quarta-feira, 29 de abril de 2009

A Folha e a Carta de Dilma

Enquanto a gripe suína faz vítimas pelo mundo e gera cada vez mais pânico - como se não bastasse a Crise Mundial -, alguns órgãos de mídia parecem tomados por um verdadeiro espírito de porco que somado à sua habitual sutileza paquidérmica, provocam engulhos.

O desenrolar do caso da falsa ficha da Ministra Dilma Rousseff é tosco. A Folha, como se não bastasse o escândalo da Ditabranda, publicou uma reportagem que expõe a luta armada contra a ditadura fora de seu contexto histórico, fazendo, ainda por cima, uma acusação contra uma ministra de Estado que, por coincidência, será candidata à presidência é questionável, mas se amparar em uma ficha do DOPS flagrantemente falsa é o cúmulo da desonestidade intelectual.

Como discorreu hoje em seu blog, Luís Nassif expôs as duas possibilidades lógicas para aquela ficha: Ou foi escrita em computador ou em máquina de escrever elétrica. No DOPS não havia nem um nem outro. A falsificação, por sua vez, pode ter se originado de algum site de extrema-direita apologista da ditadura militar, mas até agora não se sabe ao certo. A alegação da Folha, esdrúxula, é de que não se podia verificar a falsidade da ficha ou não. Na dúvida, o jornal optou por fazer a acusação. Para completar o trabalho, Dilma escreveu uma carta ao ouvidor do jornal denunciando isso e ela não foi sequer publicada. Enfim, a Folha fez barba, cabelo e bigode e completou um perfeito trabalho anti-jornalístico. Brilhante. O fato é que o tiro saiu pela culatra novamente.

Sobre a Folha ter um candidato favorito à presidência, nada contra, é pleno direito dela, mas não assumir isso, é criticável. Agora, agir como veículo de oposição é imoral, pois consiste em um claro desvirtuamento da função jornalística em prol do sectarismo político - como, diga-se de passagem, é fenômeno recorrente pelo mundo e em nosso país como já abordado neste espaço. Fazê-lo do modo que está sendo feito, aí, meu arguto leitor, já é esculhambação além de ser uma faca de dois gumes: Ou é um tiro que vai sair pela culatra ou, se der certo, vai dar errado porque seria a conquista de um objetivo político via insuflamento pára-golpista - à venezuelana, para ser mais claro -, o que gera um evidente e perigoso bumerangue.

6 comentários:

  1. Acabei de ler a carta da Dilma (no Nassif) e, confesso, estou perplexo. Os bastidores do caso o tornam ainda pior do que já era - sobretudo o fato de essa carta não ter sido publicada pelo jornal na íntegra e imediatamente respondida (afinal, embora a Folha não goste da ocupante do cargo, trata-se de uma ministra de Estado e há um protocolo-padrão a ser respeitado).

    Na minha opinião, Dilma deveria insistir e, se não obtiver retratação explícita (e não esse "Erramos" inaceitável), processar o jornal.

    É uma questão de estratégia política: a "grande mídia", em peso, passaria a acusá-la de autoritária (como se se valer da Justiça o fosse), mas, em compensação, ela estabeleceria "a priori" uma suspeição quanto a TUDO que emanasse da FSP contra ela. E poderia reforçar, no horário eleitoral, a denúncia das armações de que foi vítima.

    Dilma, ao menos nesse primeiro momento, sugere um embate bem mais incisivo com a mídia corporatriva do que Lula tem sido capaz.

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  2. Mauricio,

    Penso exatamente o mesmo sobre Dilma, creio que uma eventual presidência dela representará uma pedra no sapato da mídia corporativa, isso seria não só relevante como oportuno.

    E, sim, ela tem à justiça, mas uma coisa que me incomoda particularamente nesses casos é que os jornais e revistas publicam o que querem e no fim das contas quando, eventualmente, são condenados, pagam uma miséria ou se retratam num espaço insignificante na publicação. Ainda assim, creio que ela tem de fazê-lo para marcar território.

