sexta-feira, 27 de abril de 2012

Sobre Quotas e o STF

Plenário do STF durante o julgamento
A notícia do momento trata do fato de que o STF decidiu, por unanimidade, que as quotas raciais são constitucionais ao julgar ação movida pelo Democratas contra o referido mecanismo de inclusão  -  o que, provavelmente, já deve ser a quinta  morte do referido partido, se contarmos a queda de José Roberto Arruda do governo do Distrito Federal, a hecatombe eleitoral sofrida nas eleições de 2010, o racha que deu origem ao PSD e a implosão de Demóstenes Torres no escândalo Cachoeira.

A um primeiro olhar, aquilo que se constitui em uma derrota do DEM, somado a uma simultânea vitória do movimento negro, só pode se tratar de uma boa nova, mas, para variar, o buraco é mais embaixo. Vemos aqui, o velho problema do agigantamento gradual do STF como espaço de captura do debate político.

Para muito além do aumento da importância daquele tribunal em virtude da Emenda nº 45 de 2004, existe uma tendência à neutralização, até mesmo, das arenas de mediação política do próprio Estado para a redução da luta ao meramente judicial - a retirada dos embates do campo da disposição, ainda que mediada, para a sua reinscrição na linguagem da dívida infinita. 

O governo não compra brigas, não entra em polêmicas, apenas defende certas posições via AGU - junto com sua capacidade ímpar de fazer lobby junto aos ministros - e resolve as questões por meio máquina transcendente do STF. A oposição não confronta diretamente nada, mas apela para a transcendência da lei: uma confrontação que, no campo da política, jamais seria inciada pela inevitável pecha de racismo, acaba mascarada pelo aparato legal.

O que parece uma astúcia interesantíssima do atual governo, dadas as suas posições razoáveis no campo social e dos direitos civis, é, na verdade, uma redução que se envereda por um caminho perigoso: as decisões do STF variam entre o óbvio e o descalabro, mas elas estão disfarçadas pela névoa neutra da lei  (isto é, o pendulo que varia entre o poder de veto dos sábios até a benevolência da outorga). 

A Constituição, enunciada como uma divindade pelos ministros-oráculos, poderia dizer que os negros continuariam apartados da Universidade, mas também poderia, como o fez, tomar a voz dos excluídos e fazer uma luta ganha pelos próprios quotistas - que desmistificaram toda sorte de argumentos contra si nos últimos anos - passar a ser sua: o STF ratificou as quotas e só isso importa.

Na prática, a verdade histórica produzida pelos quotistas negros e pelos quotistas do Prouni, enquadrados por critério social - em que pese a consideração étnica em enquadramento subsidiário - é que eles próprios constituiram a desmistificação da névoa ideológica usada contra si e por isso forçaram o sistema, por meio dessa ratificação, a absorver-lhes na tentativa de lhes capturar pela impossibilidade de uma exclusão estanque determinada pela sua própria resistência.


Essa absorção é estratégia de sobrevivência da Ordem, mas gera um risco dentro de si,ao seu funcionamento interno, com o qual ela será obrigada a conviver de agora em diante. No mais, ainda resta o bônus que o presente processo ajudou a levar consigo o que há de mais ofensivo em termos de partido grande brasileiro.


4 comentários:

  1. A questão das cotas é, ou deveria ser, a de reserva de vagas. Se a direita brasileira quisesse disputar isso politicamente, atacava a reserva de vagas e enaltecia o modelo de Campinas - que não reserva uma única vaga para "cotistas". Em lugar disso, Campinas lhes garante pontos a mais (o que não destroi a "meritorcracia"), de modo que pode haver uma turma só de "cotistas", ou turmas sem um "cotista" sequer.

    Aliás, a própria esquerda devia defender esse modelo - bem mais sofisticado, interessante e funcional (e mais dificil de atrair opositores) do que a reserva prévia de vagas. Inclusive em concursos públicos e pós-graduações (mestrado, doutorado, residência, etc.)

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    1. O problema, Lucas, é que a direita brasileira - ou, para ser mais exato, o DEM - quis disputar claramente o ingresso dos negros e pobres na Universidade - pública e, também, privada - e não podia, dentro da primariedade dessa pauta, fazer diferente - mas essa primariedade não é natural, mas uma construção histórica fruto da luta dos próprios quotistas nos anos recentes.

      No mais, a reserva de vagas é melhor, porque já garante de antemão esse ingresso e não gera mera expectativa de - e, no caso das universidades privadas, ele é um meio essencial porque o Prouni envolve isenções tributárias em troca de vagas oferecidas, logo precisa ter o número das segundas determinado de pronto, não uma mera expectativa.

      É claro que as universidades têm autonomia para optar por meios de ingresso diferentes, mas a reserva da vagas, a quota propriamente dita, precisa estar garantida dentre eles - inclusive porque ataca a ideia de meritocracia que, por essas terras, sempre significou a naturalização do resultado de disputas entre entes sociais assimétricos.

      P.S.: particularmente, eu acho que as reserva de vagas é um meio de ingresso superior ao bônus porque, inclusive, os estudantes de escola pública costumam ter dificuldades em relação ao tipo de saber exigido no exame vestibular - ao contrário de estudantes de classe média que tem, ao menos, a chance de fazer bons cursinhos -, o que muda no andamento do curso universitário, com os estudantes pobres e negros absorvendo os códigos necessários numa velocidade maior do que os pagantes ou ingressantes de classe média, o que gera uma reversão da assimetria original e uma comprovada ultrapassagem - e prova, aliás, o quanto o vestibular é falacioso. O bônus, portanto, ajuda mas não confronta devidamente a situação no plano do ingresso.

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  2. Hugo,
    Sobre os poderes do STF, o que você acha das 2 emendas propostas por um deputado do PT (não lembro o nome) para limitar a atuação do STF?

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    1. Edson, eu precisaria estuda-las com mais cuidado, mas o fato é que a PEC 03/2011 não me parece tão problemática assim, ao contrário: ela se volta contra os atos normativos produzidos pelo Poder Judiciário, sobretudo pela Justiça Eleitoral, coisa que eu sempre abominei - ora essa, a Justiça Eleitoral decide quase discricionariamente, e de forma casuística, as regras do jogo eleitoral no país. Sobre a PEC n. 33/2011, ela temperaria o modo de controle de constitucionalidade no Brasil, o que merece sim discussão: não sei se estabelecer quórum para uma lei ser declarada inconstitucional seja certo, mas sou favorável que o Poder Legislativo precise aprovar Súmulas Vinculantes - cujo uso me parece problemático desde o início - e entendo, também, que o fato do STF ter competência para, sozinho, declarar Emendas à Constituição inconstitucionais é problemático, uma vez que elas tem natureza diversa de um projeto de lei ordinário (inclusive quanto ao quórum no Congresso Nacional). Mas, no fundo, isso é uma disputa entre os órgão do Estado para ver quem dá a última palavra, só isso, o buraco é muito embaixo do que isso.

      abraços

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