua singela (e precária) existência, contra tudo e contra todos -- e entre a tempestade de derrotas --, é um paradoxo. Mas é o paradoxo a morada própria da filosofia, já diziam por aí...



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