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  3. Hugo e Maurício,

    Que falta faz ao Brasil um jornal mais independente. Nem precisava ser de esquerda, bastava ser ético e compromissado com o País, com seu povo e com um jornalismo verdadeiro, que não tem nada a ver com esse praticado pela Folha. Parece que em alguns países, como os EUA, os jornais também fazem oposição ao governo ou se posicionam ao lado dele, mas tudo é feito as claras e o leitor sabe qual a ideologia ou a posição do jornal que está lendo. Já que isenção e imparcialidade é praticamente impossível, informar ao leitor de qual lado se está seria o mínimo que um jornal que se diz sério deveria fazer.

    Não entendo nada de leis, mas eu pensei que em casos como este, caso a pessoa ofendida recorresse à justiça e ganhasse, o jornal, ou outro veículo qualquer, deveria publicar uma retratação no mesmo espaço e com o mesmo destaque dado para a matéria que deu origem à ação na justiça. Não é assim que funciona?

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  4. Eduardo e Hugo,

    De fato, que falta faz um jornal minimamente decente, que oferece uma cobertura equilibrada, não-partidária, que ao menos descrevesse os fatos como ocorreram, tivesse propostas para o país e não ficasse criando esses factóides baseados em documentos forjados.

    Por muito tempo resisti à idéia de que a imprensa norteamericana (entre outras, como a francesa) era realmente superior à brasileira - quando morava fora, cheguei a ter uma discussão desagradável e exaltada com outro brasileiro, de direita, sobre isso, ele louvando o New York Times. Mas tenho de dar o braço a torcer: atualmente, não dá pra comparar o NYT com nada no Brasil. Quando apóia um candidato, assume isso de forma clara no editorial; os colunistas são ferinos, mas não manipuladores que distorcem tudo como certas moçoilas da Folha; quando houve aquele escândalo do repórter que inventou entrevistas, demitiu-o e retratou-se publicamente, em primeira página. E era isso que a Folha deveria estar fazendo agora, mas não faz...

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  5. Olá, pessoal,

    Bem, Eduardo, teoricamente a lei diz isso sim, mas não sei por qual mistério é raro ver um direito de resposta que seja proporcional ao agravo. Lembro-me, claro, do épico direito de resposta do Brizola no Jornal Nacional lido por Cid Moreira. Houve também um caso recente no Estado de Minas, com direito a várias páginas de direito de resposta. Isso, no entanto, é tão difícil de ver quanto incêndio debaixo de nevasca ou enchente morro acima. Há também certos causos, digamos, misteriosos como, por exemplo, o da maldição da Vara de Pinheiros, mas isso daí só a parapsicologia explica mesmo.

    E, sim, compartilho do sentimento dos amigos sobre a falta de bons jornais no Brasil. Falta honestidade intelectual. É a soma de vários fatores, dentre eles o problema metodológico dos cursos de jornalismo no Brasil - falta sustança nas grades curriculares, na minha modesta visão, claro - conjugado com o simples fato de que a mídia nacional é dominada por um oligopólio de empresas familiares cujo histórico de defesa da Democracia é negativo.

    A qualidade da produção jornalística brasileira hoje é muito, muito ruim, não dá para compara-la nem ao menos com o que rola na América Latina - exceto talvez, Venezuela. Poucos são os jornalistas que tem algo a dizer, e os que têm não podem fazê-lo, pelo menos não fora da Internet. Simples assim.

    abraços coletivos

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  6. A discussão sobre bons jornais é muito importante, mas esbarra numa realidade dura: jornais são empresas privadas que têm como objetivo o lucro. Os jornais norte-americanos e europeus são muito criticados por lá também. O Chomsky tem um documentário excelente sobre isso (O Consenso Fabricado). O jornalismo ideal não pode ser praticado por empresas privadas porque visam o lucro e esse objetivo é incompatível com o bom jornalismo. Depois falo mais sobre isso. Abraços a todos.

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