quarta-feira, 8 de julho de 2009

Nazismo e Stalinismo: A Falsa Simetria













Há poucos dias, a Assembleia Parlamentar da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa aprovou
uma resolução que equiparou o Stalisnimo ao Nazismo. Trata-se de um erro grave que parte de uma premissa falsa e, no fim das contas, apenas relativiza o que foi o Nazismo - coincidência ou não, num momento em que ocorre uma ascenção de movimentos de extrema-direita no continente europeu.

O Nazismo é uma ideologia que deve ser banida porque rompe com um patamar mínimo civilizatório conquistado no Iluminismo. Seu objetivo é chegar na Utopia eugênica - na verdade, uma terrível distopia -, onde um Estado tecnocrático comandado por humanos geneticamente superiores - entenda-se, germânicos - mantêm as demais etnias - "raças", na sua concepção - em estado de permanente escravidão, matando, à priori, os grupos irremediavelmente incompatíveis com esse projeto. O fim perseguido pelo Nazismo, portanto, já é um crime em si mesmo e qualquer meio que venha a se empregado para atingi-lo será invariável e igualmente iníquo - e o termo crime aqui está sendo empregado no sentido de atentado a princípio ético fundamental para a convivência humana, portanto, vai além da mera concepção juspositivista.

O Stalinismo por sua vez, mais do que o período da ditadura de Josef Stálin a frente da URSS equivale a um fenômeno social e político além de uma forma anômala de socialismo. Ele persegue a construção de uma sociedade comunista por meios essencialmente autoritários e burocráticos, onde uma elite instalada nos gabinetes administraria técnica e cientificamente um capitalismo in vitro de onde seria tirada a mais-valia necessária para realizar as revoluções tecnológicas que levariam à conquista do Comunismo. Como tal elite decidiria de modo "científico", suas deliberações seriam inquestionáveis do ponto de vista político e as discussões se dariam dentro do Partido Único que se confundiria com o próprio Estado e com o Monopólio Econômico. À priori, ninguém seria exterminado e todos estariam incluídos no projeto desde que não ousassem discordar das diretrizes do Partido.

Desde o momento em que o extermínio prévio de determinados grupos não é premissa do Stalinismo - na medida em que o uso de extrema violência física pelo Estado é hipótese para o descumprimento das diretrizes -, estamos diante de uma ideologia extremista, autoritária e inviável, mas que não rompe com os parâmetros éticos mínimos estabelecidos pela tradição iluminista - o da busca de um sociedade justa por meio da inclusão de todos.

Estabelecer uma analogia entre os dois movimentos por conta do
pacto Molotov-Ribbentrop é inteiramente falso. Acordos táticos de natureza dissuasória como esse eram feitos aos montes pelas potências da época. Na prática, o pacto em questão foi uma maneira que ambos encontraram para ganhar tempo diante da guerra iminente, um jogo onde uma parte tentou enganar a outra - e pelo resultado do conflito, sabemos quem enganou quem no final. Se isso for o suficiente para igualar as duas ideologias, então o parlamentarismo britânico e o republicanismo francês deveriam ser equiparados ao Nazismo também.

Mas a palavra-chave aqui é mesmo dissuasão; como lembrado no início do post, a Europa vive um momento preocupante. Quando se compara algum movimento com o Nazismo, se esconde uma perigosa ideia por detrás: A relativização do próprio Nazismo. É um raciocínio tortuoso, mas funciona assim: Se o Nazismo e o Stalinismo são mesma coisa, pode-se jogar o Nazismo na vala comum do (felizmente) finado Stalinismo e assim estar livre para criar uma nova forma de regime da extrema-direita, isento da reprovação ética prévia da sociedade e pronto para fazer o seu papel de - em meio ao vácuo intelectual, político e econômico da Europa contemporânea - achar os bodes expiatórios do momento e, numa jogada desesperada, salvar o capitalismo local.

É um momento político muito perigoso onde encontramos dois pontos interessantes e assustadores: O primeiro toca às direitas moderadas do pós-guerra, signatárias de algum compromisso social, pouco a pouco se desarticulam, pois suas políticas dependiam do apoio intensivo de Washington, algo impensável nos dias atuais seja pela queda na importância estratégica da Europa ou pela própria crise americana; o segundo diz respeito às esquerdas do continente, onde os social-democratas ignoraram os fatores materiais que eram as bases reais do welfare state e agora se veem perdidos, enquanto os comunistas caíram na cantilena do Stalinismo e há vinte anos se veem perdidos. É em meio a essa crise de Hegemonia, onde as esquerdas não conseguem atuar politicamente, que o capitalismo europeu começa a articular novas saídas para a sua sobrevivência e, não custa lembrar, elas não são nem um pouco bizarras.


