Hoje, o ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva, será julgado em segunda instância pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Será o mais retumbante julgamento de um político na história brasileira. E como não poderiam faltar ingredientes dramáticos, as provas que pesam contra o ex-presidente são frágeis. É convenhamos algo sui generis na história nacional e, talvez, universal.
A própria sentença de primeiro grau, proferida pelo célebre juiz Moro, em si já aponta que não se sabe o que teria feito Lula para dar em troca ao apartamento que teria recebido como propina e, ao final, ocultado -- sendo que a rocambolesca história do triplex tampouco consegue ser definitiva a ponto de comprovar que, realmente, que o ex-presidente tinha a posse efetivo daquele imóvel.
Lula não será o primeiro presidente acusado de algo do tipo, Juscelino Kubitschek e Getúlio Vargas também foram atacados. Nenhum deles se viu, contudo, às voltas com um processo judicial por esse motivo. Um foi levado ao suicídio. O outro, teve seus direitos políticos cassados pela Ditadura Militar e, no fim das contas, faleceu em um acidente hoje contestado. A novidade é, portanto, a solução judicial, algo que atende às exigências de legitimidade e normalidade atuais, tanto que isso virou uma coqueluche na última década.
Sim, o Direito na modernidade, impregnado com laicização de inúmeros elementos teológicos, confirma o julgamento como seu ato final e decisivo. Nem sempre foi assim na história do Direito. O julgamento não era propriamente o momento culminante, quase como um fim e o meio necessário e onipresente, à esfera jurídica. O livro do bíblico do Apocalipse e sua apreensão na esfera política foram, sem sombra de dúvidas, essenciais. Ainda assim, não faltam célebres julgamentos ao longo da história que ajudaram, quase sempre na sua desdita, a moldar o mundo em que vivemos.
Do julgamento se tornar o momento por excelência do Direito, portanto, não é novidade, mas do julgamento começar a engolfar a política é algo mais recente, mas no Brasil ela adquiriu uma gradual e impressionante importância. Mudar o regime de coisas sai de cena para tirar de cena, mediante punição, os atores que não dançam conforme a música na nossa sereníssima ordem.
Ora, vejamos, a jurisdição, e sobretudo a de natureza criminal, se torna uma espécie de panaceia, de cura de todos os males, referendada pela população, mas movida sobretudo pelo próprio estamento judicial que provém, salvo algum caso raro, das classes mais abastadas. Não há muitos juízes ou procuradores de origem pobre ou negra, há pouco, havia pouquíssimas mulheres.
Tudo isso culminar nessa penumbra do Brasil atual. Na qual interesses econômicos poderosos de dentro e fora do Brasil se unem pela mudança de modelo de Estado no país, às expensas dos mais humildes, à falência do sistema político nacional, uma consequência quase que esperada do arranjo do 88 que, contudo, tem a responsabilidade também de Lula e do PT, embora não apenas.
O fato é, no que diz respeito ao julgamento de amanhã, Lula, pelas provas carreadas nos autos, dificilmente poderia ser condenado. Mas seus inimigos políticos não estão preocupados com isso, apenas querem um ritual que legitime sua prisão e, sobretudo, seu afastamento da política. Novamente, vemos banalidades jurídicas sendo repetidas talvez pela culpa ou pela vergonha, mas é certo que tudo que ninguém se atreve em dizer que este processo traz provas cabais contra o ex-presidente.
Isso traz em si um conteúdo de enorme gravidade, já que Lula, ironicamente, lidera a corrida presidencial em todas as pesquisas. Lula sempre foi um conciliador, um sindicalista moderado, cuja carreira política se deu, paradoxalmente, junto à esquerda brasileira pela singela razão que um sempre dependeu do outro.
Mas o Lula político, e presidente, só poderia ser acusado de compôr demais, de se aliar demais, não de ser radical. Radicalismo, capaz de tirar o Brasil de vez do prumo, é a maneira como Lula é combatido à direita, seja por sua origem pobre ou pelo intento, aí sim, pouquíssimo razoável no âmbito conservador -- o que não é pouca coisa, já que estamos falando sobre e a partir do derradeiro país do hemisfério ocidental a abolir formalmente a escravidão.
O Lula que está sendo julgado não é o Lula real, bem concreto e conhecido depois de oito anos de governo, mas um Lula que está além do mesmo. Esse Lula que, com ou sem razão, ainda é a esperança dos desvalidos em um momento de grave crise é o réu de hoje. E sua condenação nesses termos, e nessas circunstâncias, pode nos conduzir ao agravamento da nossa crise, porque é um fato mais grave até do que Lula, mesmo depois de tanto tempo, ainda continua sendo a principal referência para aqueles que querem democracia e justiça social.
Ainda que não se ache nada disso de Lula, e que milhões estão simplesmente enganados, é de se ponderar que esse tipo de flexibilidade punitiva, quase sempre voltada para esquerdistas ou para a direitistas inúteis, não parece lá prenúncio de melhores dias, haja vista o impeachment de Dilma pelo "conjunto da obra" e suas consequências na nossa vida prática.
Mesmo que se diga que se prove que, politicamente, isso é a coisa certa a ser feita, o fato dela ser feita do modo errado e por meios inúteis, me desaconselham a apoiar a saída. E tudo piora quando dificilmente essa é a coisa certa a fazer para melhorar a sofrida política do país.
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