quinta-feira, 9 de abril de 2009

Tensões na Moldávia


É provável que você nunca tenha ouvido falar da Moldávia na sua vida. Ela é uma ex-república soviética de quatro milhões de habitantes que hoje possui um PIB per capta miserável de pouco menos de US$ 3.000,00 (em valores reais de 2008) e o mais baixo índice de desenvolvimento humano de toda a Europa - menor, por exemplo, que o da Bolívia. Seu povo fala majoritariamente o moldávio, uma variante dialetal do romeno - no entanto, em certos enclaves como a Transdniestria vivem russos étnicos, ucranianos e moldávios pró-Rússia quase que na mesma proporção populacional e por isso tal região mantém uma independência de facto auxiliada pela Rússia numa situação não muito diferente da Ossétia do Sul e da Abkhazia. Como se não bastasse, uma parcela considerável da população economicamente ativa vive fora do país.


Politicamente, o Partido dos Comunistas é hegemônico na Moldávia- o que talvez seja um caso único nas ex-RSS - e em sua oposição encontram-se o Partido Liberal e o Partido Liberal-Democrático. O x da questão é que os comunistas se mantém no poder aqui por um simples fato: Eles são a única força política que mantém o país unido frente as tensões secessionistas tanto à leste, no Transdniester, quanto à oeste, na fronteira com a Romênia onde apologistas do pan-romenismo defendem que o país seja fundido à Romênia - e dentre os entusiastas do fim da Moldávia via romenificação estão muitos liberais, daí a fragilidade política dos dois partidos que se identificam como tal: Como vencer uma eleição em um país que você aberta ou veladamente pensa em pôr fim?

É nesse clima político que foram realizadas eleições parlamentares na Moldávia, o que implicou em nova vitória dos comunistas que obtiveram mais da metade dos votos e que levando em conta a clásula de barreira ficaram com 60 das 101 cadeiras do parlamento - o que é importantíssimo para eleição do Presidente da República, que precisa ser referendado por 61 deputados. Segundo observadores da UE e de inúmeras organizações internacionais, as eleições transcorreram normalmente, no entanto, do resultado das urnas irrompeu uma verdadeira revolta principalmente por parte de jovens, o que tem causado distúrbios violentos em todo o país.

O que explicaria isso? Como vimos recentemente, ocorreram na Ucrânia e na Geórgia ditas "revoluções", no entanto, qualquer exame mediano da forma como elas se deram aponta não apenas para o apoio como o financiamento dos EUA que, fazendo uso de demagogos bem financiados (como Yushchenko e Yulia Timoshenko na Ucrânia e Saakashivili na Geórgia), usaram da insatisfação popular contra os velhos e incompententes líderes pró-Rússia para enfraquecer a influência do Kremelin na região. No caso da Moldávia, no entanto, líderes ocidentais não estão aparecendo na Televisão para questionar a validade das eleições como também não há uma liderança clara a frente das ações recentes em Chisnau. Seria isso uma nova tática do Ocidente?

Para complicar, os comunistas moldávios não podem ser classificados exatamente como apoiadores de Moscou como suscita a própria questão da Transdniestria, onde eles se encontra em lado oposto ao do Kremelin. No máximo, eu poderia dizer que eles ajudam a refrear o avanço do Ocidente à leste. Por outro lado, se os russos tem interesse na Transdniestria, seja como parte do território - como enclave tipo Khaliningrado - ou como Estado fantoche, tenho minhas dúvidas sobre o desejo dos líderes romenos em ficarem com o "resto", dadas as próprias limitações econômicas de Bucareste, ainda mais nesse cenário de Crise Mundial.

Dessa forma, a situação mais do que confusa é complexa, afinal, ela reflete várias coisas ao mesmo tempo: A disfuncionalidade do capitalismo naquele país; o vácuo político pós-URSS que ali, como nas demais ex-RSS, se materializa na não-criação de instituições no lugar das que tombaram há quase vinte anos; a bomba-relógio étnica presente em todo território da ex-URSS; o desejo dos jovens da região em verem algo melhor, ainda que não tenham a menor ideia de como fazer isso. O caso Moldávio, portanto, não pode ser ignorado na medida em que, à sua maneira, ele expressa mais do que a problemática da ex-URSS, mas sim aquilo que está dando errado e o que pode dar errado na Europa dos anos vindouros...


atualização - 10/04 às 13:51 - Acabo de receber notícias sobre protestos na Geórgia exigindo a demissão do Presidente da República, Mikheil
Saakasvlli. A acusação diz respeito a fraudes eleitorais, desrespeito aos direitos e garantias fundamentais entre outras coisas. Saakashvili, assim como os atuais líderes ucranianos, é fruto da desastrosa estratégia da administração Walker Bush em apertar o cordão sanitário que envolve a Rússia; basicamente, a burlesca revolução rosa que o colocou no poder transformou Tblisi em um posto avançado dos interesses anti-russos, energéticos e de fornecimento de contingente militar para o Ocidente, em especial, para os EUA - ver envio de tropas georgianas para o Iraque. Em troca, as forças armadas georgianas receberam treinamento e armamento americano via Israel. Mas Saakashvili se enganou com o poder ganho e cometeu uma ação pueril ao tentar assumir o controle da Abkhazia e da Ossétia do Sul, sofrendo uma vergonhosa derrota para Moscou - muito provavelmente no intuito de desviar o foco da opinião pública de seu país sobre os problemas de seu governo, o que, na verdade, acabou o enfraquecendo mais ainda. É muito provável que depois de ter se provado pouco confiável, Washington esteja pouco disposta em mantê-lo no poder - principalmente agora que a administração Obama visa diminuir a tensão com os russos. Esperemos e vejamos, prometo um post em breve e repito: Olho na região pós-soviética.

Um comentário:

  1. Parabéns, bastante relevante esse seu olhar sobre a moldávia e em geral sobre o Cáucaso, principalmente agora que eu li (07/05/09), com as tensões entre Moldávia e OTAN e a Rússia.

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