P.S.: Há um artigo muito interessante de
Slavoj Zizek sobre a questão que foi publicada na edição nº 12 do Sopro.





11 comentários:

  1. Ridícula (e perigosa) essa 'conclusão' da assembléia européia. Baseada num absolutismo moral tosco (que assemelha-se a próprio lógica nazista), reduz a História a um faroeste do John Wayne.

    Se o stalinismo 'já era', o nazismo e o fascismo permanecem. Vemos que somente a extrema direita 'compra' essa teoria da equiparação do nazismo nem sequer ao stalinismo, mas ao 'comunismo' como um todo.

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  2. Luis Henrique,

    Pois é, meu velho, em alguns lugares, isso ocorre de maneira até mais acintosa. É isso que está em jogo.

    abração.

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  3. Hugo,

    É uma grande vitória da direita a aprovação dessa resolução, que parte de um revisionismo histórico falso e abre precedentes altamente perigosos para a disseminação de ideologias de direita e mesmo neonazistas num momento particularmente fértil para a sua expansão, como você coloca com propriedade.

    Basear-se no pacto Moletov-Ribbentrop é uma piada, um erro groseiro de avaliação histórica (exatamente pelas razões explicitadas no post), que suscita dúvidas sobre a seriedade e as reais intenções dos proponentes e dos apoiadores dessa moção.

    Nazismo e stalinismo, embora constituam ambos exemplos extremos de extrapolação da violência monopolizada pelo Estado, realmente não podem ser equiparados, devido sobretudo às bases racistas, aniquiladoras (e eu acrescentaria belicamente expansionistas) que formam as premissas ideológicas (depois transformada em práticas) do primeiro.

    Mas a afirmação de que o stalinismo "não rompe com parâmetros éticos mínimos estabelecidos pela tradição iluminista - o da busca de um sociedade justa por meio da inclusão de todos" precisaria, penso, ser refletida com mais cuidado. Parece-me complicado chamar de justa uma sociedade em que o Estado usa a força contra os que se lhe opõem politicamente, e este fato, por sua vez, significa em si mesmo a não-inclusão de todos. Uma sociedade assim contraria, na minha opinião, a mais básica das premissas iluministas, resumidas no lema "liberdade, igualdade, fraternidade". Além disso, que "a priori" ninguém seria exterminado pelo stalinismo é um dado a se considerar na comparação com o nazismo em termos ideológicos, mas o fato concreto é que milhões o foram na União Soviética.

    Essa pequena ressalva - que espero que você interprete como uma crítica construtiva - de modo algum permite, no entanto, a comparação de uma ideologia e de um modo de exercício do poder que se baseia a priori no ódio racial e em práticas aniquiladoras - estas tanto para extermínio racial como para avanço bélico - com outra em que,graças à deturpação de uma ideologia originalmente socialista, o Estado, dominado por uma elite burocrática, extrapolou no uso da força que detém, alegadamente por razões ideológicas mas, de qualquer forma, para eliminação de seus inimigos. Trata-se de duas formas condenáveis e abusivamente violentas de exercício de poder, que merecem ambas serem condenadas, mas não restam dúvidas de que não podem ser equiparadas.

    Um abraço.

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  4. Maurício,

    Sim, sem dúvida, tratam-se de duas formas completamente questionáveis de exercício do poder. O Stalinismo foi o responsável por gerar um vácuo geracional tremendo assim como um burocracia autoritária, subserviente e pouco criativa, fatores esses que levaram ao fim da própria União Soviética.

    O x da questão é que ele não rompe mesmo com os parâmetros mínimos estabelecidos pelo iluminismo. Veja o trecho que você sublinhou: não rompe com parâmetros éticos mínimos estabelecidos pela tradição iluminista - o da busca de um sociedade justa por meio da inclusão de todos. Eu me refiro aos fins perseguidos e não aos meios empregados, por isso ele está dentro da margem racional do que o iluminismo estabeleceu.

    E tomemos cuidado quando falamos da herança iluminista; ela deu no mais acentuado processo de desenvolvimento da humanidade, mas também gerou as piores tragédias da História - sim, tentativa racionalista nem sempre foi pouco violenta.

    Essa herança compreende um espectro largo que vai desde a necessidade avanço dos direitos civis, políticos e de terceira geração - aos trancos e barrancos e de maneira nem sempre linear - até o totalitarismo. O padrão por detrás de tudo isso é a busca por uma construção racional de organização coletiva.

    Deu em tragédias? Sim. O próprio período do Terror da revolução Francesa se encontra dentro dessa tradição iluminista e de certa forma é uma antevisão de muito daquilo que veríamos 130 anos depois com os processos de Moscou e o Stalinismo eufórico e todo-poderoso. O Stalinismo matou mais? Sim, mas Robespierre não detinha poder industrial-militar - isso sem citar outros exemplos como a Ditadura Napoleônica que é quem de fato (e de direito) pare o Leviatã idealizado por Hobbes séculos antes: O Estado Burguês.

    O Nazismo não; ele rompe com essa ideia ao voltar para um passado remoto e ideal - como a suástica suscita - onde o uso de velhas práticas como a eliminação e/ou escravização dos diferentes e dos incapazes é ponto de partida inicial com qualquer conversa - e do iluminismo só faz uso da ciência e das tecnologias de ponta.

    abraços

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  5. Hugo,

    O nazismo não expressou também, algumas características e/ou interpretações do iluminismo? Penso em Kant e seu Imperativo Categórico, no 'uso da ciência e das tecnologias de ponta' da Alemanha Nazista (posteriormente pilhada pelos Aliados) e também na 'eliminação e/ou escravização dos difentes e dos incapazes', uma espécie de darwinismo social elevado à décima potência.

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  6. Luis Henrique,

    Eu acredito que não. Ele, na verdade, rompe com ela por meio de um idealismo fundamentado numa ideia maniqueísta muito primitiva - ligada à ideia da eugênia. Você afasta à priori a possibilidade de incluir todos os tipos de pessoas no Projeto, não há aquele impulso transformador racional - que não é livre da violência, mas que a combina com o convencimento.

    O judeu era judeu e tinha de ser eliminado por isso. Mesmo na Inquisição, num período pré-iluminista, havia a possibilidade da conversão como forma de remissão da culpa - assim como no Stalinismo, onde um Zhukov foi aceito mesmo tendo sido da cavalaria do Czar -, no Nazismo não, a lógica por detrás é muito anterior, quase como o que se via na Antiguidade antes dos estóicos.

    O uso da tecnologia e da ciência é sempre acessório. Não acredito em ciência ou tecnologias neutras, mas acredito que elas significam sempre em função do Poder, variando dentro da sua margem semântica.

    Sobre o darwinismo social, até certo ponto, mas não se pregava a seleção entre as etnias, os germânicos eram, à priori, superiores aos demais e ponto.

    Também não veria uma influência de Kant, o Nazismo nunca poderia ser Lei Universal, por exemplo.

    abraços;

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  7. Ironia mode on

    Achei surpreendente a conclusão a que chegaram os membros da Assembléia Parlamentar da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa ao equipararem Nazismo e Stalinismo.

    Vejam bem, seus principais líderes tinham uma característica em comum que já é um importante indício de aproximação entre suas ideologias: Ambos usavam bigodes! Coincidência?

    Se analisarmos mais atentamente veremos outras semelhanças. Ambas as ideologias tinham como seus principais símbolos, protegidos pela mesma cor vermelha de suas bandeiras, dois objetos ou traços entrelaçados. A natureza desses objetos ou traços era diferente, evidentemente, mas ambos remetiam a união, e a força resultante dessa união. Ou seja, ambas as ideologias tiveram a mesma idéia na hora de escolher seus símbolos! Outra coincidência?

    As semelhanças não param por aí. Tanto Stalin quanto Hitler estavam na frente de organizações e partidos que traziam em si a mesma palavra: Socialismo. No caso de Hitler, o Nacional Socialismo Alemão e no de Stalin, a Internacional Socialista. Como, além de todas essas semelhanças, ainda sabemos que as duas ideologias eram centralizadoras, totalitárias e muito importante, ambas marcadas pela forte presença e intervenção do Estado não só na economia, mas no próprio estilo de vida de seus cidadãos, temos que reconhecer que, sem dúvida nenhuma, Nazismo e Stalinismo só podem ser a mesma coisa, tudo farinha do mesmo saco.

    Dedução brilhante!

    Ironia Mode Off

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  8. Não fosse o camarada Stalin os nazistas teriam dominado o mundo...

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  9. Edu,

    Só a ironia salva mesmo numa situação dessas.

    cappacete,

    Até um relógio quebrado marca a hora certa duas vezes por dia - só que pelos motivos errados. Ainda assim, o mundo deve essa a Stálin.

    abraços coletivos ;-)

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  10. Quantos nerds KKK então tô só fazendo o trabalho do colégio mais parabéns ujm ótimo texto.

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  11. E uma tese firme, mais com deslises, falta alguns pontos

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